Comentário ao Acórdão STA 01927/21.1 BELSB – Beatriz Silvestre

10-12-2024

A questão central deste acórdão reside na interpretação do art. 10º/3, alínea b), do Decreto-Lei nº 132/2012, no que diz respeito ao requisito de "365 dias de funções docentes nos últimos seis anos" para integrar a 2ª prioridade no concurso externo docente. O Ministério da Educação defendia a aplicação de uma fórmula proporcional baseada em horários completos, enquanto o recorrido sustentava que deveriam ser contabilizados todos os dias em que houve prestaaçõ de funções docentes, independentemente da carga horária semanal.

A conlcusão do tribunal foi que a interpretação correta da norma deve ser a literal, havendo então a contabilização dos dias de prestação de funções docentes, independentemente do número de horas letivas semanais, decidindo ainda que a aplicação de fórmulas de proporcionalidade é desnecessária e inadequada, pois o legislador não impôs essa exigência no texto da norma. Esta decisão tem impactos significativos tanto no plano individual, ou seja, para o autor da ação, quanto no sistema de recrutamento docente em Portugal, sendo que podem ser analisadas através de diferentes perspetivas.

A interpretação adota pelo STA estabelece um precedente claro de que todos os dias de exercício de funções docentes contam de forma integral para efeitos de concurso, independentemente do número de horas semanais, o que acaba por fazer com que haja uma valorização de regimes de trabalho parciais (docentes que prestaram serviços em horários reduzidos serão beneficiados pois esses dias contarão de forma equivalente aos dias de quem trabalho em horários completos, o que incentiva os docentes a aceitarem contratos em regimes parciais) e uma competitividade em concursos futuros. A decisão também influencia a gestão administrativa e os critérios de recrutamento: há uma simplificação do processo administrativo (a contagem literal dos dias reduz a complexidade administrativa, o que evita cálculos proporcionais ou fóromulas que poderiam ser difíceis de aplicar de forma uniforme e suscetíveis a erros), há desafios na uniformização de critérios (embora a simplicidade administrativa seja um benefício, o critério literal pode gerar perceções de injustiça entre os candidatos) e há impactos no planeamento e contratação (esta decisão pode pressionar o Ministério da Educação a rever os regimes de contratação docente). Do ponto de vista do sistema de ensino e da justiça entre os profisionais, a decisão tem estas implicações: distorções na experiência prática (docentes que trabalharam com cargas horárias reduzidas podem ser equiparados, em termos de experiência, a profissionais que desempenharam funções mais exigentes e extensivas, como já referido anteriormente) e impactos na qualidade da seleção (a preferência dada ao critério de "dias totais" sem consideação da intensidade do trabalho pode comprometer a identificação dos candidatos mais experientes e preparados). Esta decisão também aponta para lacunas no Decreto-Lei nº 132/2012, que poderão exigir uma intervenção legislativa, podendo provocar a necessidade de rever os critérios de ordenação (o legislador poderá considerar necessário especificar, no texto da lei, se a contagem de dias deve ser proporcional ao horário semanal ou se permanece literal), como também pode provocar a necessidade haver uma adequação à prática real da docência ou uma harmonização com outros regimes jurídicos (normas como o Estatuto da Carreira Docente e o Estatuto da Aposentação).

FUNDAMENTAÇÃO

O STA defendeu que a expressão "prestado fundções docentes em pelo menos 365 dias" no art. 10º/3, alínea b), do Decreto-Lei n 132/2012 deve ser interpretada literalmente, contabilizando os dias de exercício de funções docentes independentemente da carga horária semanal. Esta posição foi defendida pelo facto de o legislador usar deliberadamente a expressão "dias de serviço docente" em vez de "tempo de serviço", que, em outros contextos jurídicos, é associado à proporcionalidade baseada em horários completos. Embora a interpretação literal tenhas sido uma escolha consciente e coerente com o texto normativo, poderia ter sido explorado com mais profundidade a relaççao entre o objetivo da norma e o contexto mais amplo das exigências da carreira docente. O critério de "365 dias" foi estabelecido para valorizar a experiência docente, mas é questionável se permitir a contagem integral de dias de horários reduzidos reflete de forma justa a vivência prática equivalente à de um docente em regime completo, o legislador pode não ter explicitado um limite de horas semanais mínimas, mas a ausência de tal detalhe não significa que essa questão seja irrelevante.

O acórdão afirmou ainda que o objetivo do legislador era dar prioridade no recrutamento externo a candidatos que demonstraram experiência mínima no exercício da função docente, sem distinções baseadas na intensidade da prestação (número de horas por semana). Essa abordagem privilegia a inclusão de quem já prestou serviço em regime precário, ainda que parcial, em detrimento de quem não possui qualquer experiência prática. Embora a valirização da experiência seja um critério relevante, o acórdão não examinou suficientemente se o critério adota compromete o equilíbrio na avaliação comparativa entre candidatos.

O STA também sustentou que a contagem integral de dias, independetentmente da carga horária semanal, é a interpretação que mais se alinha ao princípio da igualdade, argumentando que a introdução de fórmulas de proporcionalidade poderia geral desigualdades entre candidatos com regimes horários diferentes, ao passo que a contagem literal promove uniformidade e simplicidade administrativa. Embora o argumento tenha mérito, ao mesmo tempo pode ser visto como uma abordagem simplista do princípio da igualdade. Tratar igualmente situações desiguais pode gerar desigualdade. Docentes que lecionaram poucas horas por semana, mas que acumularam muitos dias em função dessa dispersão, podem ser tratados como equivalentes a docentes que exerceram funções em regimes intensivos, mas em períodos mais curtos. Isso coloca em questão se a interpretação literal, ao invés de assegurar igualdade, não estaria a criar situações de favoritismo indireto.

Por fim, o acórdão sublinha ainda que a interpretação adotada respeita o texto normativo e a intenção do legislador, evitando extrapolações ou acréscimos ao enunciado legal. Embora o princípio da legalidade seja incontestável, não deve ser aplicado de forma estritamente formalista, especialmente quando a aplicação literal do texto normativo pode gerar consequências indesejáveis ou contrárias ao espírito da norma. Uma interpretação sistemática e teleológica poderia ter sido explorada mais a fundo, considerando o impacto prático da decisão no contexto da carreira docente. A interpretação adotada evita extrapolações mas pode ser criticada por sua rigidez, desconsiderando as nuances da prática docente e os critérios de proporcionalidade frequentemente aplicados em situações similares, como no Estatuto da Carreira Docente.

Bibliografia

AMARAL, DIOGO FREITAS do, Curso de Direito Administrativo. Vol. I, Almedina

SILVA, Vasco Pereira da, Aulas Teóricas, Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, 2024


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