Comentário ao Acórdão nº 0730/04 STA - Catarina Mesquita
Acórdão nº 0730/04 de 13 de janeiro de 2005 do supremo tribunal administrativo
Neste acórdão a Ministra da justiça recorreu de um acórdão do tribunal central administrativo (TCA) Sul, de 19 de fevereiro de 2004, este que declarou a nulidade de uma decisão anterior, sendo esta o despacho do Diretor Nacional da Polícia Judiciária, ratificado em 2001, que aprova a lista de classificação de candidatos para um concurso interno para o cargo de inspetor coordenador a nível I na Polícia Judiciária. A Ministra alega que o processo seguiu as vias legais, mas o TCA Sul considerou que houve violação do princípio da imparcialidade.
O problema jurídico central era determinar se houve violação do princípio da imparcialidade ao fixar os critérios de avaliação depois de o júri já conhecer / ter acesso aos currículos dos candidatos.
Levantava-se a questão se a Administração Pública teria comprometido a neutralidade do concurso ao estabelecer critérios com potencial influência nos perfis dos candidatos, uma vez que os critérios foram definidos após o recebimento dos documentos dos concorrentes, o que vai contra o princípio de pré-determinação.
A ministra da justiça alegou que o júri do concurso, ao estabelecer os critérios de avaliação, não tinha acesso aos currículos dos candidatos a esta posição, já que estes estavam na guarda do Departamento dos Recursos Humanos e só poderiam ser acessíveis se necessário. A ministra defende também, que a imparcialidade foi preservada, uma vez que a decisão não foi tomada com base no conhecimento prévio dos candidatos, e que a organização e o processo seguiu os procedimentos administrativos adequados. O TCA Sul entendeu que o júri efetivamente violou o princípio da imparcialidade ao ter definidos os critérios posteriori a ter os currículos, e que esta sequência de eventos gerou um risco na objetividade e transparência do processo.
No entender do tribunal, a imparcialidade objetiva exige não só a neutralidade de intenções, mas também a perceção pública dessa imparcialidade, e que assim, deveriam ter fixados os critérios antes de terem acesso aos currículos dos candidatos.
O Supremo Tribunal Administrativo negou o recurso da ministra, concordando com o TCA Sul em relação à violação do princípio da imparcialidade. Contudo, alterou a consequência jurídica de "nulidade" para "anulação" do ato administrativo.
O princípio da imparcialidade na administração define que nas relações entre os particulares e administração, devem tratar de maneira imparcial, com equidade, ao longo do procedimento administrativo, abstendo-se de os favorecer ou prejudicar com base em valorações subjetivas ou opções arbitrárias.
Conforme Maria Teresa Ribeiro pode-se dizer que "imparcialidade é a conduta objetiva, desinteressada, isenta, neutra e independente. O princípio da imparcialidade, está enunciado no art.º 266 nº2 da CRP, no art.º 9 do CPA. Segundo o professor Freitas Amaral, o princípio da imparcialidade tem duas vertentes: Positivo/Objetivo e Negativo/ Subjetivo, neste caso, em concreto, encaixando-se na primeira vertente já que esta, pondera todos os interesses, sejam eles de carácter público ou privado, que sejam importantes para uma tomada de decisão, e sendo assim respeitando o princípio da persecução do interesse público, proteção dos cidadãos e proteção dos direitos.
Os atos são anuláveis sempre que nos atos praticados pela AP não tiverem sido ponderados todos os interesses relevantes para a questão, sendo que estamos perante um caso de vicio na decisão. Este princípio constitui assim um limite ao exercício do podes discricionário que visa proteger os cidadãos da Administração, e também proteger a Administração dos funcionários que a integram.
O Prof. Paulo Otero, também afirma que a imparcialidade administrativa tem um duplo sentido: Adotar uma postura de neutralidade ou equilíbrio em relação aos interesses privados que se intersectam com o interesse público a ser promovido, evitando desvios motivados por simpatias ou antipatias subjetivas, com base em um princípio geral de imparcialidade que gera confiança; A imparcialidade exige de igual forma tomar em consideração ponderativa e valorativa os interesses públicos e privadas relevantes para produzir uma solução decisória equitativa que, excluindo os interesses alheios.
Os efeitos do princípio da imparcialidade na administração pública são significativos e abrangentes, garantindo que a atuação administrativa seja justa, equitativa e livre de arbitrariedades:
-Respeito a Valores e Princípios Fundamentais;
-Atuação Isenta e Equidistante;
-Decisões Ponderadas e Justas;
-Mecanismos de Controle Interno;
-Prevalência de Critérios Objetivos;
-Promoção de uma Boa Administração;
-Segurança Jurídica e Confiança Pública.
O tribunal neste acórdão também fala que não são a administração tem de ser imparcial, como tem de parecer imparcial, ou seja, mesmo que o que a ministra esteja a dizer seja verdade e que os júris não tinham acesso aos documentos, na perceção pública, nada o garante, e por isso, para proteger a segurança jurídica e a confiança pública, o mais acertado era mesmo o ato ser anulado Assim, no que diz respeito a sanção data pelo STA, um ato anulável, embora invalido, é juridicamente eficaz até ao momento que venha a ser anulado, e quando anulado tem eficácia retroativa, artº163 nº2 do CPA, o que fará mais sentido para haver um novo concordo imparcial, e com confiança dos cidadãos.
biografia:
Amaral, Diogo Freitas Amaral, volume II, 3º edição Almedina, 2016
Otero, Paulo. Direito do Procedimento Administrativo. volume I. 1º edição. Coimbra. editora Almedina. 2016
Sousa, Marcelo Rebelo de. Direito Administrativo Geral. Tomo III. 2º edição. Editora D. Quixote. 2009.
Ribeiro, Maria Teresa de Melo. O princípio da imparcialidade da administração pública. Coimbra. Editora Almedina. 1996. p. 309