Parecer do Tribunal
SIMULAÇÃO DIREITO ADMINISTRATIVO II
I- Enquadramento:
O presente parecer tem por objeto a análise da legalidade da conduta omissiva da Administração Pública, representada pelo Ministério da Administração Interna e pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), perante o pedido de autorização de residência apresentado por Sandokan da Silva, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, bem como a verificação dos efeitos jurídicos decorrentes do silêncio administrativo, incluindo a eventual formação de deferimento tácito e a violação de direitos fundamentais.
II - Enquadramento Factual:
Sandokan da Silva, é um cidadão angolano que entrou legalmente no território português em 2020. Encontra-se integrado no mercado laboral, mais especificamente no setor da construção civil e desconta para a Segurança Social desde essa data. Foi apresentado pelo mesmo, um pedido de autorização de residência, no dia 5 de maio de 2020 e até à presente data, já tendo passado quatro anos, não foi elaborada qualquer decisão por parte da Administração.
Durante este período de espera, ocorreram alterações legislativas e institucionais, nomeadamente a extinção do SEF e a criação da AIMA, no entanto nenhuma decisão formal foi comunicada ao requerente, mesmo o próprio preenchendo os requisitos legais necessários: a entrada regular; o contrato de trabalho válido e as contribuições para a Segurança Social
III - Aplicação da Lei no Tempo:
A manifestação de interesse do requerente foi apresentada a 5 de maio de 2020, momento em que já se encontrava em vigor a Lei n.º 28/2019.
Por força do princípio tempus regit actum, aplica-se a redação legal vigente à data da prática do ato, nomeadamente o aditamento do n.º 6 ao artigo 88.º, o qual introduz uma presunção de entrada legal para requerentes com situação regularizada na Segurança Social por pelo menos 12 meses.
Ainda que Sandokan não beneficie desta presunção (residia em Portugal há menos de 12 meses), preenchia diretamente o requisito da entrada legal, nos termos do artigo 88.º, n.º 2, alínea b). Logo, a lei aplicável é clara e favorável à sua pretensão.
Nos termos do artigo 82.º/1 da Lei n.º 23/2007, a Administração dispõe de um prazo de 90 dias para decidir sobre pedidos de autorização de residência. Este prazo encontra-se há muito ultrapassado, sem qualquer justificação legalmente admissível para tal demora.
De acordo com esta falta de resposta por parte da Administração, este Tribunal concorda com a existência de uma omissão do dever legal de decidir, que se encontra previsto no artigo 128.º do CPA.
Apesar da Administração alegar a ausência de elementos essenciais (como documentação completa), não foi provada concretamente essa omissão nem o envio de qualquer notificação ao requerente para suprir tais alegadas deficiências. Ademais, a Administração auto vinculou-se à apreciação do pedido com base no artigo 88.º/2, n.º 2, dando início ao procedimento.
Com base nos princípios constitucionais da administração pública — nomeadamente, os princípios da decisão, boa-fé, celeridade, eficiência, confiança e boa administração — o prolongado silêncio administrativo configura um exercício abusivo da inércia, contrariamente ao artigo 13.º do CPA e ao artigo 41.º/1 da CDFUE.
Devido ao silêncio de 5 anos da Administração, concluímos que além de existir um incumprimento formal, existe também uma arbitrariedade material que compromete gravemente os direitos de Sandokan da Silva.
IV - Formação de deferimento tácito:
Apesar da Administração invocar que o procedimento estaria excluído do regime do deferimento tácito, do artigo 130.º CPA, o artigo 130.º/2 admite a sua aplicação caso o silêncio decorra sem culpa do requerente, o que se verifica, já que não houve prova de omissão de documentos essenciais nem notificação para a sua correção.
O artigo 130.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) prevê que:
1. O
deferimento tácito depende de previsão legal ou regulamentar expressa.
2. Contudo,
mesmo na ausência dessa previsão, considera-se tacitamente deferida a pretensão
do interessado se a notificação da decisão não for expedida até ao primeiro dia
útil seguinte ao termo do prazo legal..
Estão, assim, preenchidos os pressupostos do deferimento tácito: houve requerimento formal, ausência de decisão no prazo legal e inexistência de imputação válida ao requerente da demora. O ato tácito formou-se, sendo válido e eficaz, e não podendo ser revogado por afetar direitos adquiridos, artigo 167.º/3 CPA.
