Comentário ao Acórdão do STA de 13/03/2024- Armanda Andrade
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado a 13 de março de 2025, processo n.º 02077/24.4BELSB , relatado por Helena Mesquita Ribeiro.
O presente acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) trata da utilização do meio processual da Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, previsto no artigo 109.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no contexto de uma situação de alegada inércia administrativa relativa à tramitação de pedidos de autorização de residência para atividade de investimento e reagrupamento familiar.
O recurso foi interposto pelos recorrentes AA, BB e CC contra o Ministério da Administração Interna (MAI) e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I.P. (AIMA), sucedânea do SEF no âmbito destas competências.
A inércia administrativa ocorre quando a Administração Pública, tendo o dever de agir, se abstém de praticar um ato administrativo ou de tomar uma decisão no prazo legalmente estabelecido. Esta omissão pode levar à lesão dos direitos do cidadãos e portanto está previsto nonosso ordenamento tanto no Código do Procedimento Administrativo (CPA), que admite mecanismos para lidar com o incumprimento do dever de decidir, permitindo reagir contra a omissão ilegal de atos administrativos, como na Constituição da República Portuguesa (CRP), que assegura o direito à tutela jurisdicional efetiva, permitindo aos cidadãos exigir judicialmente a prática de atos administrativos devidos.
No caso concreto analisado pelo STA, os recorrentes denunciavam a inércia da Administração (MAI/SEF mais tarde AIMA), alegando que não lhes tinha sido sequer marcada a recolha de dados biométricos, o que impedia o avanço dos processos.
No entanto, o que aqui se pretende analisar não era saber se havia ou não inércia administrativa, mas sim se o meio processual escolhido era o meio adequado para reagir a essa omissão, analisando a verificação dos requisitos de admissibilidade da intimação previstos no artigo 109.º do CPTA, e não na existência da omissão administrativa em si.
O CPTA prevê diferentes tipos de intimação como meios céleres de tutela judicial contra omissões da Administração. Entre eles, destaca-se a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, prevista no artigo 109.º, que é o centro da controvérsia no presente processo. Esta tem uma natureza especial: é reservada para situações de urgência máxima, onde a prática do ato ou a decisão da Administração seja absolutamente indispensável para evitar a lesão grave e imediata de um direito fundamental.
Por isso, para que este meio seja admitido exige-se o preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais: indispensabilidade da tutela judicial urgente para assegurar o exercício do direito em tempo útil; urgência concreta e grave que impeça o recurso eficaz aos meios ordinários; e subsidiariedade, no sentido de que a providência cautelar seria insuficiente para a tutela pretendida.
Na análise do STA, foi analisado que estes pressupostos não estavam preenchidos. Os recorrentes, embora tenham alegado demora e frustração nos seus processos de residência, não apresentaram factos concretos que demonstrassem que essa demora os colocava numa situação de vulnerabilidade extrema. Não estavam, por exemplo, impedidos de entrar em Portugal, não estavam separados da sua família, nem estavam privados de cuidados médicos ou outros serviços básicos no seu país de residência.
Assim, no entender do STA, a situação não atingia o nível de gravidade necessário para justificar o uso da intimação urgente para tutela de direitos fundamentais, pois não basta alegar um qualquer atraso ou frustração no andamento do processo administrativo para se admitir a intimação prevista no artigo 109.º do CPTA
O STA confirma então o que tinha sido assinalado ao longo do processo: uma interpretação estrita dos requisitos do art. 109.º do CPTA, tal como tinha sido definido no início do processo, com o indeferimento liminar do pedido de intimação pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que entendeu que não estavam preenchidos os pressupostos legais para a utilização deste meio processual. Esta decisão foi depois também confirmada pelo Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul.
Em suma, o STA deixou claro que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não pode ser vista como uma solução automática para qualquer situação de inércia administrativa. Trata-se de um meio excecional, pensado para proteger direitos fundamentais em risco grave e imediato, e não para suprir atrasos administrativos, por mais frustrantes que sejam. No caso concreto, apesar da demora da Administração em decidir sobre os pedidos de autorização de residência, não se demonstrou que os recorrentes estivessem numa situação de verdadeira urgência ou de vulnerabilidade extrema que justificasse o uso deste instrumento. Ao confirmar as decisões das instâncias anteriores, o STA reforçou a ideia de que é preciso respeitar os limites e as finalidades dos diferentes meios processuais previstos no CPTA, garantindo que a intimação urgente continue reservada para aquilo a que verdadeiramente se destina: proteger, de forma imediata e eficaz, direitos que correm sério risco de serem lesados.
BIBLIOGRAFIA
Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo», volume II
Armanda Andrade, n.º69889