Comentário ao Acórdão STA n.º 101/2023 - Inês Fernandes

27-11-2024

ANÁLISE AO ACÓRDÃO Nº 101/2023

Resumo do Acórdão
O Acórdão nº 101/2023 do Supremo Tribunal Administrativo (STA), processo nº 01339/20.4BELRS, datado a 20 de dezembro de 2023, e relatado por Anabela Ferreira Alves e Russo, trata da constitucionalidade da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE), com foco na sua aplicação em 2018, particularmente em relação à sua conformidade com os princípios constitucionais, como a igualdade tributária, proporcionalidade e legalidade.

A empresa recorrente impugnou a cobrança da CESE relativa ao ano de 2018, argumentando que a sua aplicação carecia de fundamento, uma vez que os programas de reequilíbrio das contas públicas, que anteriormente justificavam a contribuição, já não estavam em vigor nesse ano. A decisão do STA analisou o Decreto-Lei nº 109-A/2018, que alterou a destinação das receitas da CESE e questionou se as alterações respeitaram os princípios constitucionais estabelecidos, em especial a necessidade de que as contribuições fiscais sejam adequadas aos fins para os quais foram criadas, acabando por julgar inconstitucional o artigo 2.º, alínea d), do regime jurídico da CESE.

1. Interesse público e constitucionalidade da CESE
Um dos pontos centrais do acórdão é a análise da compatibilidade da CESE com o interesse público, princípio fundamental da Administração Pública. Originalmente, a CESE foi criada com a justificação de financiar programas de reequilíbrio das contas públicas e de garantir a sustentabilidade financeira do Estado. Contudo, em 2018, tais programas já não estavam em vigor, o que levanta a questão sobre a continuidade da cobrança da contribuição sem um novo fundamento claro. O STA, ao analisar a constitucionalidade da cobrança, pondera sobre a aplicação dos princípios da proporcionalidade e igualdade tributária, expressos no artigo 6º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).

O princípio da boa administração, consagrado no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa (CRP), implica que a Administração Pública atue de forma eficiente, célere e económica. A empresa recorrente sustentou que, com a extinção dos programas de reequilíbrio, a continuação da cobrança da CESE em 2018 não atendia a essas exigências, e, portanto, não se justificava à luz do interesse público. A continuidade da contribuição, sem uma base sólida de reequilíbrio das finanças públicas, pode ser vista como uma falha na aplicação do princípio da boa administração, o que coloca em questão a adequação da medida fiscal ao interesse público. O STA pondera ainda que, segundo o princípio da legalidade (art. 13º da CRP), a Administração Pública deve atuar conforme a lei, e no caso, a ausência de programas de reequilíbrio em 2018 pode ser interpretada como uma violação desse princípio, uma vez que a medida já não atendia ao objetivo que justificava a sua aplicação.

2. Vinculação da administração pública à lei e jurisprudência
O princípio da vinculação da Administração Pública à lei e à jurisprudência é essencial para garantir que a Administração atue dentro dos limites legais e respeite os direitos dos cidadãos. No caso em análise, a empresa recorrente argumentou que a aplicação da CESE em 2018 contrariava precedentes estabelecidos pelo STA, que exigiam a existência de programas de reequilíbrio das finanças públicas como condição para a manutenção da contribuição. A Administração Pública, ao renovar a cobrança da CESE em 2018, teria desconsiderado esses precedentes, o que violaria o princípio da vinculação à jurisprudência, que exige que a Administração siga consistentemente as interpretações judiciais para garantir a estabilidade e a previsibilidade no ordenamento jurídico. Este princípio, embora não esteja explicitamente consagrado na CRP, está implícito no art.6º, relativo ao princípio da igualdade, que também exige a aplicação igual da lei em situações semelhantes, e no art.204º que estabelece que os tribunais têm a função de garantir a interpretação e aplicação uniforme da CRP, sendo então responsável por assegurar a consistência da jurisprudência nas questões constitucionais.

