Comentário ao acórdão STA 11154/14 de 25-09-2014 – Inês Pinto

30-11-2024

O Acórdão em causa refere-se a uma decisão do Tribunal relativamente a um pedido de prova pericial. O Recorrido (parte que recorre contra a decisão) apresentou várias argumentações no sentido de que a decisão que indeferiu a realização de uma perícia não deveria ser mantida. O pedido de perícia foi feito para esclarecer questões técnicas relacionadas com a calibração dos contadores de água e a sua capacidade de medir com precisão, sem que haja interferência de ar nas medições, o que afetaria diretamente a faturação dos serviços de fornecimento de água e tratamento de efluentes.

1. A Argumentação do Recorrido

O Recorrido, nas suas contra-alegações, defende que a prova pericial deve ser admitida sempre que existam factos que requeiram conhecimentos científicos ou técnicos especiais. De acordo com a sua perspetiva, o juiz deve, ao aceitar meios probatórios, atuar de forma a garantir que o processo se desenvolva de forma eficiente e racional, preservando os direitos das partes, mas sem permitir que o processo se torne moroso ou carregado de questões irrelevantes ou acessórias.

No caso concreto, o Recorrido contesta a decisão do juiz que indeferiu o pedido de perícia, defendendo que a matéria da ação é de tal natureza que exige a intervenção de peritos especializados. A questão em causa prende-se com o funcionamento dos contadores de água, que, segundo o Recorrido, permitiam a passagem de ar no lugar da água, afetando a precisão das medições e, por conseguinte, a faturação dos serviços. O Recorrido sustenta que este tipo de análise não pode ser realizada através de prova testemunhal ou documental, pois trata-se de uma matéria técnica que exige uma avaliação detalhada, feita por quem possui conhecimentos específicos sobre a calibração e funcionamento dos contadores.

2. A Contestação do Réu e a Fundamentação do Juiz

A contestação do Réu, que origina o pedido de perícia, argumenta que a medição da água e do tratamento de efluentes foi mal realizada, devido a uma suposta falha na calibração dos contadores. No entanto, o juiz da primeira instância, ao indeferir a prova pericial, fundamenta a sua decisão na alegação de que não havia questões técnicas que justificassem a intervenção de peritos. De acordo com a sua análise, os factos alegados e as questões em disputa poderiam ser resolvidas com a produção de provas documentais ou testemunhais, não sendo necessário recorrer à perícia.

O juiz, ao tomar esta decisão, parece ter subestimado a complexidade da questão técnica envolvida. Embora os contadores e os seus documentos de calibração tenham sido apresentados aos autos, o juiz considerou que o facto de a medição ser impugnada pelo Réu não justificava o recurso a conhecimentos técnicos. O juiz entendeu que a matéria discutida não carecia de um exame técnico aprofundado, e que a prova testemunhal e documental seria suficiente para apurar a verdade dos factos.

3. O Direito à Prova Pericial e a Fundamentação do Tribunal

O Tribunal da Relação, ao apreciar o recurso, focou-se na questão da admissibilidade da prova pericial. O Acórdão sublinha que a prova pericial é um meio adequado quando se trata de factos que exigem conhecimentos especializados que os juízes não possuem. De acordo com o artigo 388º do Código Civil, a prova pericial é cabível quando a apreciação dos factos requer conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos especiais, que não estão ao alcance do juiz.

Neste caso, o Tribunal entendeu que, para apurar se os contadores estavam a medir corretamente a água e os efluentes, era necessário o concurso de um perito, dado que a matéria envolvia conhecimentos técnicos específicos sobre o funcionamento dos contadores e sobre os critérios de calibração. Embora a parte Recorrida tivesse apresentado documentos de calibração dos contadores, o Tribunal considerou que a matéria em disputa continuava a ser controversa, e que os documentos apresentados não eram suficientes para garantir a correção das medições sem o auxílio de uma perícia.

