Comentário ao Acórdão STA 11/06/2024 - Maria Inês Silva

21-11-2024

Comentário ao Acórdão de 11/06/2024 (Processo nº 042/24.0BALSB), do Supremo Tribunal Administrativo

O citado acórdão diz respeito a uma ação administrativa entre o Partido Político LIVRE (Autor) e a Assembleia da República (Autoridade Demandada). Para contexto, o LIVRE elegeu um deputado pelo círculo de Lisboa nas eleições legislativas de 30/01/2022. Consequentemente, pretendia receber a subvenção pública para as despesas de campanha [1]. No entanto, por lapso interno, o pedido de subvenção foi apresentado fora do prazo legal de 15 dias após a declaração oficial dos resultados eleitorais, sendo indeferido pelo Presidente da Assembleia da República.

O partido alegou que o prazo previsto na lei era de natureza ordenadora e não perentória (ou seja, não deveria extinguir o direito à subvenção), defendendo também que o indeferimento violava os princípios constitucionais da proporcionalidade [2] e razoabilidade [3].

Inicialmente este pedido foi apresentado contra o Estado Português, mas o STA declarou a ilegitimidade do Estado como réu e absolveu-o da instância. Posteriormente, o LIVRE instaurou nova ação contra a Assembleia da República, no prazo previsto pelo art. 279.º/2 do CPC.

Perante o conteúdo do acórdão, é relevante levantar as questões jurídicas centrais:

Sobre a natureza do prazo de 15 dias para solicitar a subvenção pública: prazo perentório ou prazo meramente ordenador?

O STA fundamentou-se no art. 17º/6 da Lei nº 19/2003, que estabelece um prazo de 15 dias para solicitar a subvenção pública, alinhando-o com o art. 298º/2 CC, que presume a caducidade quando um direito deve ser exercido dentro de um certo prazo, salvo disposição expressa em contrário. Portanto, interpretam o prazo como perentório.

  • Esta interpretação do STA reflete o sentido literal e sistemático da lei. Concordo com a posição tomada, dado que o prazo de 15 dias é claro e específico, o que demonstra uma intenção legislativa de delimitar temporalmente o exercício do direito. Admitir que o prazo fosse apenas ordenador geraria incerteza jurídica, uma vez que permitiria ao titular exercer o direito de forma ilimitada no tempo, o que comprometeria a previsibilidade orçamental e o encerramento de contas eleitorais.
  • Para além disso, a meu ver, o prazo de 15 dias não é excessivamente curto, considerando que os partidos políticos dispõem de meios e recursos organizacionais que lhes permitem preparar o pedido. E mais, a necessidade de encerrar as contas de campanha eleitoral dentro de prazos definidos reforça a importância de respeitar este prazo.

Devemos ainda interrogar a aplicação do art. 87º/8 do CPTA e a possibilidade de suprir a ilegitimidade passiva:

O Supremo considerou que a ilegitimidade passiva do Estado Português, reconhecida na primeira ação, era uma exceção dilatória insuprível. De acordo com o art. 87.º/8 do CPTA, o suprimento de irregularidades processuais aplica-se apenas quando as mesmas são supríveis, o que não se verificava neste caso.

  • Permitir o suprimento da ilegitimidade passiva colocaria em causa a segurança jurídica, pois obrigaria a substituição da entidade demandada num contexto em que as partes têm direitos processuais diferentes.
  • A interpretação do STA assegura o respeito pelo princípio do contraditório [4] e pelo devido processo legal, garantindo que cada parte processual assume a posição que lhe compete.

Por último, é importante questionar a aplicação do art. 279º/2 do CPC e o aproveitamento do prazo para uma nova ação:

O STA permitiu ao LIVRE instaurar nova ação no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão que absolveu o Estado Português da instância. Este regime foi aplicado ao abrigo do artigo 279.º/2º do CPC, que permite o reaproveitamento do prazo em caso de absolvição da instância.

  • Reconheço este mecanismo como fundamental para assegurar o equilíbrio entre o respeito pelos prazos processuais e o direito de acesso à justiça. No entanto, a decisão final reafirma que este aproveitamento de prazos não pode reverter a caducidade já consumada do direito material. Ou seja, o art.279.º/2, aplica-se apenas ao direito processual, e não ao direito material.

No fim, o STA considerou tempestiva a segunda ação (a apresentada contra a Assembleia da República) por ter sido instaurada dentro do prazo, mas decidiu como improcedente o pedido do LIVRE, mantendo a decisão do Presidente da Assembleia da República que indeferiu o pedido de subvenção pública.

Dados os argumentos descritos ao longo do comentário, concordo com esta posição final do Supremo, sendo coerente com os princípios da segurança e certeza jurídica.

[1] Prevista no art. 17º/6 da Lei 19/2003 (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais)

[2] Regra de limitação, que exige que os atos ou medidas adotadas sejam adequados, necessários e proporcionados em sentido estrito, ou seja, equilibrados em relação aos fins a atingir e aos direitos ou interesses afetados.

[3] Determina que um particular não pode ser deixado numa situação de sacrifício intolerável, mesmo quando existe justificação para a restrição a direitos fundamentais.

[4] O tribunal, antes de proferir as suas decisões, deve ouvir a acusação e a defesa e que estas devem ter a possibilidade de se pronunciarem sobre as atuações ou condutas processuais realizadas pela contraparte (como, por exemplo, em matéria de prova).

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo Vol. I, Almedina

MIRANDA, Jorge, Constituição da República Portuguesa Anotada, org. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Vol. I, Coimbra Editora, 2010

SILVA, Vasco Pereira da, Aulas Teóricas, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2024

Trabalho realizado por Maria Inês Silva, Turma B, Subturma 12.

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