Parecer do Requerente

24-05-2025

SIMULAÇÃO DE DIREITO ADMINISTRATIVO II

Sobre as alegações do Requerente

O presente parecer visa analisar a situação jurídico-administrativa de Sandokan da Silva, cidadão angolano residente em Portugal desde 2020, face à recusa tácita ou inércia da Administração Pública na concessão da sua autorização de residência. Apesar de ter entrado legalmente em território português, possuir contrato de trabalho em vigor e descontar para a Segurança Social, Sandokan da Silva, após múltiplas e infrutíferas tentativas junto das entidades competentes (inicialmente o SEF e, posteriormente, a AIMA), não obteve, até à presente data, qualquer decisão sobre o seu pedido de autorização de residência apresentado a 5 de maio de 2020, ao abrigo do art. 88º/2, da Lei nº 23/2007, de 4 de 4/07, na versão da Lei nº 102/2017, de 28/8.

A longa e injustificada demora na decisão do pedido, que manifestamente ultrapassa o prazo legal de 90 dias previsto no art. 82º/1 da Lei nº 102/2017, configura uma grave violação dos direitos de Sandokan da Silva. A inação da Administração Pública não só obsta à regularização da sua situação em Portugal, como também acarreta sérias consequências para a sua vida pessoal e profissional.

Conforme será demonstrado ao longo deste parecer, a conduta da Administração Pública viola diversos preceitos legais e princípios fundamentais da Constituição Portuguesa, sendo que as alegações da Administração, relativas à falta de apresentação de documentos, mudança de entidades, alterações procedimentais e substantivas, sobrecarga de pedidos ou falta de condições materiais, não podem servir de justificação para a inobservância dos prazos legais e a privação de direitos essenciais.

Neste contexto, Sandokan da Silva vem socorrer-se da justiça administrativa para ver reconhecido o seu direito à obtenção da atorização de residência ou, em alternativa, que seja declarada a sua pretensão tacitamente deferida face ao decurso do prazo legal.


I. Sobre o problema da sucessão das leis no tempo

Independentemente da qualificação do autor, aplica-se a lei vigente no momento do pedido, ou seja, a Lei n.º 28/2019, de 29 de março, por força do princípio tempus regit actum - dessa forma, os actos administrativos regem-se pelas normas em vigor no momento em que são praticados, independentemente da natureza das situações a que se reportam e das circunstâncias que precederam a respectiva adoção, no sentido de garantir a segurança jurídica.

Deste modo, o Tribunal não se encontra vinculado à qualificação jurídica feita pelo autor, mas sim à aplicação do direito vigente: Se Sandokan da Silva apresentou a manifestação de interesse no dia 5/5/2020, a Lei 28/2019 já estava em vigor nessa data e o prazo para a Administração decidir esgotou-se sem decisão durante a vigência dessa lei, então a lei a aplicar pelo Tribunal é a versão com a redação da Lei n.º 28/2019 (em vigor desde 30 de março de 2019).

Vale a pena notar, no entanto, que o número a que Sandokan da Silva se refere, o n.º 2, tem a mesma redação na versão da Lei n.º 102/2017, de 28 de agosto, e na versão da Lei n.º 28/2019, de 29 de março, pelo que a referência à primeira não estaria, na prática, errada, se não fosse o aditamento do n.º 6 pela redação da Lei n.º 28/2019.


II. Sobre a influência do problema da sucessão de leis no tempo na pretensão do Autor

A Lei n.º 28/2019, de 29/03, introduziu o n.º 6 ao artigo 88.º nos termos do qual «presume-se a entrada legal prevista na alínea b) do n.º 2 sempre que o requerente trabalhe em território nacional e tenha a sua situação regularizada perante a segurança social há pelo menos 12 meses». Deste modo, é esta a principal novidade relevante para o caso de Sandokan da Silva: a presunção de entrada legal em território nacional quando o requerente trabalhe e tenha situação regularizada perante a segurança social há pelo menos 12 meses, cumprindo-se assim o requisito do art.88.º/2 b).

