Comentário ao Acórdão nº 01579/15 do Tribunal Central Administrativo do Norte de 13/11/2020- Teresinha Frutuoso

10-12-2024

Breve Sumário

O Acórdão em questão refere-se a uma ação administrativa especial, no contexto de impugnação de ato administrativo, intentada pela empresa S. Lda. contra o Município X. A Recorrente contesta a decisão de 2015 tomada pelo Vereador do Pelouro da Inovação e Ambiente da Câmara Municipal, que ordenou o encerramento preventivo do seu restaurante, devido à poluição sonora, com a correspondente selagem do imóvel, até que a situação fosse regularizada. A decisão baseou-se no artigo 149º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e visava assegurar a conformidade do estabelecimento com as normas de ruído. A Recorrente argumenta que a decisão foi tomada sem a devida audiência prévia e que é desproporcionada, além de sustentar que a Administração cometeu um erro na interpretação dos factos e do direito. O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto manteve a decisão da Câmara Municipal, e agora a Recorrente recorre dessa sentença.

Análise da Matéria Relevante

A Recorrente inicia a sua argumentação afirmando que a sentença do TAF violou o princípio da proporcionalidade, o princípio da legalidade e as regras relativas ao ônus da prova. Alega que a decisão administrativa foi baseada em presunções infundadas e não em provas concretas. Para a Recorrente, no âmbito do contencioso administrativo, não existe margem para a presunção de legalidade dos atos administrativos, defendendo que é à Administração caber provar a legalidade dos seus atos. Neste sentido, sustenta que o Tribunal violou o princípio da legalidade consagrado no artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, que estabelece que a Administração só pode agir dentro dos limites da lei e no respeito pelos direitos dos cidadãos.

Além disso, a Recorrente alega que, ao tomar a decisão sem ouvir os interessados de forma plena, foi violado o princípio do contraditório e o direito à audiência prévia. Refere que a Câmara Municipal se recusou a realizar novos testes acústicos ao restaurante, mesmo após a adoção de novas medidas para reduzir o ruído. Para a Recorrente, esta recusa equivale a uma violação do direito de defesa e da possibilidade de a Recorrente comprovar que tomou medidas eficazes para mitigar o ruído. Assim, alega que o ato administrativo que determinou o encerramento do estabelecimento deveria ser nulificado por não ter cumprido as exigências do contraditório.

Relativamente à proporcionalidade, a Recorrente sustenta que a decisão de encerramento do restaurante foi uma medida excessiva e desproporcionada, uma vez que o seu estabelecimento não operava nos horários de descanso da população e, portanto, o impacto do ruído era limitado. Além disso, a Câmara Municipal recusou-se a realizar novas medições sonoras, o que, na visão da Recorrente, inviabilizou a possibilidade de se verificar se as medidas tomadas para reduzir o nível de ruído eram adequadas. Segundo a Recorrente, em vez de se tomar uma decisão tão gravosa (fechamento do estabelecimento), a Administração deveria ter explorado alternativas menos restritivas, como a realização de novos testes ou a aplicação de outras medidas para mitigar os efeitos do ruído.

No entanto, o Acórdão analisa a questão sob uma outra ótica, defendendo que o fechamento preventivo do restaurante foi uma medida adequada e necessária para proteger a saúde e o bem-estar dos cidadãos, especialmente daqueles que residem nas proximidades do estabelecimento. O Tribunal considera que, em situações de poluição sonora, é fundamental garantir a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos afetados, nomeadamente o direito ao repouso, ao sono e à qualidade de vida, direitos esses que estão constitucionalmente protegidos (artigos 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa).

A análise do Acórdão faz referência a uma situação de colisão de direitos: de um lado, o direito da Recorrente à atividade empresarial e ao exercício da sua liberdade económica; de outro, o direito dos vizinhos à qualidade de vida e ao repouso, que está em risco devido ao nível de ruído excessivo proveniente do restaurante. A solução apresentada no Acórdão aponta para a prevalência do direito à saúde e ao bem-estar das pessoas, dada a natureza do problema em questão (poluição sonora) e os efeitos prejudiciais para os direitos de personalidade dos vizinhos.

Princípio da Proporcionalidade

O Acórdão também discute a aplicação do princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios fundamentais:

  1. Princípio da adequação: A medida tomada (o encerramento do restaurante) deve ser eficaz para alcançar o objetivo de proteção da saúde pública e da tranquilidade dos cidadãos.
  2. Princípio da exigibilidade: A medida deve ser necessária para resolver o problema, não sendo possível atingir os mesmos fins por meios menos restritivos.
  3. Princípio da justa medida: A medida não pode ser excessiva, ou seja, não deve ser desproporcional em relação ao benefício que se pretende alcançar.

No caso concreto, o Acórdão considera que o encerramento do restaurante foi uma medida adequada para resolver o problema da poluição sonora, uma vez que as medidas tomadas pela Recorrente para reduzir o ruído (como o isolamento acústico) não foram suficientes para resolver a situação de forma definitiva. A insuficiência das medidas adotadas pela Recorrente foi constatada pela Divisão Municipal de Gestão Ambiental da Câmara Municipal, que apontou que as soluções aplicadas eram avulsas e não tinham a capacidade de resolver o problema de maneira duradoura. A Câmara Municipal, portanto, foi obrigada a tomar uma medida urgente para garantir a qualidade de vida dos cidadãos afetados, e o encerramento do estabelecimento foi considerado proporcional à gravidade da situação.

Direitos Constitucionais em Conflito

O Acórdão sublinha que, nos casos em que há um conflito de direitos, como no presente caso entre o direito à liberdade económica da Recorrente e os direitos à saúde e à tranquilidade dos cidadãos, o direito à proteção da saúde pública e ao repouso deve prevalecer. Este entendimento é também sustentado pela jurisprudência, como se vê em decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que reconhecem o direito ao repouso como essencial para a integridade física e mental das pessoas.

No caso específico da Recorrente, a sua atividade empresarial não pode sobrepor-se ao direito dos vizinhos ao direito ao repouso, dado que o ruído excessivo comprometia a qualidade de vida na área circundante.

Conclusão

Em suma, o Acórdão confirma que a atuação da Administração foi legítima e proporcional, no sentido de proteger o direito fundamental à saúde e ao bem-estar dos cidadãos afetados pela poluição sonora. O encerramento preventivo do restaurante foi considerado a única medida possível para resolver de forma eficaz o problema de ruído, dado que outras alternativas menos restritivas não se mostraram viáveis. Por fim, a decisão do TAF, que ratificou a validade do ato administrativo da Câmara Municipal, não viola os princípios da proporcionalidade, legalidade ou contraditório, e a decisão tomada deve ser mantida.

Assim, a Recorrente não conseguiu demonstrar que a decisão administrativa foi desproporcional ou ilegal, e, por conseguinte, o Acórdão não foi alterado.


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