Comentário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-11-2011 (Processo nº 01011/10) - Maria Inês Neves
O acórdão em apreço aborda a impugnação de um ato administrativo referente à avaliação de desempenho de uma funcionária pública, representada por uma associação sindical. A requerente alega vícios no ato, incluindo falta de fundamentação, violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade e lesão do direito à progressão na carreira. A ação procurava declarar a nulidade do ato praticado pelo Diretor-Geral do Tribunal de Contas.
O STA julgou improcedente a ação, considerando que os vícios apontados não geraram nulidade, no máximo conduziriam ao vício da anulabilidade, contudo o prazo para a sua invocação já teria decorrido.
Desta forma, compreendemos que estão em causa matérias referentes à falta de fundamentação, relativamente à violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade e ainda uma possível violação do direito à progressão na carreira.
Analisemos agora a matéria de direito controvertida.
No que concerne à falta de fundamentação a autora alegou que o ato impugnado sofria de falta de fundamentação, o que violaria o artigo 152º do Código do Procedimento Administrativo (CPA). O tribunal concluiu que a ausência de fundamentação, ainda que seja um vício, não gera nulidade nos termos do CPA, esta conclusão foi alicerçada nos precedentes doutrinários e jurisprudenciais, que indicam que a falta de fundamentação, por si só, não implica a violação de um direito fundamental, salvo em casos excecionais onde a fundamentação seja essencial para a proteção efetiva de direitos fundamentais, como quando ocorre em situações que envolvem direitos, liberdades e garantias. No meu entender, a decisão do tribunal a quo alinha-se com a jurisprudência consolidada e, embora o dever de fundamentação a que o tribunal está obrigado de forma a garantir a transparência dos atos, não estando diretamente relacionado com a violação de direitos fundamentais, não importa necessariamente a nulidade do ato.
Relativamente à alegada violação do princípio da proporcionalidade e da igualdade, a autora alegou que a avaliação de desempenho violou os princípios em apreço, previstos nos artigos 6º e 7º do CPA.
Importa então fazer uma breve súmula relativamente aos princípios em apreço.
O Princípio da Igualdade, previsto no art. 6º do CPA, proíbe discriminações arbitrárias ou infundadas, exigindo que situações factualmente idênticas sejam tratadas de forma equivalente, tanto na aplicação como na interpretação das normas. Numa perspetiva formal, garante que todos os cidadãos sejam tratados de forma igual perante a lei. Já numa aceção material, permite que diferenças reais justifiquem tratamentos distintos. Segundo o Professor Paulo Otero, o Princípio da Igualdade aplica-se também na ilegalidade, garantindo uma aplicação prática e equitativa deste princípio. Por exemplo, se um agente da autoridade permitir o estacionamento ilegal de um veículo numa determinada situação, deve estender essa permissibilidade a outros veículos em condições similares.
Relativamente ao Princípio da Proporcionalidade, previsto no artigo 7.º do CPA, este princípio possui diversas dimensões. Começamos por enunciar a proibição do excesso ou necessidade, segundo a qual a Administração Pública não deve impor sacrifícios, além do indispensável, para alcançar o interesse público. A atuação deve, portanto, limitar-se ao estritamente necessário. Importa ainda referir a adequação das medidas, que exige à AP que selecione soluções apropriadas às situações concretas, garantindo que os meios utilizados sejam os menos gravosos para alcançar os objetivos pretendidos. Por último, é importante analisar a proporcionalidade em sentido estrito.
Segundo a autora, a aplicação de uma grelha classificativa genérica desconsiderou as especificidades da situação funcional da avaliada, contrariando o princípio da proporcionalidade e o tratamento igual para situações que considera manifestamente desiguais violou o princípio da igualdade. No que concerne à alegada violação do princípio da proporcionalidade, o tribunal entendeu que não era procedente e, relativamente ao princípio da igualdade, considerou que não existiam qualquer ameaças ao princípio constitucionalmente protegido. No meu entender a decisão encontra-se alinhada com a doutrina tradicional uma vez que para que uma violação destes princípios gere nulidade é imperativo que esteja em causa uma violação indiscutível dos princípios e/ou deveres constitucionalmente previstos.
Por último, compreendemos que um dos pontos fulcrais no acórdão em apreço se centra na distinção entre nulidade e anulabilidade nos atos administrativos que alegadamente violem direitos fundamentais. O STA adotou uma interpretação rigorosa do conceito de nulidade, restringindo-o às violações que comprometam diretamente o núcleo essencial de um direito fundamental. A posição do tribunal alinha-se com a doutrina predominante, que exige uma conexão clara entre o vício alegado e os direitos consagrados constitucionalmente para fundamentar a nulidade.
Conforme o exposto, considero que a decisão está firmemente ancorada na doutrina tradicional, respeitando os limites da discricionariedade administrativa e aplicando corretamente os princípios da proporcionalidade.
Bibliografia
OTERO, Paulo, Manual de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2013.
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Volume II, 2018.
Maria Inês de Oliveira Neves - nº 69606