Comentário ao Acórdão STA 0484/17 - Mariana Noronha
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de novembro de 2017 - 0484/17
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 16 de novembro de 2017, com o número de processo 0484/17, contém a pronúncia do STA sobre um recurso interposto pelo Ministério Público (MP) contra a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) que revogou parcialmente a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada.
O TCAS tinha condenado o Estado Português a pagar uma indemnização em relação a uma morte e o sofrimento advindo desta. O MP argumentou que não havia responsabilidade civil do Estado devido à falta de ilicitude e culpa.
O STA não concordou com o MP, mas considerou que a conduta da vítima contribuiu para o evento danoso, pelo que a indemnização foi reduzida.
Houve neste processo um voto de vencido que defendeu que a atuação do falecido não foi culposa, pelo que, concordou com a condenação do Estado ao pagamento de uma indemnização, mas considerou que esta deveria pelos valores decididos pelo TCAS.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado parece, pelo menos à primeira vista, um assunto complicado, uma vez que aparentemente confunde dois âmbitos contraditórios. Por um lado, o Estado, enquanto sujeito de Direito Público, por outro, a responsabilidade civil, que não se pode separar do Direito [Civil] Privado.
Confundir estas duas realidades seria tentar conciliar lógicas contrárias. Isto é, o Direito Público onde apenas está permito aquilo que é descrito pela lei, segundo o princípio da legalidade, e o Direito Privado, para o qual tudo é lícito, exceto o que está expressamente proibido por lei, de acordo com o princípio da iniciativa privada.
No entanto, esta aparente dicotomia, parece não ser apoiada pela lei, uma vez que o regime da responsabilidade extracontratual do Estado e das demais entidades púbicas é consagrado tanto na Constituição da República Portuguesa, artigo 22º, assim como na Lei n.º 67/2007.
O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das entidades públicas regula os danos causados por ações ou omissões ilícitas no exercício das funções legislativa, administrativa e jurisdicional, abrangendo tanto danos patrimoniais quanto não patrimoniais. A responsabilidade é atribuída ao Estado e entidades públicas, e em alguns casos, aos seus órgãos, funcionários e agentes, com possibilidade de regresso quando há dolo ou culpa grave. A lei também trata de situações específicas, como danos causados por erro judiciário, danos decorrentes de atividades perigosas e danos por omissões legislativas, garantindo indemnizações por danos especiais e anormais causados por ações do poder público.
Não está aqui em causa, percebe-se, situações de responsabilidade extracontratual civil de membros do Estado fora da atuação das suas funções.
Na doutrina, este assunto surge diversas vezes.
Por exemplo, o professor Diogo Freitas do Amaral que refere a responsabilidade civil da Administração como a "última linha de defesa" do Estado de Direito.
Para o professor Marcelo Rebelo de Sousa, a subordinação a um regime específico de responsabilidade civil extracontratual para atos de gestão pública foi, nos primórdios do Direito Administrativo, parte da herança do Estado de polícia, para o qual a Administração respondia, apenas, pelos danos causados em relações jurídicas de natureza patrimonial. Na sua opinião, atualmente, o regime já não reflete as suas origens, sendo em alguns casos, mais amplo do que o regime de responsabilidade civil previsto no Código Civil, mesmo em matéria de atos unilaterais de gestão pública.
Ou ainda, o professor Paulo Otero que, no seu artigo Causas de exclusão da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por facto ilícito, define, para além dos pressupostos da responsabilidade civil – facto, ilícito, culpa, dano, e nexo-causal – quatro razões de afastamento da responsabilidade civil extracontratual do Estado. São elas a justificação da ilicitude, a exclusão da culpa, a irrelevância do prejuízo e a interrupção do nexo de causalidade, na qual se enquadraria o Acórdão em causa, uma vez que falamos da possibilidade de um facto imputável à vítima.
Em suma, apesar da responsabilidade extracontratual do Estado não ser tão contraditória como pode parecer inicialmente, a sua aplicação não é necessariamente simples, uma vez que tem de ter em conta, não só o elemento literal da lei, mas também o elemento teleológico, o elemento histórico e, ainda, a sua excecionalidade em relação ao regime da responsabilidade extracontratual civil aplicada entre os particulares, como se pode ver no caso apresentado no Acórdão.
Posso, então, concluir que, apesar das suas diferenças, o Direito Público e o Direito Privado existem numa relação simbiótica e, por isso, nunca podem ser totalmente separados.
Bibliografia
FREITAS do AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo; Almedina.
REBELO de SOUSA, Marcelo; Direito Administrativo Geral - Tomo II; Dom Quixote
OTERO, Paulo; Causas de exclusão da responsabilidade civil extracontratual da Administração Pública por facto ilícito
PEREIRA da SILVA, Vasco; Aulas Teóricas - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; 2024
Mariana Noronha (nº 69528), 2º ano, turma B, subturma 12