Em rigor, a nova redação do artigo 88.º da Lei n.º 23/2007, introduzida pela Lei n.º 28/2019, não impõe qualquer requisito adicional que prejudique os requerentes que beneficiariam da versão anterior da norma; aliás, consagra um mecanismo favorável à sua regularização, não existindo, por isso, qualquer violação do princípio da proteção da confiança ou da expectativa legítima do Autor, nem da mesma resulta qualquer prejuízo para o mesmo da aplicação da lei vigente à data do pedido.

Não obstante não poder beneficiar da presunção em causa, dado que residia no país há, no máximo, 5 meses, aquando do seu pedido, também não precisava desta prerrogativa, dado que preenchia diretamente o requisito de entrada legal constante do art.88.º/2 b).


III. Sobre a omissão por parte da Administração Pública e respetivas consequências

O Autor apresentou o seu pedido de atribuição de residência em território nacional no dia 05/05/2020, ou seja, há 5 anos, por referência à data em que intentou a presente ação. O art.82.º/1 Lei 23/2007 (alterada pela Lei 28/2019) fixa que "o pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias.". Efetivamente, nada decidiu nesse prazo, nem tão pouco nos anos subsequentes - até ao momento, a entidade demandada não decidiu se concedia ou não a requerida autorização de residência ao Autor, prolongando no tempo a sua situação de indocumentado. Deste modo, estamos perante uma clara omissão do seu dever de decisão.

A discricionariedade que cabia à entidade demandada ao abrigo do disposto no art.88.º/2, da Lei 23/2007, não inclui prazos, nem está subtraída à observação e cumprimento dos princípios constitucionais da atividade administrativa. Todo e qualquer cidadão é, perante a Administração, um sujeito jurídico de pleno direito, que, numa relação jurídica procedimental tem direito a uma decisão e nunca a uma "discricionariedade do silêncio", ou ao "silêncio incumprimento", que corresponde, afinal, à violação do dever de decidir. O SEF está adstrito a agir em conformidade com os princípios constitucionais da actividade administrativa: nesse sentido, cite-se António Francisco de Sousa, segundo o qual "não há discricionariedade sem limites", sendo que "a discricionariedade administrativa é sempre limitada pela lei e pelo Direito" (in "Direito Administrativo em Geral, 4a edição, Porto: FDIIP, 2001, págs. 358 e 298). A discricionariedade administrativa encontra-se limitada tanto pelas imposições do ordenamento jurídico (limites externos), como pelas exigências do bem comum, da ética administrativa, da boa administração e de todos os princípios que regem a Administração Pública (limites internos), limites que no caso sub judice não foram observados. Se, como afirma Marcello Caetano "discricionário significa livre dentro dos limites permitidos pela realização de certo fim visado pela lei (in "Princípios Fundamentais do Direito Administrativo", Coimbra: Almedina, a 1996, pág. 129), temos então que, em termos temporais, muito depressa a entidade demandada entrou no domínio da arbitrariedade. A lei especial - artigo 82°, n.º l, da Lei 23/2007, de 4 de Julho - determina o prazo de 90 dias para a decisão de concessão de autorização de residência. E, a Lei Geral – art. 128.º/1 CPA— fixa o prazo de 60 dias.

A entidade administrativa demandada não apenas excedeu manifestamente o prazo legal para decisão — 90 dias — como prolongou o silêncio durante anos, em clara violação dos princípios estruturantes da atuação administrativa, mormente:

