Comentário ao Acórdão do STA 14/02/2019 - Miguel Cordeiro
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14-02-2019, Processo nº 0219/10
Sumário:
No caso em apreço, R. recorre ao Supremo Tribunal da Administrativo, para averiguar se foi ultrapassado o alcance de discricionariedade da Administração Pública. Este ato administrativo consistiu no indeferimento de concessão de nacionalidade portuguesa ao autor, que tem nacionalidade portuguesa por naturalização desde a menoridade (por ser descendente de pai português).
Este ato foi sustentado pelo Ministério da Justiça, após interpretar o art.6/6 da Lei da Nacionalidade, considerando que a expressão "descendentes de portugueses" devia ser entendido como "descendentes de portugueses de origem".
Deste modo, é necessário averiguar se a Administração Pública excedeu os seus poderes de discricionariedade ao indeferir a concessão de nacionalidade portuguesa ao autor por não ser "descendente de português de origem".
Comentário:
A Administração encontra-se subordinada aos princípios fundamentais da administração pública consagrados na constituição no seu art.266º e no Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Apesar de dispor de poderes mais livres na tomada de decisão, a Administração tem de respeitar os princípios que orientam a sua atuação, como o princípio da legalidade (art.3º CPA) e da prossecução do interesse público (art.4º CPA).
Consequentemente, a interpretação e a aplicação da lei ao caso concreto encontram-se sempre subordinadas a estes princípios.
Deste modo, ao analisar o presente acórdão, é possível concluir que a Administração excedeu os seus poderes, ao violar o princípio da legalidade ao interpretar criativamente o artigo 6º/6 da Lei da Nacionalidade.
A interpretação feita, estabelece uma condição de aquisição da nacionalidade que não se encontra prevista na lei, restringindo o âmbito de aplicação da lei, de forma discricionária, sem apoio nenhum nas regras de interpretação (art.9º cc), afastando o direito à naturalização do autor por o ascendente não ser de origem portuguesa.
Parte da Doutrina entende que a vinculação da Administração à lei significa uma exigência de simples compatibilidade, de preferência ou prevalência de lei, cerceando os poderes à Administração, de contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes, pela negativa.
Por outro lado, outros autores, julgam que a legalidade exige conformidade da atuação administrativa com a lie, não bastando, por isso, que se trate de um ato não proibido, não previsto. Qualquer que seja o âmbito da atividade administrativa exige-se que tal intervenção, para ser juridicamente válida, seja objeto de uma prévia qualificação ou habilitação legal.
De facto, parece me que tenha havido uma prévia qualificação ou habilitação legal, no entanto foi feita considerando vontades e crenças próprias da administração, violando assim o poder da legalidade por força de uma discricionariedade enorme feita pela administração ao interpretar criativamente.
Para além disso, o artigo 164º alínea f) da CRP determina que a aquisição da cidadania portuguesa é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre esta matéria.
Tendo isto em conta, a Administração não pode restringir a aplicação da lei, considerando que os "portugueses", no artigo 6 número 6 da Lei da Nacionalidade, são os portugueses de origem, visto que a sua atuação está subordinada à lei (art.3º CPA) e que, pelo principio da separação de poderes (art.111 CRP), este entendimento terá de ser feito pela Assembleia da República.
Bibliografia consultada:
CORREIA, J. M. Sérvulo e MARQUES, Francisco Paes. Noções de Direito Administrativo Vol. I, 2ª Edição. Coimbra. Editora Almedina. 2021.
OLIVEIRA, Fernanda Paula e DIAS, José Eduardo de Oliveira Figueiredo. Noções Fundamentais de Direito Administrativo 4ª Edição. Coimbra. Editora Almedina. 2016.
SILVA, Vasco Pereira da, Aulas Teóricas - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2024
Trabalho Realizado por: Miguel Cordeiro, nº 69654, 2º ano, Turma B, Subturma 12.