Comentário ao Acórdão Nº 0730/04 Tribunal Central Administrativo do Sul de 13/01/2005- Teresinha Frutuoso

10-12-2024

O caso envolve um recurso jurisdicional interposto pela Ministra de Justiça contra o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul), que declarou a nulidade de um despacho que homologou a lista de classificação final de um concurso interno da Polícia Judiciária. O concurso visava preencher 12 vagas para o cargo de inspetor coordenador. A Ministra de Justiça havia indeferido o recurso hierárquico de um dos candidatos, mas o TCA Sul deu provimento ao recurso contencioso desse candidato, declarando a nulidade do despacho que homologou a classificação final.

A decisão do TCA Sul baseou-se na alegada violação do princípio da imparcialidade por parte do Júri do concurso. O julgamento considerou que o Júri, após ter acesso aos currículos dos candidatos, alterou os critérios de avaliação e de pontuação, o que teria comprometido a imparcialidade do processo, violando o art.º 266 CRP e art.º 9 CPA.

A Ministra de Justiça argumenta que não houve violação do princípio da imparcialidade, reforçando que os currículos dos candidatos foram analisados, mas apenas em um momento posterior à definição dos critérios de avaliação, ou seja, antes da aprovação da ficha de análise, o Júri não tinha acesso aos currículos. De acordo com a Ministra, os critérios de avaliação foram fixados de forma objetiva, e o Departamento de Recursos Humanos da Polícia Judiciária apenas fez o papel de apoio administrativo, organizando os processos e entregando os currículos ao Júri apenas quando necessário. O Júri teria, assim, fixado os critérios de avaliação sem influências externas, e não seria necessário provar que os currículos dos candidatos tenham impactado diretamente os critérios de avaliação.

O candidato que interpôs o recurso contencioso (recorrido) sustenta que houve uma violação do princípio da imparcialidade por parte do Júri. Ele alega que, após ter acesso aos currículos dos candidatos, o Júri alterou os critérios de avaliação comprometendo a transparência e a imparcialidade do concurso. Para o recorrido, a simples alteração dos critérios de avaliação, depois de o Júri já ter conhecimento dos currículos dos candidatos, é suficiente para afetar a imparcialidade, mesmo que não se prove que o Júri tenha efetivamente sido influenciado.

O argumento é de que a alteração dos critérios de avaliação após o acesso aos currículos dos candidatos configura uma violação da imparcialidade objetiva, que é a exigência legal de que a Administração Pública não só deva agir de forma imparcial, mas também pareça imparcial aos olhos da sociedade.

O Tribunal examina os factos do caso e a legislação aplicável para decidir se houve violação do princípio da imparcialidade.

O princípio da imparcialidade, que está consagrado no artigo 266º, nº 2 da CRP e no artigo 9º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), não exige que se prove a parcialidade subjetiva dos membros do Júri (isto é, que os membros do Júri tenham agido com intenção de favorecer ou prejudicar um candidato). O que é relevante, no contexto jurídico, é a imparcialidade objetiva, isto é, a imparcialidade do processo administrativo, que deve ser garantida por meios institucionais e organizacionais para evitar que surjam dúvidas sobre a imparcialidade da Administração.

O Tribunal esclarece que, para que a Administração cumpra o princípio da imparcialidade, não basta que os atos administrativos sejam imparciais, mas também que a própria imagem pública da imparcialidade seja preservada. A Administração deve garantir que a perceção pública do processo seja de forma transparente e justa.

A violação do princípio da imparcialidade no presente caso foi identificada pela forma como os critérios de avaliação foram alterados. O Júri do concurso aprovou, em 21 de janeiro de 2000, uma ficha de análise com os critérios de avaliação. No entanto, após ter tido acesso aos currículos dos candidatos, o Júri modificou esses critérios, ajustando-os e, em alguns casos, corrigindo-os. A alegação central do recorrido foi que essa alteração posterior dos critérios de avaliação prejudica a imparcialidade do concurso, pois gera a impressão de que o julgamento do mérito dos candidatos foi influenciado pelos currículos, algo que deveria ser evitado para garantir a transparência e a neutralidade do processo.

O Tribunal destacou que, de acordo com a legislação em vigor, especificamente O facto de o Júri ter modificado esses critérios depois de já ter tido acesso aos currículos dos candidatos comprometeu a imparcialidade objetiva do processo, pois esses critérios poderiam, na prática, ser ajustados para favorecer ou prejudicar determinados candidatos, dependendo do conteúdo dos seus currículos.

A Administração tem a responsabilidade de garantir que as regras do concurso sejam estáveis e claras desde o início, para que os candidatos possam competir em pé de igualdade, sem que haja alterações que possam gerar suspeitas sobre a justiça do processo.

O Tribunal fez uma distinção importante entre nulidade e anulação. O Acórdão recorrido havia declarado a nulidade do ato de homologação do concurso, com base na violação do princípio da imparcialidade. No entanto, o Tribunal Supremo Administrativo (STA) entendeu que, neste caso, a consequência jurídica da violação do princípio da imparcialidade não deveria ser a nulidade, mas sim a anulação do ato administrativo.

A nulidade só seria aplicável se faltassem elementos essenciais ao ato administrativo, o que não se verificava no caso. A violação do princípio da imparcialidade não compromete a própria existência do ato, mas sim a sua validade. A alteração dos critérios de avaliação foi considerada uma irregularidade, mas não foi de tal magnitude que justifique a nulidade do ato. Em vez disso, o Tribunal entendeu que a anulação do ato era a medida mais adequada.

O Tribunal negou provimento ao recurso jurisdicional da Ministra de Justiça, mantendo a decisão do TCA Sul, mas alterando a consequência jurídica da violação do princípio da imparcialidade.

A decisão do Tribunal reforça a importância da imparcialidade objetiva na Administração Pública, que não deve ser apenas real, mas também percetível aos cidadãos. Alterar os critérios de avaliação após o conhecimento dos currículos dos candidatos compromete a confiança pública na imparcialidade do processo, mesmo que não se prove uma atuação concreta de parcialidade. O Tribunal também reafirma que, para garantir a justiça e a transparência dos concursos públicos, os critérios de avaliação devem ser previamente estabelecidos e não alterados com base em informações que surgem durante o processo.

A medida mais adequada, nesse caso, foi a anulação do ato, em vez da nulidade, porque a irregularidade não comprometeu os elementos essenciais do ato administrativo.

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