Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de janeiro de 2025 (Processo nº 3/24.0BALSB e Processos Apensos) – Maria Costa Ramos

26-05-2025

I. Enquadramento Factual do Caso


O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no âmbito dos processos apensos n.ºs 3/24.0BALSB, 16/24.1BALSB e 31/24.5BALSB versa sobre a impugnação de deliberações do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), relativas ao concurso para provimento de Juízes Desembargadores nas Secções de Contencioso Tributário dos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul. As candidatas, todas Juízas de Direito, questionaram a legalidade do procedimento concursal, nomeadamente a densificação dos critérios de avaliação curricular operada pelo júri após o termo do prazo de apresentação de candidaturas.

O procedimento foi marcado pela aprovação da Ata Conjunta n.º 1, em que o júri densificou critérios e subcritérios de avaliação (designadamente quanto a trabalhos científicos, atividades no ensino jurídico, experiência forense e defesa pública de currículo), estabelecendo escalas e pesos diferenciados. A decisão recorrida pelo CSTAF anulou a deliberação de homologação da lista final de graduação (15/11/2023), considerando violados princípios fundamentais do Direito Administrativo, como a imparcialidade e a igualdade, previstos no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, bem como o princípio da legalidade (art. 3.º CPA), o princípio da boa administração (art. 5.º CPA), o princípio da justiça (art. 6.º CPA), e o dever de informação e participação dos interessados (arts. 7.º e 8.º CPA).

II. Matéria de DireitoA questão central do litígio reporta-se à conformidade da atuação administrativa com os princípios gerais da atividade administrativa, em especial a legalidade, a imparcialidade, a transparência e a igualdade. O cerne do debate jurídico reside na possibilidade de o júri de um concurso densificar critérios de avaliação após o termo do prazo de apresentação das candidaturas e a realização do sorteio dos candidatos.


Nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP, e dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 6.º-A, 7.º, 8.º, 9.º e 10.º do CPA, a Administração está vinculada a uma atuação imparcial, justa, transparente e previsível, prosseguindo o interesse público sem comprometer a igualdade de oportunidades dos administrados. O princípio da imparcialidade (art. 9.º CPA), na lição de Freitas do Amaral, implica não apenas a ausência de favoritismo, mas a adoção de mecanismos concretos que afastem qualquer aparência de preferência ou discriminação, pois "a imparcialidade exige que a Administração seja, e também pareça ser, isenta" (Curso de Direito Administrativo, 4.ª ed., Almedina, 2020).


O Supremo Tribunal Administrativo reafirmou, com apoio em vasta jurisprudência, que a fixação de subcritérios ou a densificação de fatores de avaliação após o conhecimento, ainda que potencial, das candidaturas, viola estes princípios estruturantes. Paulo Otero também sublinha que a imparcialidade não se esgota na neutralidade formal, mas exige uma estrutura procedimental que afaste "não apenas a suspeita de favorecimento, mas qualquer risco abstrato de atuação parcial" (Manual de Direito Administrativo, Almedina, 2019, p. 180).
A Administração está ainda vinculada à tutela da confiança (art. 6.º-A CPA), que visa proteger as legítimas expectativas dos administrados de que as regras do procedimento se mantêm estáveis, e ao princípio da boa-fé (art. 10.º CPA), que exige lealdade na condução do procedimento. A jurisprudência consolidada do STA reforça que a discricionariedade administrativa não pode ser utilizada como expediente para redefinir os contornos de um procedimento já em curso, sob pena de violação do princípio da legalidade (art. 3.º CPA) e da vinculação procedimental (art. 6.º CPA).


Como refere Freitas do Amaral, a legalidade é o "princípio estruturante de toda a atividade administrativa" e implica que "a Administração só pode fazer o que a lei lhe permite, nos exatos termos e com as limitações por ela previstas" (Curso de Direito Administrativo, 2020, p. 135). Por sua vez, a igualdade, enquanto direito fundamental e princípio basilar, impõe "tratamento equitativo e não discriminatório entre os cidadãos que se encontram em situações idênticas" (idem, p. 490), sendo incompatível com a criação de regras ou critérios após o conhecimento do universo de candidatos.


A decisão assenta, assim, na salvaguarda dos princípios constitucionais da imparcialidade, transparência e igualdade (art. 266.º, n.º 2, CRP), bem como nos princípios estruturantes do procedimento administrativo consagrados no CPA. Reforça-se que qualquer alteração das regras após o termo das candidaturas pode afetar a igualdade de oportunidades e criar o risco de decisões parciais ou arbitrárias.

III. Considerações Finais


O acórdão em apreço ilustra, de forma paradigmática, a importância da antecipação normativa e da rigidez procedimental em concursos públicos para cargos judiciais. A decisão reitera que a Administração, ao estabelecer novos critérios de avaliação – ainda que sob a forma de densificação ou fundamentação – após o termo das candidaturas, viola princípios estruturantes do procedimento administrativo, comprometendo a transparência, a legalidade e a confiança no sistema.


Assim, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, ao anular as deliberações do CSTAF e determinar a substituição do júri, reafirma a necessidade de os procedimentos administrativos serem conduzidos dentro dos limites legais e regulamentares definidos ab initio, assegurando que todos os candidatos sejam avaliados com base em regras previamente conhecidas, estáveis e equitativas, em respeito pelos princípios da legalidade (art. 3.º CPA), da imparcialidade (art. 9.º CPA), da igualdade (art. 266.º, n.º 2 CRP), da boa administração (art. 5.º CPA) e da tutela da confiança (art. 6.º-A CPA).

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