Comentário ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14/05/2024, nº de processo: 2245/23- Sara Faísca
Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14/05/2024, n.º de processo: 2445/23.9
Primeiramente, o acórdão em questão aborda a problemática de competência mútua de dois juízos diferentes, e ambos não assumem a mesma, levantando o problema de quem de facto pertence a competência e a obrigação da resolução do conflito. Ambos os juízos pertencem ao Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa pelo Decreto‑Lei n.º 174/2019, de 13 de Dezembro, artigo 2º. Os órgãos em questão são o Juízo Administrativo Comum e o Juízo Administrativo Social. Primeiro é necessário esclarecer o que de facto é um juízo administrativo: é o órgão dentro do poder judiciário que analisa as temáticas relacionadas com o direito administrativo, resolvendo litígios e conflitos, quer seja da administração pública ou privada. O juízo administrativo comum trata de assuntos relacionados, por exemplo, ao contencioso administrativo, demandas entre particulares e a administração pública e assuntos de servidores públicos, ou seja tem uma competência muito mais genérica, pelo artigo 44º - A alínea do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais menciona que cabe ao juíz administrativo - "conhecer de todos os processos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal que incidam sobre matéria administrativa e cuja competência não esteja atribuída a outros juízos de competência especializada, bem como exercer as demais competências atribuídas aos tribunais administrativos de círculo;" Em oposição, o Juízo Administrativo Social é mais especializado em temas que envolvem aspetos sociais, como por exemplo políticas públicas de carácter social, direitos sociais, ações civis públicas e coletivas, as suas competências encontram-se legisladas no mesmo artigo, mencionado anteriormente porém na alinea "b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a: i) Litígios emergentes do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação; ii) Exercício do poder disciplinar; iii) Formas públicas ou privadas de previdência social; iv) Pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial; v) Efetivação de responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas referidas nas subalíneas anteriores; vi) Demais matérias que lhe sejam deferidas por lei;"
Em relação ao caso concreto, o sucedido foi "empurra de responsabilidade" de um juiz para o outro, a matéria em questão é uma ação social intentada por uma autora contra o instituto da Segurança Social relacionada ao rendimento social de inserção. Objeto do litígio: A ação visava a contestação de decisões administrativas que impunham à autora a devolução de 3.919,77€, bem como a redução da prestação do RSI, com base na contabilização de rendimentos adicionais (subsídio de apoio ao cuidador informal).
Conflito de competência: O Juízo Administrativo Comum declarou-se incompetente para o caso, entendendo que a matéria deveria ser da competência do Juízo Administrativo Social, nos termos do artigo 44.º-A, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do ETAF, que atribui ao Juízo Administrativo Social a competência para litígios relacionados com previdência social. 'O Juízo Administrativo Social, por sua vez, declarou-se igualmente incompetente, afirmando que o RSI, sendo uma prestação do subsistema de solidariedade, não está abrangido pelo conceito de previdência social e, portanto, não cabe na sua competência especializada.
A decisão do tribunal Central Administrativo do Sul pronunciou-se em como a questão em causa diz respeito ao subsistema de solidariedade visto que é responsável por prestações assistenciais, como o RSI e não a previdência social que apenas é relacionado com o vínculo laboral e a proteção contributiva, posto isto compete ao juízo administrativo comum apreciar o litígio.
Para relacionar com a matéria da cadeira de administrativo decidi analisar os princípios do código do procedimento administrativo e de que forma podemos relacionar com o litígio em questão, visto que a matéria de forma intrínseca está ligada ao procedimento do CPA. Começando com os princípios gerais, conseguimos aplicar os princípios da legalidade n.º 3 do CPA visto que a decisão, o cálculo da restituição da prestação do RSI como a uma possível redução devem respeitar a lei estritamente pelo facto das decisões terem de ser adequadas e equilibradas são obrigadas a atender o princípio da proporcionalidade do artigo 7º do CPA, em razão a autora ter a oportunidade de ser ouvida durante o procedimento aplicamos o artigo 9º do CPA, que aborda em como a administração pública deve tratar de forma imparcial aqueles que com ela entrem em relação. Relativamente ao ato administrativo e aos seus efeitos encontramos no caso dois aspetos diferentes, o primeiro é a motivação e fundamentação da decisão administrativa, por exemplo ser obrigatória a forma em como foram aplicados só cálculos e os seus critérios, a seguir, o facto de ter sido debatido qual juízo tem a competência, é importante referir que no caso do juízo errado se pronunciasse pelo artigo 168º do CPA poderia eventualmente haver uma revisão oficiosa que obrigaria a destruição da decisão e a pronúncia pelo órgão competente, em razão do conflito de competência e gestão processual podemos de forma analogia aplicar o artigo 135º, visto que aborda que os regulamentos administrativos ditam as suas normas e os seus poderes jurídico-administrativos, em caso de dúvida deve verificar-se as competências nos respectivos regulamentos. Por último, as implicações processuais como os prazos de impugnação administrativa ou judicial, previsto a partir dos artigo 165º a 174º, o mais indicado para o caso seria o artigo 168º: "Os atos administrativos podem ser objeto de anulação administrativa no prazo de seis meses, a contar da data do conhecimento pelo órgão competente da causa de invalidade".
Na minha opinião, considero que o mais relevante é a resolução do litígio e assegurar os direitos da autora visto que a mesma é que saiu prejudicada com esta problematização de quem de facto pertence a competência. Achei interessante analisar a importância do CPA em todas as etapas do procedimento administrativo, mesmo que haja uma regulamentação especial, que é o caso.
Em suma, a decisão discute a delimitação entre as competências entre diferentes juízos administrativos, e embora regida por normas específicas, está ligada ao código do procedimento administrativo, visto que permite assegurar a legalidade dos atos.
Bibliografia:
Amaral, Diogo Freitas - Curso de Direito Administrativo (Vol. I)
Sara Faísca, N.º 69550, Turma B, Sub-Turma 12