Comentário ao Acórdão STA 0330/12 - Mariana Noronha
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de junho de 2012 - 0330/12
Podendo este caso ser relacionado com vários pontos da matéria da cadeira de Direito Administrativo II, decidi analisá-lo em relação aos princípios aplicáveis à administração eletrónica, definidos no artigo 14º do Código do Procedimento Administrativo.
OS FACTOS
O acórdão 0330/12, de 20 de junho de 2012, do Supremo Tribunal Administrativo, diz respeito a um litígio iniciado devido à exclusão da proposta da autora "A…, Lda" de um concurso público internacional, promovido pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P.. A razão dada para a exclusão, foi a utilização de uma assinatura eletrónica avançado na proposta, em vez de uma assinatura eletrónica qualificada, o que o programa do procedimento previa explicitamente, sob pena de exclusão.
Apesar desta invalidade, a plataforma eletrónica de submissão de propostas aceitou o documento e emitiu recibo da submissão.
Quando a proposta, com o tipo de assinatura errada, foi finalmente avaliada pelo júri do concurso, o mesmo reparou na falha e determinou a exclusão da proposta com base na violação das regras procedimentais. Tal foi ratificado no relatório final das propostas e no despacho de homologação.
Na primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra julgou a exclusão válida. No entanto, depois de pedido de recurso, o Tribunal Central Administrativo Sul revogou essa decisão, já que considerou a formalidade como não essencial, por ter sido preenchida a teleologia da norma do programa do procedimento, isto é, a possibilidade de provar a autenticidade, a vinculação e a inalterabilidade da proposta.
O Supremo Tribunal Administrativo, em sede do recurso de revista, foi chamado a pronunciar-se sobre a essencialidade da assinatura qualificada e a aplicação dos princípios da confiança, proporcionalidade e intangibilidade das propostas. Tendo concluído pela invalidade da proposta, pela essencialidade do tipo de assinatura específico e pela não desproporcionalidade da medida.
O DIREITO
O Supremo Tribunal Administrativo baseou a sua decisão em três pontos principais: a distinção entre a assinatura eletrónica qualificada e a assinatura eletrónica avançada, nos termos do Decreto-Lei n.º 290-D/99, e exigida legalmente pela Portaria n.º 701-G/2008 e pelo Decreto-Lei n.º 143-A/2008; a violação do artigo 146º, nº 2, alínea l) do Código dos Contratos Públicos pela proposta da autora; e o facto de que a aceitação técnica da proposta pela plataforma não vinculava o júri, nem criava uma expectativa legítima com base no princípio da confiança, na vertente ne venire contra factum proprium.
Ou seja, Supremo Tribunal Administrativo restringiu a aplicabilidade da teoria da degradação das formalidades apenas aos casos em que a norma não é imperativa e os interesses protegidos pela formalidade são atingidos por outros meios. Aliás, no presente acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo rejeitou essa degradação exatamente por considerar de que a assinatura se tratava de uma formalidade essencial, imposta legal e regulamentarmente. Deste modo, afastou a ideia de que este seja um caso de desproporcionalidade, porque a norma em causa visa garantir a segurança e igualdade no procedimento.
Parece-me valer a pena referir que, depois de 2012, aquando desta decisão, houve outros acórdãos sobre a administração eletrónica que são Direito importante a ter em conta, mas não foram, nem poderiam ter sido, referidos no processo analisado, pelo que não os irei ponderar pelos limites próprios deste artigo.
RELAÇÃO COM O PROGRAMA DA CADEIRA
Como já referi, o artigo 14º do Código do Procedimento Administrativo reúne as regras gerais pelas quais a Administração se deve reger em relação à utilização dos meios eletrónicos, pelo que o irei analisar, apesar de este não ser o único artigo no Código do Procedimento Administrativo que se refere à administração eletrónica (veja-se os artigos 61º a 63º).