O STA reafirma, no acórdão, que a Administração Pública só pode agir nos limites estabelecidos pela CRP e pela legislação vigente. O princípio da legalidade, consagrado no artigo 13º da CRP, impõe que todas as ações administrativas estejam previamente autorizadas por lei. Assim, a Administração Pública não pode agir de forma arbitrária, devendo sempre respeitar a legislação vigente e as decisões judiciais anteriores. No contexto da CESE, a empresa recorrente invocou o precedente do STA que condicionava a renovação da contribuição à continuidade dos programas de reequilíbrio, e alegou que, ao não cumprir essas condições, a Administração cometeu um abuso de poder, ao continuar a cobrar a contribuição sem uma base legal adequada.

A jurisprudência do STA, ao vincular a Administração Pública, garante que as decisões do tribunal sejam respeitadas e aplicadas uniformemente, assegurando que os contribuintes não sejam tratados de forma desigual. Essa uniformidade é fundamental para garantir a confiança dos cidadãos nas instituições do Estado e na justiça tributária.

3. Controle Judicial da Administração Pública
O controle judicial dos atos administrativos é um mecanismo essencial para assegurar a legalidade da atuação da Administração Pública. A impugnação da cobrança da CESE em 2018 pela empresa recorrente é um exemplo claro do exercício do direito de acesso aos tribunais, conforme garantido pelo artigo 20º da CRP. Este direito permite que os cidadãos possam contestar atos administrativos que considerem ilegais ou inconstitucionais, garantindo que a Administração Pública não ultrapasse os limites estabelecidos pela Constituição e pela legislação.

O STA sublinha a importância do controle judicial, que é regulado pelo CPTA. O artigo 55º deste mesmo diploma estabelece que as partes têm legitimidade para impugnar atos administrativos que considerem ilegais, e os artigos 78º e 84º definem os requisitos formais e os procedimentos para a impugnação. A empresa recorrente seguiu os trâmites legais previstos para contestar a CESE, e o STA sublinhou a importância de garantir que os processos administrativos sejam devidamente instruídos e fundamentados, permitindo uma análise judicial eficaz. O controle judicial visa assegurar que os atos administrativos estejam em conformidade com os princípios constitucionais e com os direitos dos cidadãos, prevenindo abusos de poder por parte do Estado.

4. Responsabilidade da Administração Pública
A responsabilidade da Administração Pública pelos atos que pratique é um princípio fundamental do Estado de Direito. Caso a cobrança da CESE em 2018 seja considerada inconstitucional, a Administração Pública poderá ser responsabilizada e obrigada a devolver os valores cobrados indevidamente. O princípio da reparação dos danos causados por atos ilícitos da Administração está consagrado no artigo 22º da CRP, e a Lei nº 67/2007 (Lei da Responsabilidade Extracontratual do Estado) estabelece que o Estado deve indenizar os danos causados por atos administrativos ilegais ou inconstitucionais.

O acórdão discute a possível responsabilização do Estado neste contexto, destacando a obrigação da Administração Pública de reparar os danos causados aos contribuintes, especialmente quando um ato administrativo ultrapassa os limites da legalidade e afeta os direitos dos cidadãos. Se a CESE for considerada inconstitucional, a Administração deverá não só devolver os valores cobrados, mas também garantir que os contribuintes não sejam prejudicados por atos administrativos ilegais. A responsabilização da Administração Pública é, assim, uma forma de proteger os direitos dos cidadãos e garantir que o Estado atue de acordo com os princípios constitucionais e legais.

Conclusão

O Acórdão nº 101/2023 do STA reflete questões fundamentais do Direito Administrativo, como a vinculação da Administração Pública à lei e à jurisprudência, o controle judicial dos atos administrativos, a responsabilidade da Administração pelos danos causados e o procedimento administrativo na impugnação de atos. A decisão do TC, ao decidir sobre a constitucionalidade da cobrança da CESE em 2018, sublinha a importância de que a Administração Pública atue de forma transparente, eficiente e em conformidade com os princípios constitucionais. O acórdão destaca a necessidade de equilíbrio entre a legalidade, a proporcionalidade e os direitos dos cidadãos, reforçando o papel do controle judicial e da responsabilidade da Administração Pública como pilares do Estado de Direito.


Bibliografia consultada:


Discente: Inês Sequinho Fernandes, nº68157

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