COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO STA DE 26/10/23 - Francisco Pinto

24-04-2025
COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE 26 DE OUTUBRO DE 2023 (PROC. 01015/23.0BALSB)

I. Enquadramento Factual e Jurídico

O acórdão em análise aborda a questão da fiscalização concreta da constitucionalidade, no contexto de uma decisão administrativa que aplicou uma norma legal cuja constitucionalidade foi questionada pela parte recorrente. O Supremo Tribunal Administrativo (STA) teve de apreciar se a norma em causa deveria ser desaplicada por inconstitucionalidade, nos termos do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). 

II. A Fiscalização Concreta da Constitucionalidade no Ordenamento Português

O sistema português de fiscalização da constitucionalidade é caracterizado por um modelo misto, combinando elementos de fiscalização difusa e concentrada. No âmbito da fiscalização concreta, prevista no artigo 204.º da CRP, os tribunais têm o dever de não aplicar normas que considerem inconstitucionais no caso concreto. Esta competência é exercida por todos os tribunais, sendo posteriormente possível o recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 280.º da CRP e do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). 

O STA, ao apreciar a questão de constitucionalidade suscitada, reafirmou a natureza normativa da fiscalização concreta, salientando que o objeto do controlo deve ser uma norma jurídica e não a decisão judicial em si. Esta posição está em consonância com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem reiteradamente afirmado que o recurso de fiscalização concreta visa o controlo da conformidade constitucional de normas jurídicas aplicadas ou desaplicadas pelas decisões judiciais, e não a apreciação da constitucionalidade de interpretações ou aplicações concretas dessas normas. 

III. Posições Doutrinárias sobre a Fiscalização Concreta

Vasco Pereira da Silva, na sua análise sobre o sistema português de fiscalização da constitucionalidade, destaca a originalidade do modelo adotado, que representa um compromisso entre os modelos difuso e concentrado. Segundo o autor, este sistema permite uma articulação entre os tribunais comuns e o Tribunal Constitucional, assegurando uma proteção eficaz dos direitos fundamentais e a supremacia da Constituição. 

No que respeita à fiscalização concreta, Pereira da Silva sublinha a importância de uma delimitação precisa do objeto do controlo, enfatizando que deve incidir sobre normas jurídicas e não sobre decisões judiciais ou interpretações dessas normas. Esta abordagem visa garantir a segurança jurídica e a coerência do sistema de justiça constitucional, evitando a transformação do Tribunal Constitucional numa instância de recurso sobre decisões judiciais em geral. 

IV. Análise Crítica

O acórdão do STA reflete uma aplicação rigorosa dos princípios que regem a fiscalização concreta da constitucionalidade no ordenamento jurídico português. Ao reafirmar a natureza normativa do controlo de constitucionalidade e a necessidade de uma identificação precisa da norma questionada, o tribunal contribui para a clarificação dos limites e do alcance deste mecanismo. 

Contudo, esta abordagem pode levantar questões quanto à efetividade da proteção dos direitos fundamentais, especialmente em casos em que a inconstitucionalidade resulta de uma interpretação judicial específica de uma norma. A jurisprudência tem reconhecido, em algumas situações, a possibilidade de controlo de constitucionalidade de interpretações normativas, desde que estas sejam suficientemente densas e generalizáveis. Assim, a linha entre o controlo de normas e o controlo de interpretações pode, por vezes, ser ténue, exigindo uma análise cuidadosa caso a caso. 

V. Conclusão

O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de outubro de 2023 oferece uma visão clara e fundamentada sobre os contornos da fiscalização concreta da constitucionalidade no sistema jurídico português. Ao enfatizar a natureza normativa do controlo e a necessidade de uma delimitação precisa do objeto do recurso, o tribunal contribui para a estabilidade e previsibilidade do sistema de justiça constitucional. A posição de Vasco Pereira da Silva reforça esta perspetiva, destacando a originalidade e a coerência do modelo português, que procura equilibrar a proteção dos direitos fundamentais com a segurança jurídica e a eficácia do sistema judicial. 
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