Comentário ao Acórdão STA 01406/02 - Beatriz Silvestre
O Acórdão 01406/02 do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de julho de 2003, em análise, refere um recurso contencioso ao Despacho do Secretário de Estado Adjunto e dos Transportes, por parte do Instituto Nacional de Aviação Civil (INAC), exarado sobre o Parecer do Inspetor-Geral de Obras Públicas, Transportes e Comunicações.[1] O recurso vem questionar o facto de, depois de uma inspeção, o Inspetor-Geral ter formulado diversas recomendações, no sentido de promover a reposição nos cofres do Estado do montante de subsídio de alimentação percebido pelos membros do anterior Conselho de Administração (CA) do INAC.
Com isto, a discussão recai sobre os poderes de tutela e superintência subjacentes aos institutos públicos, onde se integra o INAC que, por sua vez, se integra na Administração Indireta do Estado.
EXPOSIÇÃO DA FACTUALIDADE DO CASO
É determinada a realização de uma ação inspetiva ao INAC, sendo que, entre as propostas e recomendações em causa, encontra-se a relativa a um subsídio de refeição.
Tendo sido detetado que os membros do CA do INAC perceberam o montante correspondente ao subsídio de alimentação, propõe-se a respetiva comunicação ao Tribunal de Contas para eventual responsabilidade financeira pela autorização ilegal da despesa correspondente, e que o CA do INAC deva assegurar que os competentes serviços do mesmo Instituto diligenciem no sentido de promoverem a respetiva reposição nos cofres do Estado. Posto isto, o Recorrente refere, em primeiro lugar, que a concordância vinda do Despacho exarado pelo Secretário de Estado Ajunto e dos Transportes equivale a uma ordem, a uma determinação de autoridade e, em segundo lugar, que se não tivesse havido esta concordância, o Recorrente nunca teria sido notificado para repor as quantias identificadas.
Posto isto, é possível perceber que estamos perante uma possível tutela inspetiva sobre o INAC, sendo necessário identificar em que medida esta tutela formula uma ordem ou simples recomendações/diretivas, analisando, por fim, se este ato do Inspetor-Geral é suscetível de recurso ou não.
EXPOSIÇÃO DA QUESTÃO JURÍDICA
O INAC[2] é um instituto público dotado de personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e património próprio, que fica sujeito à tutela e superintendência do Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Adminstração do Território (art. 1º/1, DL 133/98, de 15 de maio). Por sua vez, encontra-se integrado na Administração Indireta do Estado (art. 2º/1 da LQIP).
A Administração Indireta é o conjunto das entidades públicas que desenvolvem, com personalidade jurídica própria e autonomia administrativa e financeira, uma atividade administrativa destinada à realização de fins do Estado, ou seja, resulta da devolução de poderes, isto é, da entrega pelo Estado a outras pessoas coletivas de Direito Público, criadas para esse efeito, de atribuições que, em princípio, deveriam considerar-se do Estado.
Os Institutos Públicos (que, como já referido anteriormente, integram a Administração Interna) são pessoas coletivas de direito público, dotadas de órgãos e património próprio (art. 4º/1 da LQIP), de tipo institucional, criadas para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de caráter não empresarial.
Os institutos públicos caracterizam-se por não terem de se sujeitar a um poder de direção de qualquer órgão de entidade matriz (art. 8º/1 da LQIP), no entanto estão submetidos a tutela e superitendência por parte do Governo, nos termos do art. 199º, alínea d), da CRP, derivado da integração na Administração Indireta do Estado. Para além da consagração constitucional, é possível perceber que os institutos públicos estão sujeitos tanto a tutela como a superitendência através do disposto nos arts. 41º e 42º da LQIP.[3]
A superitendência e a tutela são competências de natureza intersubjetiva essenciais à caracterização da Administração indireta, pois traduzem-se nos poderes que constitucionalmente o Estado-Administração possui sobre as entidades que dela fazem parte e às quais devolveu poderes para prosseguirem os seus interesses.
A tutela administrativa consiste no conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa coletiva pública na gestão de outra pessoa coletiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua atuação. Um destes poderes é o poder de fiscalização, onde se enquadra a tutela inspetiva, aquela que é feita sobre o INAC. Por sua vez, a superintendência é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa coletiva de fins múltiplos, de definir objetivos e guiar a atuação das pessoas coletivas públicas de fins singulares colocadas por lei na sua dependência, ou seja, é apenas a faculdade de emitir diretivas ou recomendações.
No caso em análise, como já referido em cima, estamos perante uma tutela inspetiva realizada pelo Inspetor-Geral sobre o INAC, por isso é sobre este tipo de tutela que nos vamos debruçar.
A tutela inspetiva, tal como o nome indica, destina-se a inspecionar os atos da entidade tutelada. Ao inspecionar, a entidade com a tutela apenas emite recomendações ou diretivas, respeitando assim o poder de superintendência, não podendo dar ordens diretas (pois os institutos públicos não estão sujeitos a um poder de direção). Enquanto as ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõe a necessidade de adotar imediata e completamente uma certa conduta, as diretivas são orientações genéricas, que definem imperativamente os objetivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adotar para atingir esses objetivos e as recomendações são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento.
Ora, posto isto, o relatório proferido pelo Inspetor-Geral respeita claramente os "requisitos" do poder de superitendência, pois apenas emite uma diretiva para o INAC (refere que deve repor o montante de subsídio percebido pelos membros do anterior CA, mas dá liberdade de decisão tendo em conta os meios a utilizar e às formas a adotar para atingir esse objetivo), fazendo-se valer do poder de tutela inspetiva que tem sobre este Instituto.
CONCLUSÃO
É possível afirmar que não há um desrespeito pelos poderes de tutela e superintendência a que o INAC está sujeito, e por isso, não se pode considerar que o ato recorrido se trata de uma ordem. Aliás, atendendo ao quadro em que o ato governamental foi praticado e o seu teor, revelam que se trata de uma mera recomendação.
Para além disto, como os poderes de superintendência e tutela não se dirigem, em princípio, aos particulares e, portanto, não se exercem pela prática de atos tendentes à produção de efeitos jurídicos numa situação individual de um particular, podemos afirmar que o ato impugnado não visou produzir efeitos jurídicos na situação individual e concreta do ora recorrente perante o INAC, não se apresentando como lesivo da sua esfera jurídica sob nenhuma forma.
Por isto, este ato é irrecorrível, concordando plenamente com a posição final deste Acórdão.
[1] Veja-se o Prcesso IGAP/IGOPTC nº 232/01-IE
[2] Criado pelo DL 133/98, de 15 de maio
[3] Refira-se também o art. 2º/1 dos Estatutos do INAC, onde refer que este Instituto está sujeito à tutela e à superintendência
Bibliografia
AMARAL, DIOGO FREITAS do, Curso de Direito Administrativo. Vol. I, Almedina
SILVA, Vasco Pereira da, Aulas Teóricas, Faculdade de direito da Universidade de Lisboa, 2024