Comentário ao acórdão do TAF do Porto de 15/11/2007 - Maria Inês Duarte

24-05-2025

Nº de Processo: 00370/04.1BEBRG

O acórdão a analisar incide no dever de obediência, contudo, antes de prosseguir com a sua respetiva análise, cumpre definir um outro conceito, a hierarquia administrativa. A hierarquia administrativa é a organização vertical dos serviços públicos, sendo estes, de acordo com o Professor ANTÓNIO FREITAS DO AMARAL, "as organizações humanas criadas no seio de cada pessoa coletiva pública com o fim de desempenhar as atribuições desta, sob a direção dos respetivos órgãos". É ainda definida pela maioria da doutrina e pelo Professor CUNHA VALENTE como "o conjunto de órgãos administrativos de competências diferenciadas, mas com atribuições comuns, ligados por um vínculo de subordinação que se revela no agente superior pelo poder de direção e no subalterno pelo dever de obediência".

Assim sendo, o dever de obediência do subalterno consubstancia o contraponto do poder de direção do seu superior hierárquico e, de acordo com o Professor DIOGO FREITAS DO AMARAL consiste na sua obrigação de "cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e sob a forma legal".

Deste dever cumpre referir 3 requisitos:

-Legitimidade do superior hierárquico;

-Instruções sobre matéria de serviço;

-Forma Legal prescrita

Deste modo não existe dever de obediência do subalterno quando o comando provenha de quem não é seu legítimo superior, isto é, para que a ordem seja legitima, exige-se que o superior tenha legitimidade para a dar, o inferior para cumprir e que os requisitos estejam verificados.

Nestes casos, como a ilegalidade dos comandos é extrínseca, não reside na materialidade do comando a executar, mas sim em algo que lhe é alheio (como a legitimidade do superior que o emana) o subalterno não está comprometido à execução destas ordens pelo dever de obediência.

Passando para a análise do Acórdão do TAF do Porto de 15/11/2007, o autor pediu a anulação da deliberação da Câmara Municipal do Porto, que, a 03/07/2007 o puniu com a sanção disciplinar de demissão, por este se ter recusado a assinar diversos autos de contraordenação relativos a infrações do Código da Estrada, por ele verificadas e registadas, não obstante o seu superior hierárquico verbalmente lho ter ordenado.

O autor defende que tal deliberação era ilegal uma vez que não existia despacho que ordenasse a instauração de um processo disciplinar, por na pendencia deste lhe ter sido instaurado um outro processo e por não ter havido adição de ambos os processos, por erro nos pressupostos de facto e por ter sido violado o princípio da proporcionalidade.

No seguimento disto, o TAF julgou a ação improcedente por entender que a deliberação impugnada não estava viciada por nenhuma das ilegalidades que lhe tinham sido caluniadas, designadamente a de ter ocorrido em erros nos seus pressupostos de facto.

Consequentemente, é importante analisar o dever de obediência a ordens ilegais, o problema está em quando os três requisitos mencionados anteriormente estão cumpridos, o subalterno estaria a praticar um crime. O subalterno deve ou não cumprir a ordem?

Olhando primeiramente para o problema, parece ser simples de resolver, partindo do Princípio da Legalidade, a preferência da lei, que é – não esquecer – um dos princípios basilares do Direito Administrativo, seria de esperar que o subalterno tivesse direito a desobedecer às ordens ilegais dos seus superiores hierárquicos, uma vez que estaria vinculado ao cumprimento da lei. Porém, dar a liberdade a este (subalterno) de interpretar e questionar os comandos que lhe são dados causa, inevitavelmente, alguma indisciplina no ramo da administração pública, dificultando assim a gestão pública.

De modo a responder a esse conflito entre os dois Princípios do Direito Administrativo: o Princípio Hierárquico e o da Legalidade existem duas teorias:

  • Teoria Legalista: que nega o dever de obediência quanto ao comando hierárquico caso tal comando seja ilegal, não suprimindo a liberdade do subordinado- Prevalência do Princípio da legalidade.
  • Teoria Hierárquica: onde não se admite ao subalterno que questione ou interprete a legalidade dos comandos hierárquicos, cabe-lhe apenas executá-los- Prevalência do Hierárquico

Para além destas duas teorias, o Professor PAULO OTERO admite ainda uma terceira teoria, que admite, em certos casos o primado do Princípio Hierárquico, uma vez que, nalguns casos, admite a existência do dever de obediência a comandos ilegais e, noutros casos, compreende a primazia do Princípio da legalidade ao excluir a obediência a alguns comandos ilegais. Esta teoria erra, no entanto, em delimitar concretamente as situações de ilegalidade excluídas do dever de obediência.

Alguns autores admitem que tal dever se extingue caso o comando hierárquico ilegal comprometa gravemente um interesse público, mas que existe quanto aos restantes comandos ilegais, será que tal ocorre neste acórdão? Será que o facto de o autor ter recebido estas ordens comprometeria um interesse público, levando-o a não cumprir o dever de obediência em questão? A meu ver não.

Em suma, após a análise do Acórdão em questão e do estudo feito em prol da análise e do aprofundamento dos meus conhecimentos, concordo com a decisão dada pelo TAF. Contudo, admito que é necessário proceder a um alargamento dos casos em que cessa o dever de obediência.

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