Podem falar-se de oito "princípios":
- Acessibilidade: A Administração Pública deve assegurar que todos os cidadãos, independentemente das suas capacidades técnicas ou físicas, possam aceder aos serviços digitais disponibilizados.
- Disponibilidade: Os meios eletrónicos da Administração devem estar operacionais e acessíveis de forma contínua, garantindo o seu normal funcionamento e minimizando interrupções.
- Segurança: A utilização de tecnologias digitais não deve pôr em causa a proteção dos dados (também definido no artigo 18º), a integridade das comunicações e a fiabilidade dos sistemas utilizados pela Administração.
- Identificação e autenticação: Os sistemas eletrónicos devem permitir identificar com segurança os intervenientes nos procedimentos administrativos, garantindo a sua legitimidade.
- Interoperabilidade: As plataformas e sistemas da Administração devem ser compatíveis entre si, promovendo a comunicação e o intercâmbio de informação entre as diferentes entidades públicas.
- Desmaterialização: A Administração deve privilegiar os suportes digitais em substituição do papel, sempre que possível, para tornar os procedimentos mais eficientes e sustentáveis.
- Responsabilidade tecnológica: A Administração é responsável pelo correto funcionamento técnico dos sistemas eletrónicos, não podendo transferir para o cidadão os prejuízos causados por falhas tecnológicas. Esta regra não é aplicável ao caso analisado por se poder considerar que o erro não foi realizado pelo serviço eletrónico ao aceitar a proposta e, sim, por "A…, Lda" ao ter utilizado o tipo de assinatura errada.
Por fim, parecer-me-ia incompleto falar da administração eletrónica sem ponderar, ainda que brevemente, as suas vantagens e desvantagens.
Vantagens:
- Eficiência e celeridade: A digitalização permite reduzir prazos e burocracia, acelerando as decisões administrativas.
- Transparência: A disponibilização online de informações e processos aumenta o controlo público e reduz o risco de arbitrariedade.
- Redução de custos: A substituição do papel por meios eletrónicos e a automação de tarefas diminuem significativamente os encargos operacionais da Administração, para além de a ajudar a ser mais sustentável.
Desvantagens:
- Exclusão digital: Pessoas com baixa literacia digital ou sem acesso a meios tecnológicos podem ser injustamente prejudicadas no acesso a serviços públicos.
- Dependência tecnológica: Falhas nos sistemas ou plataformas eletrónicas podem paralisar procedimentos ou comprometer a validade de atos administrativos.
- Complexidade jurídica: A multiplicidade de normas técnicas e legais aplicáveis à administração eletrónica pode gerar incertezas e litígios sobre a validade dos atos praticados digitalmente, principalmente tendo em conta que existem normas relativas a este assunto desde 1999, mas a sua aplicação à realidade não foi imediata, o que pode criar ainda mais confusão.
No geral, parece-me correto dizer que a tendência da Administração para a digitalização é positiva, mas é necessário ter em conta que ainda há muitos obstáculos a ultrapassar para que seja um instrumento perfeito. Acredito que a Administração tem trabalho neste aspeto, pela evolução que já houve desde 2012.
FONTES
PEREIRA da SILVA, Vasco; Aulas Teóricas - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lisboa; 2025
PAES MARQUES, Francisco; Aulas Práticas - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lisboa; 2025
BENEVIDES VIVEIROS, Rodrigo; Os princípios aplicáveis à Administração Eletrónica - Reflexos da Reforma do CPA e novas tendências do Direito Administrativo; Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa; Porto; 2017
RODRIGUES TEIXEIRA dos PRAZERES, Vítor Manuel; O regime das notificações da Administração Eletrónica - As garantias dos Administrados e o exemplo prático da Autoridade Tributária; Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lisboa; 2017
MORAIS GUEDES, Cátia Vanessa; O Aproveitamento do Ato Administrativo: O Afastamento do Efeito Anulatório; Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lisboa; 2021
Mariana Noronha (nº 69528), 2º ano, turma B, subturma 12