Comentário ao Acórdão do STA de 27-02-2008; Processo n.º 0269/02 - Bárbara Peres
§1.º - Introdução
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), proferido em 27 de fevereiro de 2008 no Processo n.º 0269/02, aborda a legalidade da prorrogação do contrato de concessão para exploração de jogos de fortuna ou azar na zona do Estoril, efetuada pelo Decreto-Lei n.º 275/2001, de 17 de outubro. O conceito de interesse público referido no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, que admite a possibilidade de prorrogação dos prazos de concessão dos contratos de exploração de jogos de fortuna ou azar, afigura-se como um conceito jurídico indeterminado. Nesta medida, a Administração dispõe de uma margem de apreciação quanto à identificação dos elementos relevantes para a sua concretização. No entanto, o exercício dessa discricionariedade está subordinado à observância dos princípios estruturantes da atividade administrativa, nomeadamente os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade e da prossecução do interesse público.
O caso centra-se na decisão do Governo de prorrogar, sem concurso público, o contrato de concessão para exploração de jogos de fortuna ou azar na zona do Estoril. A recorrente impugnou judicialmente esta decisão, alegando que a prorrogação violava princípios fundamentais do Direito Administrativo, nomeadamente os princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade e tutela da confiança.
§2.º - Enunciação da matéria de facto
A prorrogação da concessão foi realizada com base no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de dezembro, que permite a prorrogação dos prazos de concessão dos contratos de exploração de jogos de fortuna ou azar, considerado o interesse público. A recorrente argumentou que tal prorrogação, sem concurso público, violava os princípios acima mencionados.
§3.º - Questão jurídica central
A questão jurídica fundamental reside em determinar se a prorrogação da concessão, efetuada sem concurso público e com base no interesse público, é compatível (ou não) com os princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade e tutela da confiança.
§4.º - O princípio da legalidade e o interesse público
O STA reconheceu que a noção de interesse público, tal como prevista na legislação aplicável (artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 422/89), configura um conceito jurídico indeterminado, atribuindo à Administração uma margem de liberdade para definir os fatores a considerar e o modo como devem ser avaliados no processo decisório. Essa discricionariedade, no entanto, está sujeita a controle jurisdicional quando se verificarem vícios evidentes, como erro manifesto ou adoção de critérios desproporcionais ou juridicamente inaceitáveis. No caso concreto, o Tribunal entendeu que a decisão administrativa de prorrogar o contrato estava devidamente justificada, por se orientar para a obtenção de receitas relevantes destinadas ao financiamento de projetos na área do turismo, o que consubstancia uma finalidade legítima e alinhada com o interesse público.
§5.º - Discricionariedade administrativa e controlo jurisdicional
O Tribunal reafirmou que os tribunais não podem substituir-se às entidades públicas na formulação de valorações que envolvam juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua atuação, inserindo-se estas no âmbito da discricionariedade administrativa. A sindicância judicial deve limitar-se à análise do cumprimento das normas e dos princípios jurídicos que vinculam a Administração, verificando se a decisão assentou em erro patente ou critério inadequado.
§6.º - Princípios da igualdade, proporcionalidade e tutela da confiança
O Tribunal entendeu que a prorrogação do contrato de concessão não configurava violação ao princípio da igualdade, uma vez que a possibilidade de prorrogação estava expressamente prevista na legislação vigente. Ressalvou-se, ainda, que o legislador dispõe de ampla margem de conformação normativa para estabelecer soluções específicas em função do interesse público, desde que não resulte tratamento discriminatório injustificado entre situações juridicamente equivalentes.
No que se refere ao princípio da proporcionalidade, o Tribunal considerou que a medida adotada não excedia os limites da atuação administrativa, especialmente diante da reduzida margem de sindicância judicial quanto a opções de mérito administrativo. Relevou-se, igualmente, que a exploração de jogos se encontrava associada à execução de uma política pública de fomento turístico, sendo legítimo o objetivo de garantir receitas destinadas ao financiamento de investimentos nessa área.
Relativamente ao princípio da tutela da confiança, o Tribunal concluiu que não houve qualquer violação, uma vez que não se verificou, por parte da Administração, qualquer conduta objetiva que pudesse ter gerado, na concessionária, a expectativa legítima de que seria realizado um novo procedimento concursal. A ausência de comportamentos que sustentassem essa confiança inviabiliza a invocação válida desse princípio no caso concreto.
§7.º - Fundamentação e desvio de poder
O acórdão sublinhou que a fundamentação dos atos administrativos deve ser expressa, expondo de forma clara, coerente e completa os fundamentos de facto e de direito que determinaram a sua prática. No caso em apreço, o STA entendeu que a decisão do Governo estava devidamente fundamentada e não consubstanciava um desvio de poder, pois visava o interesse público do desenvolvimento da política do turismo.
§8.º - Conclusão
O Supremo Tribunal Administrativo julgou legal a prorrogação da concessão, considerando que a decisão do Governo respeitou os princípios fundamentais do Direito Administrativo e que a Administração atuou dentro da margem de discricionariedade que lhe é conferida pela lei.
§9.º - Bibliografia
FREITAS DO AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2012.
REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 2.ª ed., Dom Quixote.
CORREIA, Sérvulo, Noções de Direito Administrativo.
CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27-02-2008, Processo n.º 0269/02.