  • Princípio da Decisão (art.13.º CPA): Este princípio consagra o direito dos cidadãos à obtenção de uma resposta da Administração Pública face a uma pretensão, equivalendo o silêncio administrativo a uma violação do dever/direito de decidir, tendo, evidentemente, como referência um prazo razoável de decisão (que é, aliás, direito fundamental nos termos do art. 41.º/1 CDFUE). Este princípio encontra-se, inclusivamente, subjetivado nos termos do art. 286.º/1 CRP: têm os cidadãos o direito fundamental a que, num determinado prazo, a Administração Pública responda aos pedidos de informação - e, por identidade de razão, a todas as demais pretensões – que os cidadãos lhe requeiram;
  • Princípio da Confiança: As expectativas criadas pela entidade demandada foram, de forma geral, dirigidas a todos os requerentes, e, em particular, ao Autor, nomeadamente através da apresentação do pedido de autorização de residência, devidamente instruído com todos os documentos exigidos, bem como pelo pagamento integral das taxas e emolumentos devidos pela análise e eventual deferimento do pedido. A estas expectativas acrescem atos que reforçam a perceção de que o procedimento estava em curso regular. No entanto, passados 5 anos, o Autor continua sem qualquer decisão.
  • Princípio da Celeridade (art. 59.º CPA): os procedimentos administrativos devem ser conduzidos de forma rápida e eficiente, no entanto, sem nunca sacrificar a qualidade das decisões; 
  • Princípio da Boa Administração (Art.5.º CPA e art.41.º CDFUE): dever de a administração prosseguir o bem comum da forma mais eficiente possível. O princípio da boa administração, em que se inclui o princípio da eficiência, está expressamente previsto no art. 81.º, alínea c), CRP, para o setor público empresarial, mas o art. 5º CPA, estende-o a toda a atividade da Administração Pública. O CPA determina que "a Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economia idade e celeridade" (art. 5.º/1 CPA), sendo que, para o efeito, acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo, "a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada". A ideia principal da boa administração é, pois, a de que a atividade administrativa deve, teleologicamente, traduzir-se em atos cujo conteúdo seja também inspirado pela necessidade de satisfazer da forma mais eficiente – isto é, mais racional, expedita e económica – o interesse público constitucional e legalmente fixado, sendo que, instrumentalmente, a Administração deve ser "estruturada de modo a potenciar aqueles primeiros fins".
  • Princípio da Eficiência (art.5.º CPA). 


Ademais, para além do Autor ter demonstrado possuir — naquele momento — todos os requisitos legais exigidos, nos termos dos arts. 77.º e 88.º, também é inquestionável que a entidade demandada admitiu — na mesma data — o uso do meio excepcional e oficioso constante do n.° 2 do artigo 88, da Lei 23/2007: ou seja, a entidade administrativa demandada auto vinculou-se a decidir. E, não decidiu.

Relativamente ao critério previsto no art.88.º/2 c): verifica-se que o indivíduo em causa se encontra inscrito na Segurança Social pode estar a exercer atividade profissional, enquadrando-se, assim, na situação prevista no art.31.º da Lei n.º 110/2009. Consequentemente, a sua inscrição foi efetuada nos termos do art.8.º da mesma lei.


IV. Sobre as consequências da não decisão pelo SEF para o Autor

Neste quadro, é evidente a urgência na obtenção de uma decisão de mérito, tratando-se de uma urgência atual, uma vez que o Autor se encontra numa situação de duradoura clandestinidade. Apenas a autorização de residência temporária lhe permitirá residir em território português com um mínimo de estabilidade, sem termo incerto de permanência. Na verdade, com uma autorização de residência provisória, o Autor não terá sequer a possibilidade de contar com uma expectativa minimamente estável de permanência em território nacional, ao passo que, no caso da autorização de residência temporária, poderá aceder a um regime legal que, embora inicialmente válido por um ano, é expressamente renovável por períodos de dois anos (art.75.º/1 Lei 23/2007) proporcionando maior previsibilidade e segurança quanto à sua permanência.

Essa circunstância não é um mero detalhe sem relevância. Note-se que, nos termos do art.83.º/2 da Lei 23/2007, o titular de autorização de residência tem direito: (a) À educação, ensino e formação profissional, incluindo subsídios e bolsas de estudo em conformidade com a legislação aplicável; (b) Ao exercício de uma atividade profissional subordinada; (c) Ao exercício de uma atividade profissional independente; (d) À orientação, à formação, ao aperfeiçoamento profissional independente; (e) Ao acesso à saúde; (f) Ao acesso ao direito e aos tribunais.

