Comentário ao Acórdão do STA de 14/04/2021 - Teresinha Frutuoso

23-05-2025

Comentário ao Acórdão do STA de 14 de abril de 2021

Este acórdão retrata o exercício do poder discricionário da Administração Público e o uso de conceitos jurídicos indeterminados no contexto da autorização administrativa, nomeadamente a interpretação do conceito indeterminado "interesse público" e os limites da discricionariedade administrativa.

O acórdão decorre de uma ação administrativa especial intentada por uma associação ambientalista contra uma autarquia local, visando a anulação de um ato administrativo que autoriza a realização de um evento cultural num espaço público classificado como área protegida. Alegava-se que a autorização, emitida com base no Regulamento Municipal de Uso de Espaços Público, violava normas de proteção ambiental e carecia de fundamentação adequada quanto à ponderação do "interesse público" invocado pela autarquia. Sustentava ainda que o ato excedia os limites do poder discricionário, ao interpretar de forma arbitrária o conceito indeterminado "interesse público relevante" previsto no regulamento.

Na primeira instância, o Tribunal Administrativo Fiscal de Lisboa julgou a ação improcedente, considerando que a autarquia atuara dentro da sua margem de discricionariedade e que o ato era suficientemente fundamentado, nos termos do art.º 152 CPA. A autora recorreu para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que confirmou a decisão, mas com fundamentação distinta, centrada na presunção de legalidade do ato administrativo. Insatisfeita, a autora interpôs recurso de revista para o STA, invocando erro na interpretação dos art.º 152, 103, 104 e 149 do CPA, bem como do art.º 266/2 CRP que aborda o princípio da boa administração. Alegava, em particular, que o conceito de "interesse público" fora aplicado de forma desrazoável, sem respeito pelos princípios da proporcionalidade (art.º 7 CPA) e proteção ambiental.

O STA enfrentou duas principais questões:

- Limites do poder discricionário na aplicação de conceitos indeterminados: o tribunal analisou se a autarquia, ao autorizar o evento com base no conceito de "interesse público relevante", respeitou os limites da discricionariedade administrativa dos art.º 103 e 104 do CPA, e os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

- Dever de fundamentação: foi necessário determinar se o ato administrativo cumpria o art.º 152 CPA, que exige fundamentação expressa, suficiente e congruente, especialmente quando envolve conceitos indeterminados e impactos nos direitos fundamentais, como o direito ao ambiente (art.º 66 CRP).

O STA iniciou a sua análise pelo enquadramento do poder discricionário, previsto no art.º 152 CPA, que define discricionariedade como liberdade de decisão dentro dos limites legais, sujeita aos princípios gerais da atividade administrativa (art.º 10 CPA). O tribunal destacou que o conceito indeterminado "interesse público relevante", previsto no regulamento municipal, confere à Administração uma margem de apreciação para avaliar as circunstâncias concretas, mas não uma liberdade ilimitada. Nos termos do art.º 152 CPA, a discricionariedade é vinculada pelos fins da norma e pelos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e igualdade. Apoiado na visão defendida pelo prof.

Freitas do Amaral, o STA esclareceu que os conceitos jurídicos indeterminados, como "interesse público, exigem uma interpretação teleológica, ou seja, no caso concreto seria o Regime Jurídico da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (DL nº 142/2008 de 24 de julho) e o art.º 66 CRP. O tribunal verificou que a autarquia fundamentara a autorização no impacto cultural do evento (promoção do património local) e em medidas mitigadoras de danos ambientais (controlo de ruído e resíduos). Contudo, o STA considerou que a ponderação do "interesse público" não integrou suficientemente os valores ambientais protegidos, nomeadamente a preservação da fauna local, afetada pelo evento.

O STA conclui que a autarquia excedeu os limites da discricionariedade, já que a interpretação do conceito "interesse público relevante" foi desrazoável à luz do princípio da proporcionalidade (art.º 10 CPA). O tribunal invocou jurisprudência consolidada (Acórdão do STA de 12/03/2015), sublinhando que a Administração deve demonstrar que a sua escolha é adequada, necessária e equilibrada face aos interesses em conflito.

No que toca à fundamentação, o STA analisou o art.º 152 CPA, que impõe que os atos administrativos sejam expressamente fundamentados, indicando os factos, as normas aplicáveis e a relação lógica entre ambos. Como defende Mário Aroso de Almeida, a fundamentação é especialmente exigente em atos discricionários que envolvam conceitos indeterminados ou restrições a direitos fundamentais.

No caso, o ato administrativo mencionava genericamente o "interesse público" e os benefícios culturais do evento, mas não explicava como estes prevaleciam sobre os impactos ambientais, nem referia estudos técnicos que sustentassem a decisão. O STA considerou que a fundamentação não era suficiente. Nos termos do art.º 161 e ss. o tribunal declarou a nulidade do ato por falta de fundamentação adequada, sem prejuízo de a Administração poder emitir novo ato com correção do vício.

Concluo que ao exigir que a Administração demonstre a adequação da necessidade da sua decisão, o STA reforça o controlo judicial sobre atos que afetam direitos fundamentais, como o direito do ambiente. No entanto, a decisão pode ser criticada por não explorar suficientemente a margem de apreciação da autarquia em matéria da promoção cultural. Como sugere Viera de Andrade, o controlo judicial deve respeitar a primazia da Administração na definição do interesse público, salvo em casos de erro manifesto ou desvio de poder. No presente caso, a ausência de estudos ambientais claros poderia justificar a intervenção do tribunal, mas a declaração de nulidade por fundamentação insuficiente poderia ser vista como excessiva, já que o vício poderia ser sanado sem a anulação total do ato.

No entanto, a declaração de nulidade por fundamentação insuficiente sublinha a importância da transparência na atuação administrativa, análise do dever de fundamentação é tecnicamente rigorosa, destacando a importância do art.º 152 do CPA, como garantia de transparência e controlo.

FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I e II

MÁRIO AROSO ALMEIDA, Princípio da Fundamentação dos Atos Administrativos

VIEIRA DE ANDRADE, O Dever de Ponderação no Direito Administrativo

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