O Tribunal afirmou que, mesmo com os documentos juntos aos autos, a questão técnica relativa ao funcionamento dos contadores não podia ser resolvida sem o conhecimento especializado. Isto porque, ao contrário do que havia sido alegado pelo juiz de primeira instância, a prova documental não era suficiente para esclarecer a controvérsia. A prova pericial, portanto, era indispensável para que o juiz pudesse avaliar adequadamente os factos.

Além disso, o Tribunal da Relação defende que, ao indeferir a perícia, o juiz não só violou o direito da parte à produção de prova, mas também impediu que se apurasse a verdade dos factos de forma completa. O direito à prova é uma garantia fundamental no processo judicial, e só pode ser indeferido em casos de manifesta inutilidade ou desnecessidade do meio de prova, o que não se verificou neste caso.

4. A Decisão Final

O Tribunal da Relação decide, assim, conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão do juiz de primeira instância que indeferira a perícia. O Tribunal entende que a prova pericial era pertinente e necessária para esclarecer as questões em disputa, dado que as matérias envolvem conhecimentos técnicos especializados. Este julgamento sublinha a importância do direito das partes a produzir todos os meios de prova que considerem adequados para sustentar a sua tese, especialmente quando se trata de factos que exigem conhecimento técnico que o juiz não possui.

A decisão do Tribunal da Relação reitera a ideia de que o juiz deve admitir a prova pericial sempre que os factos em causa requeiram conhecimentos especializados, e que a recusa dessa prova pode prejudicar o direito das partes a um julgamento justo. A decisão também reforça a ideia de que o juiz deve atuar com ponderação e prudência ao avaliar a pertinência e a necessidade dos meios de prova apresentados, garantindo que o processo se desenvolva de forma eficiente e sem prejuízo da apuração da verdade.

5. Comentário

Este Acórdão aborda uma questão importante relacionada com o direito das partes à prova e a atuação do juiz na sua admissibilidade. A decisão de indeferir a prova pericial, inicialmente tomada pelo juiz de primeira instância, reflete um entendimento que, embora possa ser razoável em alguns casos, neste contexto específico parece não ter sido a mais adequada. A matéria em disputa era, de facto, técnica e exigia o concurso de especialistas para que fosse possível esclarecer, com precisão, o funcionamento dos contadores de água e a sua capacidade de medir corretamente.

Este julgamento destaca a importância de se respeitar o direito à produção de provas, uma vez que o juiz deve garantir que todas as questões controvertidas sejam devidamente esclarecidas, especialmente quando envolvem questões técnicas. A decisão do Tribunal da Relação, ao conceder provimento ao recurso, acerta ao entender que a prova pericial era imprescindível para a correta resolução do litígio, dado que os factos em questão não podiam ser resolvidos por outros meios de prova.

Ademais, este Acórdão é um exemplo claro de como a legislação e a jurisprudência protegem o direito das partes a um julgamento justo, assegurando que as decisões judiciais não sejam tomadas com base em pressupostos errados ou sem a devida consideração dos meios de prova disponíveis. O juiz, ao indeferir a prova pericial sem considerar a complexidade técnica do caso, corre o risco de não avaliar adequadamente os factos, o que pode levar a uma decisão injusta.

Em suma, o Acórdão reafirma a necessidade de os tribunais garantirem o direito das partes a utilizar todos os meios de prova que possam ser pertinentes para a resolução dos litígios. A decisão do Tribunal da Relação de revogar a decisão de indeferimento da perícia reflete um entendimento adequado da aplicação da lei, sendo um exemplo de como a justiça deve ser administrada de forma a assegurar que todas as questões controvertidas sejam adequadamente esclarecidas.

BIBLIOGRAFIA

Antunes Varela, Manual de Processo Civil

Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Ato Administrativo Perdido

Sérvulo Correia, Francisco Paes Marques, Noções de Direito Administrativo - Volume I

Rui Gonçalves Pinto, Código de Processo Civil Anotado I - Vol. I

Antonio Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado - I - Parte Geral

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