Comentário ao Acórdão do STA de 10/04/2025; (Proc. 01700/11.5BEPRT) - Diana Magno da Costa

24-04-2025

1. Introdução:

O acórdão em apreço versa sobre a legitimidade constitucional e legal da pena expulsiva aplicada pela Ordem dos Advogados, colocando em tensão diversos princípios do Direito Administrativo sancionatório e da justiça disciplinar no âmbito das ordens profissionais. A decisão do Supremo Tribunal Administrativo reafirma a compatibilidade dessa sanção com o ordenamento jurídico, abordando densamente os princípios estruturantes da Administração Pública sancionatória.

2. Responsabilidade da Administração Pública no exercício do poder disciplinar:

Embora o acórdão se inscreva no domínio disciplinar, importa notar que as ordens profissionais exercem funções de autoridade pública delegadas pelo Estado, pelo que os seus atos, mesmo sancionatórios, devem submeter-se a controlo jurisdicional dos tribunais administrativos (arts. 12.º, n.º 4, e 24.º, n.º 2 do ETAF). O poder disciplinar é uma manifestação da função administrativa sancionatória, distinguindo-se da responsabilidade civil clássica, mas permanecendo juridicamente enquadrado nos princípios da Administração Pública: legalidade (art. 3º do CPA), tipicidade e proporcionalidade (art. 7º do CPA).

A aplicação da pena de expulsão revela como a Administração Pública (ou, no caso, uma entidade de direito público de natureza associativa) atua enquanto órgão de autoridade e não apenas como gestora. Tal aproximação supera a clássica distinção entre atos de gestão pública e privada, como salienta a doutrina do professor Vasco Pereira da Silva, ao afirmar que "o conteúdo imperativo da atividade disciplinar pública atrai o regime de Direito Administrativo, ainda que exercida por pessoas coletivas de base associativa".

3. Garantias dos particulares no processo disciplinar:

O acórdão reconhece que, não obstante a Ordem dos Advogados exercer poder disciplinar autónomo, a sua atividade está sujeita à tutela dos tribunais administrativos, o que concretiza o direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º da CRP). A separação de poderes, evocada pelo recorrente, é aqui bem delimitada: a jurisdição administrativa constitui o garante da legalidade dos atos sancionatórios.

Embora se trate de sanção disciplinar, o princípio da imparcialidade é extensível ao procedimento. O acórdão rejeita a aplicação automática do art. 32.º, n.º 5 da CRP, invocando que não há identidade total entre processo penal e disciplinar. Contudo, é criticável a interpretação do STA, pois a acumulação de funções instrutórias e decisórias no mesmo órgão pode ferir, ainda que indiretamente, o princípio da imparcialidade objetiva.

Como observa o professor regente, "a imparcialidade administrativa, enquanto emanação do princípio da boa administração, impõe a dissociação mínima entre quem instrui e quem decide, particularmente nos casos em que estão em causa sanções graves, como a expulsão profissional".

O acórdão remete a impugnação diretamente aos tribunais administrativos, dispensando recurso hierárquico, o que se coaduna com a estrutura organizativa da Ordem dos Advogados e a exigência de tutela efetiva. Tal compatibiliza-se com o entendimento de que, em matéria sancionatória grave, a via jurisdicional deve assumir natureza primária e não subsidiária.

4. Crítica à configuração da tipicidade disciplinar:

O acórdão defende que o art. 104.º, n.º 6 do EOA84, na redação da Lei 80/2001, contém "caracterização minimamente precisa". Contudo, esta "mínima precisão" é, na verdade, o mínimo constitucionalmente admissível. O Direito Administrativo sancionatório não pode importar o princípio da tipicidade penal com idêntico rigor, mas deve observar uma exigência de previsibilidade e clareza, especialmente quando estão em causa penas de natureza praticamente definitiva. Neste sentido, quanto mais intensa for a sanção, maior deve ser a exigência de densidade normativa na previsão da infração.

5. Considerações Finais:

O acórdão representa uma leitura equilibrada entre a autonomia das ordens profissionais e os direitos fundamentais dos seus membros. Contudo, revela pontos criticáveis, sobretudo na leveza com que afasta a exigência de imparcialidade instrutória e na indulgência com que aceita a densidade normativa da norma disciplinar. A jurisprudência deveria assumir uma postura mais exigente no controlo da legalidade substantiva de penas com impacto tão profundo na vida profissional dos cidadãos.

6. Bibliografia:

Pereira da Silva, Vasco, Revisitando a Questão do Pretenso "Caso Decidido" no Direito Constitucional e no Direito Administrativo Português», in «Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, volume III (Direito Constitucional e Justiça Constitucional), Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2012, páginas 797 e seguintes.

Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo, volume II, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2018.

Trabalho realizado por Diana Magno da Costa (TB, Subturma 12).

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