Sem um título de residência, o Autor não pode, desde logo, apresentar-se perante uma entidade empregadora com a garantia de que poderá assumir um compromisso laboral pelo período seguro de, pelo menos, 2 anos, como sucederia caso obtivesse uma autorização de residência temporária, de modo a obter uma situação laboral menos precária, o que, só por este prisma, demonstra a inadequação de uma tutela provisória, que não lhe confere a mesma amplitude de direitos da tutela urgente de mérito. O Autor sofre enorme pressão por parte da entidade patronal que lhe faz saber diariamente que quer provas que concluiu o seu processo de regularização em território nacional, sob pena de ser despedido - está em causa o seu direito ao trabalho. Para o que mais interessa, tenha-se presente que nos termos do Artigo 185.º-A do CP «Quem de forma habitual, utilizar o trabalho de cidadãos estrangeiros que não sejam titulares de autorização de residência ou visto que habilite a que permaneçam legalmente em Portugal, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias».

Referiu, também, que apenas tem acesso ao sistema de saúde se pagar a integralidade das taxas; seja qual for a circunstância, não obstante descontar mensalmente e desde Maio de 2020, a favor da Segurança Social e pagar impostos em território português, como já foi dito através do art. 31º da Lei 110/09, pelo que está em causa o seu direito à saúde e acesso à saúde. Mais referiu que sem ver regularizada a sua situação em território nacional, não pode visitar/estar com a sua família em Angola, nem pode pedir o seu reagrupamento familiar, pelo que, está em causa o seu direito à família.

Importa assinalar que a entrada de cidadãos estrangeiros, bem como a permanência e trânsito dos mesmos, em violação da Lei n.º 23/07, de 04/07, são expressamente consideradas ilegais (cfr. artigo 181.º), sendo que as situações mais graves, estão tipificadas como crime no Código Penal e as menos graves como contraordenação. Estão previstos os seguintes crimes: (i) Artigo 183.º do CP (auxílio à imigração ilegal); Artigo 184.º do CP (associação de auxílio à imigração ilegal); (iii) Artigo 185.º (Angariação de mão de obra ilegal); Artigo 185.º-A (Utilização de atividade de cidadão estrangeiro em situação ilegal); Artigo 186.º (Casamento ou união de conveniência) e Artigo 187.º (Violação de medida de interdição de entrada).

Enquanto a autorização de residência não for concedida ao Autor o mesmo permanece vulnerável a abusos, designadamente, a nível laboral, sujeito a aproveitamentos indevidos da sua condição de clandestino, sendo inegável a verificação de uma necessidade imediata do Autor em deter um título ou uma autorização para se poder manter a residir legalmente em Portugal e aqui continuar a viver e a trabalhar na qualidade de estrangeiro com título legal de permanência e por um período que saiba qual é, para em função do mesmo, gizar o seu projeto de vida, como seja, o de requerer o reagrupamento familiar, sem o receio de a qualquer momento, ser surpreendido com uma decisão judicial ou administrativa desfavorável.

Em suma, permanecendo indocumentado, o Autor pode ver-se limitado na vida quotidiana, com receio de uma possível expulsão, de invocar um apoio policial, caso necessite, de se deslocar livremente, ou de se apresentar e celebrar negócios civis básicos, ou de deslocar-se a um hospital, ou de tentar obter um melhor trabalho, ou, ainda, de reclamar as devidas condições para o trabalho que consiga angariar nessa situação (recorde-se que as entidades empregadoras apenas podem contratar trabalhadores indocumentados a título ocasional, sob pena de incorrerem na prática de crime).

Não é difícil de perspetivar, de acordo com as regras normais da experiência de vida que a falta de um título de residência temporária que permita a permanência, em termos de legalidade, do Autor no território nacional, durante um período certo, afeta o reduto básico, que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana (cf. art.º 1.º da CRP) dos indicados direitos à liberdade, à livre deslocação no território nacional, à segurança (cf. art.ºs. 27.º e 44.º da CRP), à identidade pessoal (art.º 26.º, n.º 1, da CRP), a trabalhar e à estabilidade no trabalho (cf. art.ºs. 53.º, 58.º e 59.º da CRP) ou à saúde (cf. art.º 64.º da CRP). A autorização de residência é imprescindível para que o Autor possa efetivar o seu direito a uma legal integração no mercado de trabalho, e para que usufrua materialmente dos demais direitos, como seja a segurança, tranquilidade, liberdade de circulação e saúde.

Ao perpetuar esta situação, o SEF mantém o Autor numa zona de invisibilidade jurídica, vulnerável, sem direitos plenos e à margem da legalidade que o próprio Estado exige.


