Comentário do Acórdão de 26 de novembro de 1996. - Catarina Mesquita

20-11-2024

Acórdão de 26 de novembro de 1996. Apêndice de 1999-04-15 

Neste Acórdão foi apresentado um recurso por José Quinta, contra a Câmara Municipal de Espinho (CME), sobre uma deliberação que ocorreu a 25 de setembro de 1987, que aprovou a desafetação de uma parcela de terreno do domínio público para cedê-la ao Sporting Clube de Espinho(SCE) para a construção de uma bancada no campo de jogos. 

O recorrente José argumenta que esta deliberação violou o Decreto-Lei 370/83, no que diz respeito ao impedimento de um membro da Câmara que fosse simultaneamente dirigentes do SCE de se envolverem neste processo por motivos de imparcialidade. 

O STA decidiu anular a deliberação da CME. 

 O problema central é a averiguação se o Presidente da Câmara e o Vereador, estavam impedidos de votar e deliberar sobre o assunto, uma vez que simultaneamente tinham cargos na CME e também eram dirigentes do SCE.  A alínea a) do artigo 1º do Decreto-Lei nº 370/83, que regula as garantias de imparcialidade e impedimento de administradores públicos diz: "1 - Nenhum titular de órgão da administração central, regional e local ou dos institutos ou empresas públicas pode intervir em processo administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado: a) Quando nele tenha interesse, por si, como representante ou como gestor de negócios de outra pessoa". 

Assim, o tribunal entendeu que os dois membros da CME estavam, de fato, impedidos de participar da deliberação, já que haveria um conflito de interesses. O facto do Presidente da Câmara e o Vereador serem, simultaneamente, dirigentes do SCE, colocava-os numa posição de defender os interesses do clube, comprometendo a imparcialidade na decisão pública. 

 Além disso, também haveria um interesse pessoal envolvido, uma vez que os envolvidos procuravam aumentar a sua popularidade e prestígio social e político e poderiam beneficiar desta atuação nas eleições autárquicas. O Tribunal concluiu que a deliberação da CME foi viciada, já que os interesses pessoais de dois dos membros envolvidos impediriam a sua participação na decisão. 

O Acórdão anula a deliberação da CME, considerando que houve violação do Decreto-Lei nº 370/83, especialmente em relação ao impedimento. O tribunal revogou a sentença recorrida e anulou a deliberação da Câmara Municipal de Espinho. 

A decisão do Supremo Tribunal Administrativo reafirma a importância da imparcialidade na administração pública e a necessidade de evitar conflitos de interesse que possam comprometer a legitimidade das deliberações administrativas. 

Apesar de este acórdão ter uma lei especial, é um acórdão que demonstra bem as garantias de imparcialidade, que estão previstas também no regime geral do CPA. As garantias de imparcialidade têm como objetivo proteger contra violações ao princípio da imparcialidade e consistem em medidas que impedem ou suspendem os titulares de órgãos ou agentes administrativos de participarem em futuras decisões administrativas quando tenham interesses pessoais ou possuam algum vínculo afetivo com os interessados que possa comprometer a imparcialidade. 

Estas situações estão previstas na Secção III - das garantias de imparcialidade do CPA. Podemos encontra dois tipos de garantias: 

  • Preventivas, como o próprio nome indica tem por finalidade garantir preventivamente e antecipadamente a violação da imparcialidade na decisão ao nível da organização administrativa, pois são suavizados, a priori, os riscos de eventuais violações do princípio da imparcialidade – art.º 69 do CPA; 
  • Repressivas, estas objetivam uma sanção para os casos já ocorridos de violação ao princípio da imparcialidade, só podem ter lugar nos tribunais administrativos e por isso, são também, chamadas de Garantias de Imparcialidade Contenciosa – art.º 79 do CPA. O nº 1, do art.º 70 do CPA, define então que, quando se verifique a causa do impedimento, o órgão competente deve comunicá-lo ao superior hierárquico ou ao presidente do órgão, no nº 3 acrescenta que "Até ser proferida a decisão definida ou praticado o ato, qualquer interessado pode requerer a declaração do impedimento (…)". E deve suspender a sua atividade, nº 1, do art.º 71º, no caso em concreto, se usássemos o CPA os dois elementos teriam de comunicar o seu impedimento, o que não o fizeram.

Na doutrina do prof. Marcelo Rebelo de Sousa, este acredita que as situações de impedimento, são situações que não carecem de declaração constitutiva e que funciona de forma automática, a partir do momento que ocorre o fato determinado da sua verificação, e por isso, o desvalor jurídico que se iria dar a estas atos seria o de anualidade, nº 1, do art.º 76. 

 O artigo 76º do CPA determina as consequências para com as normas que não respeitam o princípio da imparcialidade:

- Todos os atos e contratos administrativos em que intervenha um órgão ou agente impedido de intervir, ou em relação ao qual tenha sido declarada suspeição, serão anuláveis nos termos do nº 1 do artigo 76º do CPA; 

- Perda de mandato de todos os membros de órgãos autárquicos que violem as garantias de imparcialidade da Administração. 

Neste caso, o Ministério Público pode propor uma ação de perda de mandato – nº 2, artigo 8º da Lei nº27/96; Existência de uma falta disciplinar grave, nos termos do nº 2, do artigo 76º do CPA, para os órgãos ou agentes que não comuniquem ao responsável pela direção do procedimento que se encontram numa situação de impedimento.


biografia: 

Amaral, Diogo Freitas Amaral, volume II, 3º edição Almedina, 2016 

Otero, Paulo. Direito do Procedimento Administrativo. volume I. 1º edição. Coimbra. editora Almedina. 2016 

Sousa, Marcelo Rebelo de. Direito Administrativo Geral. Tomo III. 2º edição. Editora D. Quixote. 2009.  

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