Comentário ao acórdão n.º 02748/13.0BEPRT- Armanda Andrade
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado a 01 de junho de 2023, processo n.º 02748/13.0BEPRT, relatado por José Francisco Fonseca da Paz.
Este acórdão aborda a questão da possibilidade de abertura de novas farmácias privadas por entidades do setor social.
O caso envolve um recurso interposto pelo INFARMED e pela Associação Nacional das Farmácias, doravante ANF, contra um acórdão do Tribunal Central Administrativo- Norte que havia anulado a decisão do INFARMED de indeferir o pedido de licenciamento para uma farmácia social por parte da A...-Associação Mutualista.
O cerne da questão reside na interpretação do regime jurídico das farmácias, nomeadamente após a declaração de inconstitucionalidade de algumas normas do Decreto-Lei n.º 307/2007 pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/2011.
Argumentos dos Recorrentes
-O Decreto-Lei n.º 307/2007 visava liberalizar o mercado das farmácias, permitindo a sua propriedade por pessoas singulares ou sociedades comerciais, mas não por entidades do sector social na sua forma associativa.
-A abertura de novas farmácias privativas por entidades do sector social criaria uma distorção no mercado, uma vez que estas não estariam sujeitas às mesmas regras de concorrência que as farmácias de oficina.
-O Acórdão n.º 612/2011 do Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a obrigação de transformação das entidades do sector social em sociedades comerciais para acederem à propriedade de farmácias já existentes, mas não se pronunciou sobre a possibilidade de abertura de novas farmácias privativas.
-A decisão do TCA-Norte de anular o ato do INFARMED com base numa alegada repristinação de normas da Lei n.º 2125 e do Decreto-Lei n.º 48547 é errada, pois o Acórdão n.º 612/2011 não teve esse efeito.
-O Decreto-Lei n.º 171/2012, que introduziu alterações ao Decreto-Lei n.º 307/2007 na sequência do Acórdão n.º 612/2011, não é inconstitucional, pois o seu conteúdo não invade a competência legislativa reservada à Assembleia da República.
Argumentos das A...-Associação Mutualista
-A recorrida argumenta que a abertura de farmácias sociais não coloca em causa a subsistência das farmácias comerciais e que as farmácias sociais estão sujeitas às mesmas regras que as farmácias comerciais, com exceção do concurso público e da forma de sociedade comercial.
-O Acórdão n.º 612/2011 abrange tanto as situações anteriores ao acórdão como os novos pedidos de acesso à propriedade de farmácias.
-O Decreto-Lei n.º 307/2007, na sua versão original e atual, prevê a abertura de novas farmácias sociais para venda de medicamentos sujeitos a receita médica aos membros do seu substrato associativo, sem a regra de capitação.
-Invoca a inconstitucionalidade orgânica e material do n.º 2 do artigo 59.º-A do Decreto-Lei n.º 307/2007 e a sua violação da Lei n.º 30/2013.
Decisão do Supremo Tribunal Administrativo
-O regime jurídico das farmácias de oficina, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007, não contempla a possibilidade de abertura de novas farmácias privativas pelas entidades do sector social.
-A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral resultante do Acórdão n.º 612/2011 não impôs a existência de novas farmácias privativas, mas apenas a impossibilidade de estas, a existirem, terem de se constituir em sociedades comerciais.
-O Decreto-Lei n.º 171/2012 não é inconstitucional, pois o conteúdo da norma em causa não se insere no âmbito da competência reservada da Assembleia da República.
-A impossibilidade de licenciamento de novas farmácias privativas não viola os preceitos e princípios constitucionais invocados pela recorrida.
-O Supremo Tribunal Administrativo reafirmou a doutrina estabelecida no Acórdão de 5/7/2018 - Processo n.º 0879/17, concluindo que o Acórdão n.º 612/2011 do Tribunal Constitucional não impôs ao legislador a obrigação de permitir a abertura de novas farmácias privativas.
Em suma, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que o regime jurídico atual não permite a abertura de novas farmácias privativas, e que o ato do INFARMED ao indeferir o pedido da recorrida foi legal.
Tópicos de relação com o Direito Administrativo
Princípio da Legalidade
Este princípio é um dos pilares fundamentais do Estado de Direito, estabelecendo a subordinação da Administração Pública à lei, assegurando que a Administração Pública atue dentro dos limites estabelecidos pela lei, garantindo a previsibilidade e a segurança jurídica nas suas relações com os particulares.
No Estado Liberal, a legalidade era entendida como a mera submissão à lei escrita, independentemente do seu conteúdo.
Com a evolução do Estado Social e a crescente intervenção da Administração Pública na vida dos cidadãos, o princípio da legalidade passou a ter uma dimensão material, abrangendo não só a lei formal, mas também os princípios gerais do Direito, a Constituição, as normas internacionais e os direitos fundamentais.
A Constituição consagra o princípio da legalidade da administração no seu artigo 266.º, vinculando os órgãos e agentes administrativos à Constituição e à lei.
Atos Administrativos
Constituem um dos principais instrumentos de ação da Administração Pública. Através deles, a Administração manifesta a sua vontade, produzindo efeitos jurídicos na esfera jurídica dos particulares e, por vezes, de outras entidades públicas.
Os atos administrativos impõem obrigações aos particulares, independentemente da sua concordância e são, em regra, executórios, ou seja, podem ser executados coercivamente pela Administração Pública, sem a necessidade de recorrer aos tribunais.
Uniformização da Jurisprudência
A uniformização da jurisprudência é um objetivo fundamental dos tribunais administrativos, contribuindo para a segurança jurídica, a igualdade perante a lei e o aperfeiçoamento do sistema jurídico.
Isto significa que os tribunais devem procurar decidir casos semelhantes de forma consistente, garantindo a previsibilidade e a segurança jurídica para os cidadãos e para a própria Administração.
É usado para superar a "promiscuidade entre a Administração e a justiça", um problema histórico que marca os primórdios da justiça administrativa.
Bibliografia consultada:
FREITAS do AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Vol. II; Almedina.
PEREIRA da SILVA, Vasco; Aulas Teóricas - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; 2024
Trabalho realizado por- Armanda Andrade, n.º 69889, subturma 12