V. Sobre o deferimento tácito da Administração Pública

Nos termos do art. 130º/1 do CPA, "existe deferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento." Nesta lei não há nada que nos diga isso, no entanto, nos termos do art.130.º/2 CPA, "Considera-se que há deferimento tácito se a notificação do ato não for expedida até ao primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo da decisão.", independentemente de haver ou não referência na lei ou regulamento ao deferimento tácito. Com um prazo previsto de 90 dias para resposta (segundo o art.82.º/1 Lei 102/2017), prazo esse incumprido pela Administração, enquadramo-nos, precisamente num caso de aceitação tácita.

Perante o sucedido, de acordo com o art. 129º CPA, sem prejuízo do regime dos atos tácitos, a falta de decisão no prazo legal constitui incumprimento do dever de decidir, o que confere ao interessado a possibilidade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados. Mas poderá, nestes moldes, a Administração invocar a revogação, nulidade ou anulabilidade deste ato administrativo tácito? Antes de mais, releva atender à validade do ato em causa: a invalidade define-se como a sanção resultante da desconformidade de um acto administrativo com os princípios e as normas jurídicas aplicáveis, subdividindo-se em duas modalidades, a nulidade e a anulabilidade.

Os pontos anteriores mostram como este processo foi realizado em conformidade com a lei e os princípios vigentes da Administração. Como tal, este ato seria válido.

  • Esta conclusão exclui desde logo a possibilidade de o ato ser nulo - art. 161º/1 CPA, ao qual acresce, no nº 2, a enumeração de atos à qual se atribuiria esta sanção (na qual este ato não se enquadra.)
  • Descarta também a possibilidade deste ser anulado - art. 163º/1 CPA

Por sua vez, os atos administrativos podem ser revogados, desde a sua revogação não afete a estabilidade jurídica, não haja uma vinculação legal impeditiva ou não estejam em causa direitos irrenunciáveis (art. 167º/1) - como tal, um acto constitutivo de direitos (como é o caso, art. 167º/3, a respeito de uma autorização de residência) não pode ser revogado sem mais, pois há uma eficácia inelutável desta actuação administrativa.

O nº 2 do mesmo artigo enumera ainda os casos em que, apesar de se tratar de um ato constitutivo de direito, é possível o âmbito da revogação. Contudo, diante as alíneas enumeradas que condicionam este regime, o caso concreto não se parece inserir em nenhuma.


VI. Sobre a violação de Direitos Fundamentais

Os direitos fundamentais, conforme consagrado nos artigos 1º e 12º da CRP, visam a defesa dos valores e interesses essenciais que assistem a todas as pessoas em Portugal, independentemente da sua nacionalidade. O Estado português tem a obrigação, tal como estabelecido nos artigos 2º, 9º, alínea b) e 18º da CRP, não só de respeitar estes direitos, como também de tomar medidas concretas para a sua efetivação. No caso concreto, a prolongada demora na concessão do seu cartão de residência levanta sérias dúvidas sobre o cumprimento desta obrigação por parte do Estado e o impacto direto nos seus direitos fundamentais.

Contrariamente, ao alegado pela Administração, de que a demora se resume a "condicionalismos práticos" sem perturbar os seus direitos fundamentais, a análise do caso concreto revela um efeito adverso em relação aos direitos e liberdades fundamentais que lhe são constitucionalmente garantidos, decorrente diretamente da falta de decisão em tempo útil. Entre estes direitos, consideramos estar indevidamente restringidos pela inércia administrativa:

  • Direito ao trabalho (art. 59.º CRP)

Este artigo transcende a mera existência de uma ocupação laboral, exigindo condições dignas, humanas e oportunidade de progressão. No caso de Sandokan, apesar de possuir um contrato de trabalho na construção civil e contribuir para a segurança social, a prolongada incerteza sobre a sua situação de residência, impacta negativamente a sua estabilidade laboral e as suas condições de trabalho.

Esta instabilidade, manifesta-se através da insegurança no emprego e da limitação de oportunidades de progressão na carreira. Além disso, a falta de documentos mantém Sandokan numa posição vulnerável, suscetível a exploração por empregadores menos escrupulosos que se aproveitam da sua necessidade de obtenção de rendimento, bem como o podem inibir de denunciar irregularidades por receio de comprometer o seu processo de regularização.

