Comentário ao Acórdão do STA, Processo nº0251/22 de 13/02/2025 - Inês Fernandes
Análise do Acórdão do STA de 13 de Fevereiro de 2025 (Processo nº 0251/22.7BEPRT-S1)
Introdução
O presente trabalho visa analisar o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) em 13 de fevereiro de 2025, no âmbito do processo nº 0251/22.7BEPRT-S1, com foco na questão da legitimidade passiva em ações administrativas relacionadas com atos em matéria de ambiente, ordenamento do território e Programa POLIS. Posteriormente, procuraremos relacionar as decisões e os fundamentos jurídicos presentes neste acórdão com os temas basilares do Direito Administrativo.
Análise do Acórdão
O acórdão em apreço debruça-se sobre um recurso interposto relativamente a uma decisão judicial anterior que havia considerado o Ministério do Ambiente e da Ação Climática (atualmente Ministério do Ambiente e Energia) parte ilegítima numa ação administrativa. A questão central reside, portanto, na determinação de qual ou quais entidades da Administração Pública devem figurar como réus em litígios que envolvam atos administrativos praticados em áreas específicas como o ambiente, o ordenamento do território e o Programa POLIS.
O STA, na sua fundamentação, inicia por recordar o critério geral de aferição da legitimidade processual, consagrado no artigo 26º, nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), que se prende com o "interesse direto em demandar" ou o "interesse direto em contradizer". Este interesse, por sua vez, presume-se existente quando se verifica a "titularidade da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor" (artigo 26º, nº 3, do CPC).
Aplicando este princípio geral ao caso concreto, o STA considera que, estando em causa um ato administrativo praticado numa das áreas sob a égide do Ministério do Ambiente e da Ação Climática, este ministério possui um "interesse direto em contradizer" a pretensão do autor da ação. A lógica subjacente é que a tutela dos interesses públicos relacionados com o ambiente, o ordenamento do território e a execução do Programa POLIS recai, primariamente, sobre as atribuições e competências deste departamento ministerial. Desta forma, é o Ministério do Ambiente que se encontra em melhor posição para defender a legalidade e a adequação dos atos administrativos praticados nestas matérias.
O acórdão enfatiza que a legitimidade passiva se afere pela relação material controvertida tal como configurada pelo autor, ou seja, pela forma como o autor apresenta o litígio e identifica a entidade que, na sua perspetiva, praticou o ato lesivo ou é responsável pela situação jurídica controvertida. No caso em análise, o autor dirigiu a sua pretensão contra um ato administrativo em matéria ambiental, o que, na ótica do STA, justifica a legitimidade passiva do Ministério do Ambiente.
Adicionalmente, o STA pondera a possível necessidade de chamar à lide o Ministério da Coesão Territorial, atendendo às suas competências concorrenciais em algumas das áreas em discussão. Esta menção ao litisconsórcio necessário passivo demonstra a preocupação do tribunal em garantir que todas as entidades com um interesse direto na resolução do litígio possam participar no processo, assegurando uma decisão mais completa e eficaz.
Em suma, a decisão do STA é no sentido de conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar o Ministério do Ambiente e da Ação Climática parte legítima na ação. Determina, ainda, a baixa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para que o processo prossiga os seus termos, caso não haja outros obstáculos.
Com isto podemos perceber que o acórdão do STA revela a sua intrínseca ligação com diversos temas fundamentais de Direito Administrativo II.
Começando com a forma como o acórdão ilustra de forma clara a evolução do particular de mero "súbdito" para "sujeito" de direitos perante a Administração Pública. A possibilidade de um particular intentar uma ação administrativa contra um ato do Ministério do Ambiente e a subsequente discussão sobre a legitimidade passiva demonstram o reconhecimento da capacidade dos particulares de confrontarem a Administração em defesa dos seus interesses e direitos subjetivos. A necessidade de identificar a parte legítima para "contradizer" o autor da ação sublinha a natureza bilateral da relação jurídica processual administrativa, onde o particular não é apenas um destinatário passivo da atuação administrativa, mas um sujeito ativo com a possibilidade de impugnar essa atuação em juízo.
Para além disso, a discussão sobre a legitimidade passiva do Ministério do Ambiente e a eventual necessidade de intervenção do Ministério da Coesão Territorial reflete a complexidade da estrutura da Administração Pública , em particular da administração estadual direta. O acórdão evidencia a importância de identificar o ministério com a tutela das áreas materiais em causa (ambiente, ordenamento do território, POLIS) para efeitos de responsabilização processual. A menção às "competências concorrenciais" salienta que, em certas matérias, a responsabilidade e as atribuições podem ser partilhadas por diferentes órgãos ou entidades administrativas, o que exige uma análise cuidadosa para determinar quem deve integrar a lide.
Embora o acórdão não se centre diretamente na discussão do princípio da legalidade e da sua evolução para o princípio da juridicidade, a questão da legitimidade passiva é um pressuposto essencial para a efetiva sindicabilidade da atuação administrativa pelos tribunais. Sem a correta identificação da entidade administrativa responsável pelo ato ou omissão lesiva, torna-se inviável o exercício do direito de ação por parte dos particulares e, consequentemente, a garantia de que a Administração atua em conformidade com o direito. O acórdão, ao definir o Ministério do Ambiente como a parte legítima para responder em juízo em determinadas matérias, contribui para assegurar que os atos administrativos praticados nestas áreas possam ser objeto de controlo judicial.
Finalmente, embora não seja o objeto imediato do acórdão, a correta determinação da legitimidade passiva é um passo fundamental para futuras ações de responsabilidade civil da Administração. Caso um ato administrativo em matéria de ambiente ou ordenamento do território cause danos a um particular, a identificação do ministério competente para responder em juízo, conforme estabelecido neste acórdão, facilitará a eventual responsabilização da Administração pelos prejuízos causados.
Conclusão
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de fevereiro de 2025 reveste-se de significativa importância para o Direito Administrativo, em particular no que concerne à definição da legitimidade passiva em ações que visam a impugnação de atos administrativos em áreas cruciais como o ambiente e o ordenamento do território. A decisão do STA, ao considerar o Ministério do Ambiente e da Ação Climática como parte legítima nestes litígios, reforça a ideia de que a responsabilidade processual recai sobre a entidade administrativa com a tutela dos interesses públicos em causa.
A análise deste acórdão permite uma conexão direta com os temas abordados na disciplina de Direito Administrativo, nomeadamente a evolução da posição dos particulares perante a Administração, a complexidade da estrutura administrativa e a distribuição de competências, bem como a fundamental garantia da sindicabilidade da atuação administrativa como corolário do princípio da juridicidade. Em última análise, a correta identificação da parte legítima passiva é um elemento essencial para a efetividade da tutela jurisdicional dos direitos e interesses dos particulares face à Administração Pública.
Bibliografia
- SÉRVULO CORREIA, José Manuel; Noções de Direito Administrativo - Volume I; 2ª Edição; Almedina; Coimbra; 2021
- FREITAS do AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo - Volume II; 4ª Edição; Almedina, Coimbra; 2018
Inês Fernandes, nº68157
Sub 12, Turma B