Comentário ao Acórdão STA 0330/05 - Mariana Noronha

05-05-2025

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de maio de 2005 - 0330/05

Sabendo que todo e qualquer acórdão do Supremo Tribunal Administrativo está relacionado com vários temas estudados na cadeira de Direito Administrativo II, é necessário escolher um deles para abordar. Neste artigo, irei focar-me no erro manifesto de apreciação.

OS FACTOS

No acórdão 0330/05 do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de maio de 2005, estamos perante um recurso contencioso de anulação interposto pela sociedade "A..., LDA" contra a Câmara Municipal de Valpaços, na sequência de um concurso público para a adjudicação do fornecimento de um veículo para desobstrução de coletores. Mais especificamente, o recorrente impugnou a deliberação de 7 de julho de 2003, que decidiu atribuir o fornecimento à empresa concorrente "..., SA".

O recorrente alegou haver vício na decisão da Câmara Municipal de Valpaços, com fundamento na violação de diversas disposições do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de junho, invocando deficiências na avaliação dos critérios estabelecidos no programa de concurso, nomeadamente, a atribuição de pontuação inferior ao esperado no critério "Características e valor técnico", a desconsideração da sua proposta quanto a assistência técnica de 24 horas, e a pontuação indiferenciada para o "Prazo de entrega" até 90 dias.

O Tribunal Administrativo do Círculo do Porto julgou improcedente o recurso.

O recorrente dirigiu-se, então, ao Supremo Tribunal Administrativo, insistindo na tese de que houve erro manifesto na valoração das propostas. O Supremo, no entanto, manteve a decisão, negando provimento ao recurso.

O DIREITO

O Supremo Tribunal Administrativo fundamenta-se essencialmente na distinção entre atos vinculados e atos discricionários, particularmente no contexto dos concursos públicos. A jurisprudência do mesmo tribunal reconhece que a valoração das propostas pelo júri de um concurso público se insere no domínio da chamada "discricionariedade técnica", sendo apenas impugnada judicialmente em casos de erro manifesto ou grosseiro, ou violação dos princípios da proporcionalidade, imparcialidade e adequação.

O acórdão contém, ainda, o juízo da margem de liberdade da Administração em sede de apreciação técnica, isto é, que só pode ser controlada quando é demonstrado que a decisão padece de uma correspondência evidente e grave face aos factos do caso. O Supremo Tribunal Administrativo concluiu que tal não se verificava na situação em questão.

Em suma, para o tribunal:

  • as diferenças entre as propostas estavam dentro de uma margem técnica legítima;
  • nenhuma proposta apresentou uma superioridade técnica que impusesse a pontuação máxima ao recorrente;
  • a equivalência de pontuação no critério "prazo de entrega" até 90 dias era razoável e prevista no caderno de encargos;
  • a assistência técnica de 24 horas não tinha sido prevista como critério diferenciador no concurso.

Sendo assim, não foi considerado que houvesse erro manifesto que justificasse a anulação do ato de atribuição.

RELAÇÃO COM O PROGRAMA DA CADEIRA

Quando decide, a Administração está vinculada às normas existentes, como define o princípio da legalidade. No entanto, as normas nem sempre podem ser aplicadas diretamente, na verdade, todas as normas, na sua previsão ou estatuição, tem um certo nível de incerteza. Por isso, diz-se que a atuação da Administração nunca é completamente vinculada, tem sempre uma margem de discricionariedade. Simultaneamente, mesmo quando lhe é dada possibilidade de escolha, a Administração nunca pode agir com completa discricionariedade, isto é, liberdade, ou poderia tornar-se arbitrária.

O professor José Manuel Sérvulo Correia divide a apreciação da Administração em três tipos, do menos ao mais discricionário: raciocínio teorético-discursivo, raciocínio causal-teorético, e raciocínio discricionário.

Nesta última classificação, quando é considerado que a vertente da adequação do princípio da proporcionalidade não está verificada na atuação da Administração, ou seja, a decisão é claramente desrazoável, é considerado que a Administração cometeu um erro manifesto de apreciação. Nesta situação, ao contrário do resto dos raciocínios discricionários da Administração, a decisão pode ser condenada em tribunal, pela falha ser tão evidente que a condenação se torna uma avaliação de legalidade, e não de mérito.

Não sendo "erro manifesto de apreciação" um conceito legal, irei basear-me na doutrina para o definir.

Quando a Administração toma decisões baseadas numa perceção incorreta, ilógica ou arbitrária dos factos, por exemplo, ignorando dados fundamentais, interpretando mal provas evidentes ou fazendo inferências claramente irrazoáveis, incorre em erro manifesto de apreciação. Este trata-se de um erro tão grosseiro que qualquer autoridade razoável, na mesma posição, teria apreciado os factos de forma diferente.

Mesmo considerando que neste caso estaria em causa discricionariedade técnica, o erro manifesto de apreciação aplica-se da mesma maneira, existindo quando há um desvio evidente do critério técnico aplicável.

Em suma, parece-me ser possível afirmar que a definição de erro manifesto de apreciação é um exercício muitíssimo necessário à prática do Direito Administrativo, uma vez que serve o propósito de limitar a Administração, se a sua atuação for desrazoável ou arbitrária, garantindo o Estado de Direito. No entanto, este tipo de erro não se deu na decisão analisada pelo acórdão em questão.

FONTES

PEREIRA da SILVA, Vasco; Aulas Teóricas - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lisboa; 2025

PAES MARQUES, Francisco; Aulas Práticas - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Lisboa; 2025

SÉRVULO CORREIA, José Manuel; Noções de Direito Administrativo - Volume I; 2ª Edição; Almedina; Coimbra; 2021

AROSO de ALMEIDA, Mário; Teoria Geral do Direito Administrativo; 2ª Edição; Almedina; Coimbra; 2015

FREITAS do AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 4ª Edição; Almedina, Coimbra; 2018

Mariana Noronha (nº 69528), 2º ano, turma B, subturma 12

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