Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (nº075/03 de 14/05/2003) - Alexandre Mira

25-05-2025

Introdução

O presente caso envolve um litígio sobre a anulação de um despacho do Ministério da Administração Interna, requerido por um oficial da Polícia de Segurança Pública (PSP). O despacho negou provimento ao recurso hierárquico apresentado pelo oficial contra um despacho anterior do Comandante-Geral da PSP, que determinava o seu deslocamento temporário por 20 meses para o Comando de Polícia da Horta, na Região Autónoma dos Açores.

Inicialmente, o Supremo Tribunal Administrativo declarou-se incompetente para apreciar a matéria, remetendo o processo para o Tribunal Central Administrativo. Após recurso para o STA, este concedeu provimento ao recurso jurisdicional, enviando novamente o processo ao Tribunal Central, que, por sua vez, negou provimento ao recurso contencioso. O recurso foi interposto novamente para o STA.

As alegações do recorrente fundamentam-se em três pontos principais:

Falta de notificação adequada — alega que apenas houve publicação do ato, sem notificação pessoal, violando o artigo 66.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e o artigo 268.º, nº 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Ilegalidade e inconstitucionalidade do critério "menor antiguidade" utilizado para selecionar os oficiais deslocados temporariamente, o que violaria o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP.

Ilegalidade da base legal invocada, o artigo 136.º do Decreto-Lei nº 321/94 (Lei da PSP), que permite a diferenciação entre oficiais com postos e funções semelhantes.

A autoridade contestou todas as alegações, defendendo a legalidade das decisões, a suficiência das notificações, a legitimidade do critério utilizado e a inexistência de qualquer violação de princípios constitucionais.


Desenvolvimento

O magistrado sublinha que, conforme o artigo 110.º, nº 1 do CPA, a notificação é um ato externo e distinto, destinado a assegurar a eficácia do ato administrativo. A ausência ou deficiência na notificação não constitui vício do ato em si, apenas afeta sua oponibilidade e o início da contagem dos prazos para impugnação.

Assim, embora o recorrente alegue falta de notificação, o tribunal conclui que esta apenas teria impacto no prazo para recurso, que só começa a contar após a notificação. Portanto, o ato administrativo não está juridicamente viciado.

Sobre o critério da "menor antiguidade" para o deslocamento temporário, o tribunal destaca o artigo 13.º da CRP que garante igualdade perante a lei, mas não exige tratamento idêntico para situações desiguais. O princípio obriga a tratar igual os iguais e desigualmente os desiguais, desde que haja justificação objetiva e racional.

No caso concreto, embora tanto o curso de formação inicial como o curso de promoção permitam a mesma categoria (oficial da PSP), apenas o primeiro confere formação de nível superior, justificando uma distinção legítima.

Desta forma, o critério usado pelo legislador e aplicado no despacho é considerado razoável e não violador do princípio da legalidade.

Quanto à alegada violação dos princípios da justiça e imparcialidade (artigo 9.º do CPA), o tribunal entendeu que o critério aplicado não era discricionário, mas vinculado, não cabendo margem para apreciação subjetiva que pudesse ferir tais princípios.

O juiz baseou-se em doutrina que diferencia poderes discricionários e vinculados, sustentando que o caso se enquadra na aplicação de um critério legalmente determinado, afastando qualquer violação.

A decisão do tribunal está alinhada com a jurisprudência anterior, que reconhece que a ausência de notificação adequada pode ser suprida por outras formas de comunicação ou pela interposição tempestiva do recurso.

O princípio da igualdade, desde o constitucionalismo moderno, não exige uniformidade absoluta, mas tratamento adequado conforme as circunstâncias específicas, evitando discriminações injustificadas.

Diversas opiniões doutrinárias foram referenciadas para fundamentar a distinção entre poderes vinculados e discricionários e o impacto destes sobre princípios administrativos.


Conclusão

A falta de notificação pessoal, conforme analisada, não vicia o ato administrativo, mas apenas afeta a contagem dos prazos para recurso, o que está em conformidade com o entendimento do magistrado e da jurisprudência.

O critério da antiguidade, utilizado para determinar os oficiais a deslocar, não viola o princípio da igualdade, pois está baseado em diferenças objetivas e justificáveis entre os oficiais, respeitando a legalidade e a justiça material.

A alegação de violação dos princípios da imparcialidade e justiça foi rejeitada, considerando-se que o ato administrativo respeitou os limites dos poderes legais e foi fundamentado em critérios objetivos e vinculados.

Em suma, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo está bem fundamentada e coerente com o ordenamento jurídico vigente.


Bibliografia

Freitas do Amaral, Diogo, Manual de Direito Administrativo, Vol. 2, 2ª reimpressão, Almedina, 2003, 

Silva, Vasco Pereira da, Em busca do ato administrativo perdido, Almedina, Coimbra, 1996

Caetano, Marcelo, Manual de Direito Administrativo, Vol. 1, Almedina, 2008, 

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