Desta forma, a célere regularização da sua situação é fundamental para garantir o pleno exercício do seu direito ao trabalho, em condições de igualdade e livre de exploração, conforme o artigo referido, que garante não apenas o emprego, mas também condições dignas e humanas e a possibilidade de progredir na carreira.

  • Direito de deslocação e de emigração (art. 44.º CRP)

A ausência do seu cartão de residência apresenta uma restrição à sua liberdade de movimento. Embora tenha exercido o seu direito de emigrar para se estabelecer em Portugal, a falta deste documento impõe sérias limitações à sua liberdade de movimento na atualidade, gerando incerteza quanto à sua capacidade de sair de Portugal e de regressar sem enfrentar obstáculos burocráticos, ou mesmo a possibilidade de ser impedido de reentrar. Posto isto, vê afetada a sua liberdade de movimento ao serem criadas potenciais barreiras à sua saída, e crucialmente, ao seu regresso ao país onde estabeleceu a sua vida e contribui para a sociedade.

  • Direito à constituição de família (art. 36.º CRP)

Apesar de a lei portuguesa permitir que Sandokan case ou tenha filhos em território nacional, a precariedade da sua situação administrativa impede o pleno exercício do seu direito à constituição de família. A constante instabilidade e a falta de perspectivas claras sobre a sua permanência legal em Portugal influenciam as suas decisões de vida relativamente à formação de um núcleo familiar, tornando pouco seguro o facto de poder oferecer ou não um ambiente estável no futuro. Adicionalmente, a ausência de um estatuto de residência regularizado pode criar obstáculos significativos à integração de um futuro agregado familiar, afetando o acesso a serviços essenciais, a estabilidade da habitação e a própria integração social.

  • Direito à proteção da saúde (art. 64.º CRP)

O facto de residir legalmente em Portugal desde 2020, ser trabalhador e contribuir para a segurança social, obriga Sandokan a pagar taxas hospitalares onerosas quando necessita de cuidados de saúde, demonstrando uma desigualdade de tratamento em relação aos cidadãos e residentes com cartão de residência, para os quais o acesso ao SNS é mais facilitado e menos dispendioso. Em vez de beneficiar de um acesso à saúde em condições de igualdade, Sandokan é penalizado com taxas elevadas. Assim, a exigência de pagamentos hospitalares, imposta pela falta do cartão de residência cuja emissão está atrasada por ineficiência administrativa, representa uma clara violação do seu direito fundamental à proteção da saúde, contrariando os princípios da igualdade e universalidade do acesso, penalizando um residente legal que cumpre os seus deveres para com a sociedade portuguesa.

Face ao exposto, torna-se evidente que a tese da Administração Pública, ao reduzir a prolongada pendência na emissão do cartão de residência de Sandokan a meros "condicionalismos práticos", desconsidera o impacto concreto e significativo no exercício de direitos fundamentais que lhe são constitucionalmente garantidos, comprometendo a sua plena integração e o respeito pela sua dignidade humana.


Conclusão

Perante o exposto, e considerando os argumentos apresentados, é inequívoco que a situação de Sandokan da Silva configura uma violação grave dos seus direitos e uma falha da Administração Pública. A demora injustificada na decisão do seu pedido de autorização de residência tem impactado diretamente o exercício dos seus direitos fundamentais consagrados na CRP.

Em suma, a situação de Sandokan da Silva clama pela intervenção da justiça administrativa para que seja reconhecido o seu direito à autorização de residência e para que a Administração Pública seja condenada a praticar o ato legalmente devido. A inobservância dos prazos legais e a inação administrativa prolongada violam os princípios da boa administração e da segurança jurídica, causando prejuízos evidentes ao requerente.


Grupo composto por Ana Luísa Santos, Beatriz Silvestre, Carlota Marques, Constança Pinto, Diana Costa, Francisco Pinto, Joana Abreu, Júlia Portela, Maria Inês Neves, Maria Inês Silva, Mariana Noronha e Sara Faísca.

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