Comentário ao Acórdão do STA de 31/01/2019 - Inês Valeriano

18-11-2024

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 31/01/2019, processo nº 01132/15.6BALSB


O presente acórdão realiza um juízo acerca da atividade do Conselho Superior do Ministério Público no âmbito da classificação dos magistrados. A problemática assenta, essencialmente, na ligação entre os atos de poder discricionário da administração e a (in)admissibilidade do seu controlo, versando sobre as situações e condições em que esse controlo seria admitido.

Ora, sendo verdade que a atividade administrativa se rege pelo princípio da legalidade (art. 3º CPA) – sendo este o fundamento necessário e o limite da sua ação –, ou seja, no exercício das suas funções, a Administração Pública está sujeita à lei e ao Direito, tendo por base uma "norma de competência"; também é verdade que ao Direito Administrativo "não cabe definir, em todos os casos, de forma taxativa e definitiva, o conteúdo das ações administrativas"[1] – parece ser esta a realidade da matéria do acórdão, na área de classificação dos magistrados "o CSMP não atua num espaço caracterizado pela vinculação, antes goza de amplos poderes discricionários"[2]. Assim sendo, compreende-se que, em muitas situações, a lei "abre o caso" à possibilidade de a Administração fazer escolhas assentes nos seus juízos de apreciação e valoração, no sentido de, com base nos vários elementos e princípios relevantes a atender no caso concreto, definir a melhor solução para o sentido da sua intervenção no processo de concretização do interesse público: estamos no âmbito da discricionariedade administrativa.

No exercício deste poder, ainda que se enquadre na área de "autonomia pública da Administração", a Administração está subordinada a uma séria de princípios, critérios e padrões jurídicos, que vão além do âmbito da norma de competência. Contudo, cabe salientar, que não está em causa um dever jurídico de cumprir standards ou regras não jurídicas[3], justamente porque, se assim fosse, a atividade administrativa não poderia ser controlada pelos tribunais. Neste sentido, e brevemente, podemos identificar como primeiro e principal limite, o facto de a decisão dever ser tomada com respeito pelos limites previstos na norma de competência – a Administração pode agir discricionariamente no âmbito da autorização, como se entende do texto referido art. 3º do CPA. Além dos limites inerentes à autorização, este poder tem de ser exercido com base num conhecimento integral, exato e concreto dos elementos pertinentes, segundo o princípio inquisitório (art. 58º CPA). Assim, o agente administrativo deve, por meio dos procedimentos que tem à disposição, apurar os factos necessários (implica considerar dos factos pertinentes) e adequados (implica descartar dos factos não pertinentes), como se retira do art. 115º do CPA. Nestes termos, a atividade está sujeita a princípios de imparcialidade e proporcionalidade – "a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos", art. 7º do CPA.

Por sua vez, como quaisquer outras, também as decisões administrativas, no âmbito do exercício de poderes discricionários, estão sujeitas ao controlo judicial. A liberdade de decisão, própria de um poder discricionário, não é absoluta – deve-se "garantir a observância e o respeito pelos limites do poder discricionário"[4].

A este propósito – controlo judicial da discricionariedade – surge uma rica, complexa e antiga discussão que se divide em dois polos. Se, por um lado, existem autores que defendem a posição de que o Tribunal não controla a discricionariedade, o que representaria uma espécie de carta branca conferida à Administração, com fundamentos na ideia de que a intervenção judicial deve ser mínima, garantindo-se, assim, a separação de poderes e de que só a Administração, com base nas suas especificações, teria capacidade para executar uma correta ponderação dos critérios e valores inerentes ao caso. Pelo contrário, existem autores que sustentam exatamente o contrário: um controlo judicial total, neste sentido têm sido apresentados fundamentos que seguem a ideia da essencialidade do controlo judicial como forma de garantia da proteção dos direitos e interesses legalmente protegidos da sociedade e de assegurar que a discricionariedade administrativa não é exercida arbitrariamente.

Após analisar a decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), é possível compreender que o Tribunal situa o controlo judicial da discricionariedade administrativa num ponto intermédio entre as duas posições acima referidas – nem tudo, nem nada – acabando por afirmar que, ainda que seja "difícil delimitar esse controlo… essa dificuldade não deve resultar nem em excessiva auto-contenção judicial nem em excessivo ativismo judicial"[5]. A interpretação do STA parece-me ser a posição mais ajustada, fazendo apelo a uma interpretação equilibrada do princípio da separação de poderes (art. 2º CRP) no âmbito das relações entre Administração Pública e tribunais, que não pode significar a aceitação da ideia de discricionariedade administrativa enquanto um espaço não jurídico, alheio a qualquer controlo; ou um controlo excessivo que poderia mesmo resultar na eliminação da discricionariedade administrativa.

Em suma, e com base no exposto, parece-me que o mais correto será admitir que, ainda que os tribunais tenham competência para verificar a concordância dos atos administrativos com os vetores fundamentais do nosso ordenamento, a sua atividade não se pode sobrepor ao mérito da decisão administrativa – o controlo deverá respeitar o momento da escolha discricionária.



[1] Pedro Costa Gonçalves, Manual de Direito Administrativo, pp. 234

[2] Transcrição do texto do acórdão do STA em análise, I parte

[3] Como é exemplo o dever de boa administração (art. 5º CPA), princípio que, de forma breve, determina que a Administração atue de forma eficiente, económica e célebre na prossecução do interesse público.

[4] Diogo Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. II, pp 151

[5] Transcrição do texto do acórdão do STA em análise, III parte


Inês Valeriano, nº69631, 2º ano, turma B, subturma 12

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