Comentário ao Acórdão do STA n.º 0344/21.8BEVIS (Francisco Pinto)

03-12-2024

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Processo n.º 0344/21.8BEVIS.

1. Introdução

O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo (STA) no dia 23 de outubro de 2024 aborda a legalidade e constitucionalidade da Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), instituída pela Lei n.º 83-C/2013. Este tributo, com caráter originalmente extraordinário, tem sido prorrogado anualmente desde a sua criação, visando a sustentabilidade sistêmica do setor energético. A decisão em análise reflete o confronto entre a recorrente, uma empresa de gás natural, e a Autoridade Tributária e Aduaneira, em torno da legalidade do tributo no exercício de 2018.

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2. Apresentação dos Factos

A empresa recorrente, dedicada ao aprovisionamento e distribuição de gás natural, questionou a autoliquidação do tributo referente ao ano de 2018, no montante de €496.811,41. Argumentou a inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea d) do regime da CESE, alegando quebra de nexo causal entre o tributo e a finalidade, além da violação dos princípios da proporcionalidade, igualdade tributária e especificação orçamental. Após decisão desfavorável na 1.ª instância, recorreu ao STA para obter anulação do ato tributário.

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3. Matéria de Direito e Divergências

O STA analisou os argumentos apresentados pela recorrente, centrados em três eixos principais:

1. Quebra do nexo causal: A recorrente baseou-se em autores como Sérvulo Correia, Rui Medeiros, Filipa Urbano Calvão e António Cadilha, que sustentam que a destinação da CESE à redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN) após 2018 rompe o vínculo necessário entre o tributo e os sujeitos passivos do setor de gás natural, tornando a cobrança inconstitucional.

2. Princípio da proporcionalidade: Segundo os mesmos autores, a CESE perdeu sua necessidade, dada a redução significativa da dívida tarifária, configurando um encargo desproporcional às empresas não relacionadas ao SEN. Por outro lado, o Tribunal e a Autoridade Tributária entendem que a prorrogação do tributo ainda se justifica pela sua finalidade original de sustentabilidade sistêmica.

3. Princípio da especificação orçamental: Autores como Maria d'Oliveira Martins e Casalta Nabais criticam a ausência de especificação detalhada das receitas da CESE nas leis orçamentais, caracterizando-a como uma violação dos princípios da transparência e legalidade tributária. Contudo, o STA considerou que a prática legislativa corrente assegura o cumprimento suficiente do princípio da especificação.

Apesar das divergências doutrinárias, o Tribunal decidiu que o regime jurídico da CESE permanece válido, destacando que a sua aplicação geral sobre os operadores do setor energético é compatível com os objetivos legais.

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4. Conclusão

O STA decidiu pela improcedência do recurso, validando a cobrança da CESE no exercício de 2018. Apesar de as questões constitucionais apresentarem relevância jurídica, o Tribunal entendeu que o regime preserva a finalidade para a qual foi instituído, com incidência sobre todos os setores energéticos. O caso ilustra a complexidade das disputas tributárias envolvendo a sustentabilidade financeira do setor energético e a relação entre contribuições específicas e seus sujeitos passivos.


Francisco Pinto

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