Comentário ao Acórdão do STA de 09/01/25 - Teresinha Frutuoso

23-05-2025

Os juízes da Secção de contencioso Administrativo do ST decidiram por unanimidade, que a AR deveria deixar de utilizar publicamente a designação "Comissão Parlamentar de Inquérito- Gémeas tratadas com o medicamente Zolgensma". O tribunal considerou que o uso dessa denominação violava os direitos fundamentais ao bom nome, à reserva da vida privada e à autodeterminação pessoal das recorrentes representadas pela mãe.

A comissão Parlamentar de Inquérito foi criada com o objetivo de investigar a administração do medicamente Zolgensma às gémeas, que são menores de idade. No entanto, o Tribunal entendeu que a utilização da designação mencionada expunha indevidamente as crianças, afetando a sua privacidade e dignidade. Além disso, a publicidade associada à comissão poderia prejudicar o direito das menores ao bom nome.

Esta decisão reforça a necessidade de equilíbrio entre as funções de fiscalização do parlamento e a proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, especialmente quando se trata de menores. A AR estava a violar o princípio da juridicidade, ao afetar direitos fundamentais sem base legal bastante.

Como indica o prof. Freitas do Amaral, "o princípio da prevalência dos direitos fundamentais sobre os atos da Administração não significa a paralisia desta, mas exige que o exercício do poder administrativo se contenha dentro dos limites dos direitos dos cidadãos.

Este acórdão ilustra a aplicação dos direitos fundamentais no âmbito administrativo, destacando a obrigação das entidades públicas em respeitar e proteger a privacidade e a dignidade dos cidadãos. Além disso, enfatiza a responsabilidade do Estado em assegurar que suas ações não violam direitos constitucionais, mesmo quando relacionadas a investigações de interesse público.

Estava em causa o princípio da juridicidade da Administração Pública, nos termos do art.º 266/2 CRP, a Administração Pública está vinculada "ao princípio da legalidade, prosseguindo o interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos". Como refere Marcello Caetano, "a Administração Pública só pode agir dentro dos limites da lei e para prosseguir finalidades públicas compatíveis com os direitos dos particulares.

O acórdão baseia-se implicitamente na aplicação do princípio da proporcionalidade, desdobrado em adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. O princípio da proporcionalidade obriga à otimização dos direitos fundamentais e à ponderação cuidadosa entre o interesse público e os direitos subjetivos afetados. O STA conclui que o objetivo da comissão não exigira, para ser eficaz, que o título fizesse referência às gémeas, tornando a designação desnecessária e desproporcional.

Este acórdão também toca de forma implícita, em temas discutidos na doutrina, os atos de natureza comunicacional ou simbólica da Administração. Freitas do Amaral tem discutido a noção de atos administrativos atípicos e comportamentos administrativos suscetíveis de controlo, que é o que está em causa: um ato comunicacional com efeitos jurídicos relevantes.

Este acórdão demonstra-se relevante ao tocar em pontos como a vinculação da Administração (mesmo a parlamentar) ao direito administrativo e constitucional; a possibilidade de controlo jurisdicional de atos informais; a proteção dos direitos fundamentais contra atuações administrativas; a aplicação concreta dos princípios da legalidade, proporcionalidade, tutela jurisdicional e a prossecução do interesse público.

O princípio da prossecução do interesse público é um dos pilares do Direito Administrativo, consagrado no art.º 266/1 CRP e no art.º 3 CPA. Este princípio implica que a atuação da Administração deve estar orientada para fins públicos legítimos, não podendo ser utilizada para satisfazer interesses particulares, ou seja, a prossecução do interesse público não autoriza a violação de direitos fundamentais.

O caso coloca-nos diante uma tensão entre o interesse público, na transparência e fiscalização da Administração Pública e de outro a proteção dos direitos individuais, neste caso das crianças. O tribunal entendeu que o interesse público não justificava o sacrifício desnecessário e desproporcional desses direitos. O interesse público não é um conceito absoluto, é um conceito juridicamente condicionado, que deve ser densificado à luz da constituição e do sistema de valores e direitos que ela consagra. O interesse público deve ser contextualizado no caso concreto, ponderado com outros interesses constitucionalmente protegidos, e materializado dentro dos limites jurídicos e constitucionais.

CAETANO, MARCELLO, Manual de Direito Administrativo, Vol. I, 10º ed.

FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I e II

CANOTILHO E MOREIRA, Constituição da república Portuguesa Anotada, vol. I 4º ed. 

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