Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de janeiro de 2025 (Processo nº 3/24.0BALSB e Processos Apensos) – Maria Costa Ramos
I. Enquadramento Factual do Caso
O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no âmbito dos
processos apensos n.ºs 3/24.0BALSB, 16/24.1BALSB e 31/24.5BALSB versa sobre a
impugnação de deliberações do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e
Fiscais (CSTAF), relativas ao concurso para provimento de Juízes
Desembargadores nas Secções de Contencioso Tributário dos Tribunais Centrais
Administrativos Norte e Sul. As candidatas, todas Juízas de Direito,
questionaram a legalidade do procedimento concursal, nomeadamente a
densificação dos critérios de avaliação curricular operada pelo júri após o
termo do prazo de apresentação de candidaturas.
O procedimento foi marcado pela aprovação da Ata Conjunta n.º 1, em que o júri densificou critérios e subcritérios de avaliação (designadamente quanto a trabalhos científicos, atividades no ensino jurídico, experiência forense e defesa pública de currículo), estabelecendo escalas e pesos diferenciados. A decisão recorrida pelo CSTAF anulou a deliberação de homologação da lista final de graduação (15/11/2023), considerando violados princípios fundamentais do Direito Administrativo, como a imparcialidade e a igualdade, previstos no artigo 266.º, n.º 2, da CRP, bem como o princípio da legalidade (art. 3.º CPA), o princípio da boa administração (art. 5.º CPA), o princípio da justiça (art. 6.º CPA), e o dever de informação e participação dos interessados (arts. 7.º e 8.º CPA).
II. Matéria de DireitoA questão central do litígio reporta-se à conformidade da atuação administrativa com os princípios gerais da atividade administrativa, em especial a legalidade, a imparcialidade, a transparência e a igualdade. O cerne do debate jurídico reside na possibilidade de o júri de um concurso densificar critérios de avaliação após o termo do prazo de apresentação das candidaturas e a realização do sorteio dos candidatos.
Nos termos do artigo 266.º, n.º 2, da CRP, e dos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º,
6.º-A, 7.º, 8.º, 9.º e 10.º do CPA, a Administração está vinculada a uma
atuação imparcial, justa, transparente e previsível, prosseguindo o interesse
público sem comprometer a igualdade de oportunidades dos administrados. O
princípio da imparcialidade (art. 9.º CPA), na lição de Freitas do Amaral,
implica não apenas a ausência de favoritismo, mas a adoção de mecanismos
concretos que afastem qualquer aparência de preferência ou discriminação, pois
"a imparcialidade exige que a Administração seja, e também pareça ser,
isenta" (Curso de Direito Administrativo, 4.ª ed., Almedina, 2020).
O Supremo Tribunal Administrativo reafirmou, com apoio em vasta jurisprudência,
que a fixação de subcritérios ou a densificação de fatores de avaliação após o
conhecimento, ainda que potencial, das candidaturas, viola estes princípios
estruturantes. Paulo Otero também sublinha que a imparcialidade não se esgota
na neutralidade formal, mas exige uma estrutura procedimental que afaste
"não apenas a suspeita de favorecimento, mas qualquer risco abstrato de
atuação parcial" (Manual de Direito Administrativo, Almedina, 2019,
p. 180).
A Administração está ainda vinculada à tutela da confiança (art. 6.º-A CPA),
que visa proteger as legítimas expectativas dos administrados de que as regras
do procedimento se mantêm estáveis, e ao princípio da boa-fé (art. 10.º CPA),
que exige lealdade na condução do procedimento. A jurisprudência consolidada do
STA reforça que a discricionariedade administrativa não pode ser utilizada como
expediente para redefinir os contornos de um procedimento já em curso, sob pena
de violação do princípio da legalidade (art. 3.º CPA) e da vinculação
procedimental (art. 6.º CPA).
Como refere Freitas do Amaral, a legalidade é o "princípio estruturante de
toda a atividade administrativa" e implica que "a Administração só
pode fazer o que a lei lhe permite, nos exatos termos e com as limitações por
ela previstas" (Curso de Direito Administrativo, 2020, p. 135). Por
sua vez, a igualdade, enquanto direito fundamental e princípio basilar, impõe
"tratamento equitativo e não discriminatório entre os cidadãos que se
encontram em situações idênticas" (idem, p. 490), sendo
incompatível com a criação de regras ou critérios após o conhecimento do
universo de candidatos.
A decisão assenta, assim, na salvaguarda dos princípios constitucionais da
imparcialidade, transparência e igualdade (art. 266.º, n.º 2, CRP), bem como
nos princípios estruturantes do procedimento administrativo consagrados no CPA.
Reforça-se que qualquer alteração das regras após o termo das candidaturas pode
afetar a igualdade de oportunidades e criar o risco de decisões parciais ou
arbitrárias.
III. Considerações Finais
O acórdão em apreço ilustra, de forma paradigmática, a importância da
antecipação normativa e da rigidez procedimental em concursos públicos para
cargos judiciais. A decisão reitera que a Administração, ao estabelecer novos
critérios de avaliação – ainda que sob a forma de densificação ou fundamentação
– após o termo das candidaturas, viola princípios estruturantes do procedimento
administrativo, comprometendo a transparência, a legalidade e a confiança no
sistema.
Assim, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo, ao anular as deliberações
do CSTAF e determinar a substituição do júri, reafirma a necessidade de os
procedimentos administrativos serem conduzidos dentro dos limites legais e
regulamentares definidos ab initio, assegurando que todos os candidatos sejam
avaliados com base em regras previamente conhecidas, estáveis e equitativas, em
respeito pelos princípios da legalidade (art. 3.º CPA), da imparcialidade (art.
9.º CPA), da igualdade (art. 266.º, n.º 2 CRP), da boa administração (art. 5.º
CPA) e da tutela da confiança (art. 6.º-A CPA).