V - Validade do Ato Administrativo Tácito:
Nos termos do CPA, o deferimento tácito equivale, em efeitos jurídicos, a um ato administrativo válido.
Não é possível verificar qualquer causa de nulidade, nos termos do artigo 161.º CPA, nem motivo de anulabilidade, do artigo 163.º CPA.
O procedimento foi corretamente instruído, respeitando os pressupostos legais (pedido legítimo, documentação adequada, situação regularizada).
VI - Irrevogabilidade do Ato Favorável, do artigo 167.° CPA:
O ato tácito em causa tem natureza constitutiva de direitos – concretamente, o direito à residência legal em Portugal. Assim, nos termos do artigo 167.º/3 do CPA, não pode ser revogado pela Administração, salvo em casos muito restritos, que não se verificam no presente processo.
VII - Violação do Dever de Decidir, do artigo 129.º do CPA:
A falta de decisão dentro do prazo legal constitui, por si só, violação do dever de decidir imposto à Administração. Esta omissão é censurável do ponto de vista jurídico e legitima o interessado a requerer tutela administrativa ou jurisdicional, tanto para ver reconhecido o deferimento tácito como para obter eventual condenação à prática do ato devido.
VIII
- Princípios Constitucionais Violados:
A inércia prolongada da
Administração fere diretamente os princípios constitucionais da:
1) Legalidade
- artigo 266.º/2 CRP;
2) Boa
Administração e eficiência;
3) Segurança
Jurídica e proteção da confiança - artigos 6.º e 9.º CPA
4) Indiretamente,
os direitos fundamentais à residência, ao trabalho,à saúde, à estabilidade da vida pessoal e familiar e à
dignidade humana - artigos 1.º, 33.º, 59.º e
64.º CRP
A não regularização da sua situação jurídica impede o exercício pleno desses direitos, criando um estado de vulnerabilidade institucionalizada.
IX - Conclusão e Decisão:
Verificando-se a total ausência de decisão no prazo legal e estando reunidos os pressupostos legais, considera-se que o pedido de autorização de residência de Sandokan da Silva foi tacitamente deferido nos termos do artigo 130.º/2 do CPA.
Tal ato administrativo é válido, eficaz e irrevogável, devendo ser reconhecido e formalizado pela Administração, sob pena de grave violação dos direitos do requerente e dos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático.
Em face ao exposto, este Tribunal decide:
1. Julgar procedente o pedido de condenação à prática do ato administrativo de concessão de autorização de residência, ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2 da Lei n.º 23/2007, na redação da Lei n.º 28/2019;
2. Reconhecer que se formou deferimento tácito do pedido nos termos do artigo 130.º/2 do CPA;
3. Reconhecer que houve violação de direitos fundamentais, em virtude da omissão prolongada da Administração, sendo ilegítimos os efeitos da inação administrativa; Termos em que se dá provimento à ação, ordenando à Administração a emissão do título de residência com base no deferimento tácito, com efeitos retroativos à data do decurso do prazo legal (90 dias após 05/05/2020)
A Administração Pública violou o dever legal de decidir no prazo de 90 dias, incorrendo numa omissão administrativa ilegítima (art. 129.º CPA); Verifica-se a formação válida de um ato administrativo tácito de concessão de autorização de residência, nos termos do artigo 130.º, n.º 2 do CPA
É recomendado por parte deste
Tribunal:
A emissão imediata do título de
residência com efeitos retroativos ao termo do prazo legal (isto é, 90 dias
após 5 de maio de 2020); A avaliação pela Administração de eventuais
consequências indemnizatórias futuras; a adoção de mecanismos de correção administrativa
interna, para prevenir a repetição de tais omissões
Alexandre Mira, n.º69588
Ana
Marta Pomares, n.º69478
Armanda
Andrade, n.º69889
Diogo
Ventura, n.º69445
Inês
Fernandes, n.º68157
Inês
Pinto, n.º69913
Isis
Ferreira, n.º70052
Margarida
Oliveira, n.º69655
Mariana
Amorim, n.º69883
Marta Leitão,
n.º69634
Rafaela
Peixoto, n.º69839