Comentário ao Acórdão do STA, Processo nº 0336/22.0BECBR – Beatriz Silvestre

30-04-2025

INTRODUÇÃO

Este Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo 0336/22.0BECBR, debruça-se sobre um recuso ordinário de revista para este mesmo tribunal da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte a 4 de outubro de 2024, que indeferiu pedido de reforma de anterior acórdão do mesmo TCA porquanto não sancionou a existência de alegada nulidade por omissão de pronúncia.

MATÉRIA DE FACTO

O recorrente refere que, como conlusões para interpor este recurso, sem prescindir do recurso já interposto do acórdão proferido a quo em 24.04.2024, onde efetivamente além da nulidade do mesmo são invocadas outras causas para que o mesmo seja revogado, como consta da motivação e das conclusões apresentadas, sendo que nos termos de tal recurso é peticionado que "deve o presente recurso ser julgado por provado e procedente e ser revogada a decisão proferida nos outros e aqui recorrida, com as demais consequências legais e revogada a decisão de 1ª instância e ordenada a admissão da ação interposta pelo Autor aqui recorrente e a mesma admitida pelo tribunal de 1ª instância, segundo-se os ulteriores termos até final, com vista à realização da justiça". Assim, refere ainda que existe manifesta contradição no acórdão aqui em crise pois que claramente no recurso do acórdão proferido em 24.04.2024 é invocada a falta de fundamentação como consta ademais das conclusões transcritas no acórdão aqui em crise.

O tribunal a quo afirma por um lado que a questão a decidir é a invocada nulidade do acórdão proferido em 24.04.2024 e contraditoriamente decide indeferir um hipotético pedido de nulidade por omissão da pronúncia, verificando-se assim que o acórdão proferido pela conferência e aqui em crise enferma de nulidade prevista no art. 125º CPPT. Para além disto, refere ainda que o tribunal a quo errou na aplicação do direito, pois que na verdade aplica de forma errada o direito em violação nomeadamente das normas plasmadas no art. 607º, no art. 613º e no art. 615º/1, alínea b), todos do CPC, e além do mais em violação do plasmado nomeadamente no art. 202º/2 e no art. 205º/1, ambos da CRP, o que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos e se requer seja real erro conhecido pelo STA e em consequência deverá ser revogado o acórdão aqui em crise e substituído por outro que aplicando corretamente o direito declare e conheça da nulidade invocada, com todas as legais consequências. Posto isto, e nestes termos, deve o presente recurso ser julgado por provado e procedente e ser revogada a decisão proferida nos autos e aqui recorrida, com as demais consequências legais, seguindo-se os ulteriores termos até final, com vista à realização da justiça.

De seguida, o Procurador-Geral Adjunto emitiu pronúncia no sentido da não admissão do recurso, com a seguinte fundamentação: a alegação do recorrente assenta num erróneo pressuposto - a de que o recurso de revista excecional[1] pretende ser uma reapreciação de uma decisão proferida em 2ª instância, ou seja, na essência, de uma 3ª instância; o recorrente não delimita com precisão as questões que pretende que sejam apreciadas, tecendo considerações sobre o acórdão recorrido que extravasa claramente o âmbito do presente recurso de revista excecional; em princípio, as decisões de 2ª instância proferidas pelos TCA não são suscetíveis de recurso para o STA, podendo em casos excecionais ser objeto de recurso de revista, mas apenas quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, cabendo ao recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista, o que este manifestamente não fez; não se encontram reunidos os requisitos previstos no art. 285º/1 CPPT para que o presente recurso seja admitido.

FUNDAMENTAÇÃO

O STA avalia se estão cumpridos os pressupostos de admissibilidade do recurso. Decorre expressa e inequivocamente do art. 285º/1 CPPT a excecionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos, mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo que:

1. O preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de um enquadramento normativo especialmente intuição ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídico, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina

2. Já a relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indicadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revel especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio

Constitui também jurisprudência pacífica do STA que, atento o caráter extraordinário da revista excecional, ou dito de outro modo porque este é de admissão incerta, o recurso excecional de revista não constitui meio próprio para o conhecimento de alegadas nulidades imputadas a acćrdãos dos Tribunais Centrais Administrativos, pois que a lei dispõe de meio próprio – a reclamação para a conferência (art. 615º/4 CPC) – para delas conhecer, como igualmente constitui jurisprudência reiterada e pacífica que as questões de inconstitucionalidade não são objeto específico do recurso excecional de revista, mercê da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional.

Assim, podemos dizer que o recorrente interpôs o presente recurso, como de revista excecional, sem curar minimamente de alegr e demonstrar a verificação in casa dos pressupostos de que, nos termos da lei, depende a admissão do recurso, a saber, que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (arts. 285º/1 CPPT e 150º/1 CPTA). Parece desconhecer o recorrente que o 3º grau de jurisdição foi abolido há décadas, daí que os acórdãos do TCA sejam, em princípio, definitivos, salvo casos excecionais. No caso dos autos, em que o objeto do recurso é um acórdão do TCA que indefere um pedido de reforma com fundamento em nulidade, para além de ser duvidoso que dessa decisão caiba recurso de revista, é manifesto que a respetiva admissão de modo algum se justifica, porquanto a questão de saber se há ou não nulidade da decisão nem é complexa, nem nova, nem foi decidida de forma ostensivamente errada. Posto isto, não se justifica a admissão de revista

CONCLUSÃO

Com esta fundamentação, é possível concluir que de acórdãos do TCA não cabe, em princípio, recurso para o STA, salvo nos casos excecionais e, que se justifica a admissão dos recursos de revista, cabendo ao recorrente alegar e demonstrar a verificação in casu dos pressupostos legais de que depende a admissão do recurso.

Para terminar, a minha posição é de concordância com o caórdão pois o STA reafirma de forma correta e sistematicamente coerente a natureza extraordinária do recurso de revista excecional prevista no art. 285º CPPT, não podendo este funcionar como uma 3ª instância disfarçada, sob pena de desvirtuar o modelo recursório do contencioso tributário e administrativo, reformado precisamente para garantir celeridade e estabilidade, demonstrando isso o respeito pela hierarquia dos meios processuais, sublinhando que as nulidades de acórdãos do TCA devem ser tratadas pela via da reclamação para a conferência e não pelo recurso de revista, protegendo a lógica do sistema de meios impugnatórios e evitando soluções processualmente erradas.

BIBLIOGRAFIA

D. FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 4ª ed., Coimbra, Almedina, 2018

[1] Recurso de revista: arts. 671º e ss. CPC; tem, em princípio, efeito meramente devolutivo, apenas tendo efeito suspensivo em questões sobre o estado de pessoas, nos termos do art. 676º/1 CPC; se o recurso for admitido com efeito suspensivo, pode o recorrido exigir prestação de caução, sendo aplicável o disposto no art. 649º CPC; se o efeito do recurso for meramente devolutivo, o recorrido pode requerer que se extraia traslado do acórdão recorrido (e porventura de outras peças pretendidas), isto é, que se obtenha uma reprodução judicial desse acórdão, designadamente para efeitos de poder avançar com a sua eventual execução (art. 676º/3 CPC)


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