Comentário ao acórdão STA nº 046268, de 2/3/2005 - Maria Inês Duarte
Serve o presente comentário para analisar o acórdão nº 046268 do Supremo Tribunal Administrativo (STA, doravante) que aborda a atuação do Instituto da Comunicação Social (ICS, doravante) enquanto entidade da administração indireta do Estado. A decisão aborda o uso dos poderes de tutela e superintendência pelo governo, exemplificando a relação entre a autonomia das entidades publicas e o controlo exercido pelo Estado.
Assim, começarei o meu comentário clarificando o conceito de Administração Indireta, analisando os poderes de superintendência, tutela e delegação.
Administração indireta
Há casos em que a atividade do Estado deve ser incrementada por meio de organismos diferenciados. Com efeito, a administração indireta justifica-se, pois, possibilita a prossecução do interesse do Estado de uma forma mais livre e distanciada da intervenção estatal, encontrando-se apenas submetido aos poderes de superintendência e tutela do Estado-administração, sendo este não só fiscalizador como também orientador, segundo o disposto no artigo 24º do DL 133/2013.
Este decreto-lei regula genericamente o setor público empresarial, procedendo à distinção entre:
- empresas públicas sob a forma privada, que são sociedades controladas pelo estado;
- empresas públicas sob forma pública, também denominadas "entidades públicas empresariais", que são pessoas coletivas públicas;
- empresas privadas participadas pelo estado, que não são empresas publicas, mas integram do mesmo modo o setor empresarial do Estado.
Superintendência: é uma prerrogativa atribuída ao Estado de acompanhar, orientar e controlar a atuação das entidades subordinadas. Desta forma, permite definir diretrizes, fiscalizar e corrigir falhas, mas respeita a autonomia administrativa e financeira dessas entidades. Segundo a linha de pensamento do professor Freitas de Amaral, este poder caracteriza-se pela natureza própria consagrada com autonomia.
Tutela: é também uma prerrogativa do Estado que garante que a atuação das entidades sujeitas a esse poder estão dentro dos limites da lei e do interesse publico. é diferente da superintendência, uma vez que é mais limitada e focada no controlo legal, sem interferir na autonomia administrativa e financeira das entidades. De acordo com a mesma linha de pensamento do professor Freitas de Amaral, a tutela necessita da existência de uma pessoa tutelar (necessariamente publica) e outra pessoa tutelada.
Desta forma, a superintendência é dotada de um carácter mais amplo e livre do que a tutela, visto que a primeira não nutre obrigatoriedade não excluindo a possibilidade da existência de orientação e sugestão da mesma.
De forma a abordar a problemática suscitada pelo acórdão em analise, importa destacar que o ICS é uma entidade publica integrante da administração indireta. Como tal, trata-se de um instituto público dotado de personalidade jurídica própria, bem como de autonomia administrativa e patrimonial, de acordo com os artigos 3º/1 e 4 e 4º/1 da Lei-Quadro dos Institutos Públicos (LQIP). Desta forma, são estes poderes de superintendência e tutela atribuídos ao Governo (artigo 4º da Lei Orgânica do Instituto de Comunicação Social), visto que o governo é o órgão superior da Administração pública, segundo o disposto no artigo 182º da Constituição da República Portuguesa (CRP, doravante).
Para além dos poderes referidos, é importante destacar, também, a delegação de poderes, ou seja, o ato administrativo através do qual uma autoridade superior atribui a outra a competência para praticar determinados atos ou tomar decisões. Este ato administrativo envolve pressupostos que devem ser observados:
- A autoridade superior deve ser dotada da competência que vai delegar;
- A delegação deve estar prevista na lei;
- A delegação deve ser feita para atos específicos, não podendo abranger toda a competência da autoridade delegante.
Perante a não observância de um destes requisitos estaremos perante um vicio de incompetência por parte da entidade delegada.
Análise do Acórdão
No que diz respeito à análise do acórdão especificamente, estamos perante um sujeito A, que afirma a existência de transmissões de radio local em Lisboa pertencentes a uma emissora de outra região. Diante essa situação, A recorre ao ICP em busca de esclarecimentos, alegando que houve violação dos artigos 4º e 5º do Decreto-lei nº 272/98, de 2 de setembro.
Em seguida, o ICP afirma que conhecia a situação e que nada poderia ser feito, visto que a transmissão havia sido autorizada pelo ICS, por intermédio do Secretario de Estado da Comunicação social. Face a isto, o Supremo Tribunal Administrativo, verificou a ilegalidade da assinatura do despacho proferido pelo Secretário de Estado em causa.
É relevante destacar que o Secretario de Estado é um membro do governo, ao abrigo do artigo 183º/1 da CRP, e por isso exerce funções administrativas sob a orientação direta do ministro responsável ou do Primeiro-Ministro. Contudo, não exercerá funções políticas.
Como tal, o ato caracteriza-se pela generalidade da orientação da entidade publica, uma vez que não são atos dirigidos à situação do particular, mas sim direcionados à ordem interna. Por essa razão, os interesses do recorrente são protegidos pelo artigo 268º/4 da CRP, não sendo lesados nesta situação.
Concluindo, o acórdão enfatiza a distinção entre os poderes exercidos no âmbito da administração interna e a autonomia administrativa das entidades a ela sujeitas. O ICS, possui competência para tomar decisões dentro da sua área de atuação, estando, porém, sujeito a orientações e supervisão do governo, que, conforme o caso, pode influenciar a atuação do instituto sem, contudo, decidir diretamente sobre situações concretas que afetam terceiros.
Assim, manifesto a minha concordância com a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que a diretiva do Secretario de Estado da Comunicação Social caracteriza-se pela natureza interna, devendo haver uma impugnação do ato em que assentou essa orientação e não uma impugnação ao ato em si.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo"