Comentário ao Acórdão do STA – 0771/16 de 1 de fevereiro de 2017 - Mariana Amorim
O presente comentário dedica-se à análise do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido a 1 de fevereiro de 2017 no âmbito do processo nº 0771/16. O acórdão em análise aborda uma questão central do direito administrativo, concentrando-se na aplicação da tutela inspetiva como ferramenta essencial para o exercício do poder de fiscalização do Estado.
O caso aborda a atuação da Administração Pública na supervisão de entidades sujeitas à sua competência, investigando possíveis irregularidades e aplicando medidas para garantir o cumprimento da legalidade.
A tutela administrativa refere-se ao conjunto de poderes exercidos por uma entidade tutelar sobre outra entidade tutelada, com objetivo de assegurar a legalidade e o mérito das suas ações. Trata-se de uma relação entre pessoas coletivas distintas, sendo a tutelada geralmente a pessoa coletiva pública. No entanto, em certos casos, entidades privadas com estatuto de utilidade pública podem ser sujeitas a esta forma de fiscalização. Esta tutela distingue-se de:
- Hierarquia: que opera no âmbito interno de uma mesma pessoa coletiva.
- Controle jurisdicional: realizado por tribunais e não por órgãos administrativos.
- Controlos internos administrativos: como aprovações internas dentro da mesma pessoa coletiva pública.
- Referendos: que envolvem a participação direta do eleitorado
A tutela administrativa é subdividida conforme o seu objetivo e forma de atuação:
- Quanto ao seu fim:
Tutela de Legalidade: verifica se os atos da entidade tutelada estão em conformidade com a lei. Exemplo: tutela do Governo sobre as autarquias locais (art.242º/1 CRP).
Tutela de Mérito: avalia a conveniência e oportunidade dos atos administrativos. Pode ser aplicada em institutos públicos ou associações públicas.
- Quanto ao conteúdo:
Tutela inspetiva: envolve a fiscalização dos serviços, documentos e contas da entidade tutelada sendo regulada pelo art.78º CPA. Dentro da administração pública existem serviços encarregados de exercer esta função: serviços inspetivos. A doutrina apresenta diferentes visões sobre esta tutela:
- Perspetiva Garantista: Defendida por autores como Marcelo Rebelo de Sousa e Freitas do Amaral, esta corrente enfatiza a proteção dos direitos dos administrados, argumentando que a fiscalização deve evitar arbitrariedades e ser limitada pela proporcionalidade e pelo devido processo legal. Esta procura equilibrar a atuação estatal e a proteção da esfera jurídica do cidadão.
- Perspetiva Funcionalista: Representada por autores como Diogo Freitas do Amaral e José Manuel Sérvulo Correia, esta visão foca-se na eficiência e na necessidade de garantir que as finalidades públicas sejam alcançadas, conferindo maior discricionariedade à Administração Pública na atuação fiscalizadora.
- Ambas as perspetivas convergem na defesa da legalidade, mas divergem na abordagem uma vez que, enquanto uma prioriza os direitos individuais, a outra ressalta a funcionalidade do sistema administrativo para atingir os interesses coletivos.
Tutela Integrativa: divide-se em autorização e aprovação de atos da entidade tutelada. Quando um ato está sujeito à autorização a entidade tutelada não pode praticar o ato sem que primeiro obtenha a autorização. Por outro lado, se o ato está sujeito à aprovação, a entidade tutelada pode praticar o ato, mas não pode é pô-lo em prática/executá-lo antes de obter aprovação.
Tutela Sancionatória: poder de aplicar sanções por irregularidade que tenham sido detetadas na entidade tutelada.
Tutela Revogatória: poder de revogar atos administrativos praticados pela entidade tutelada.
Tutela Substitutiva: permite à entidade tutelar suprir omissões da entidade tutelada ao praticar atos que esta devia ter realizado.
Assim no acórdão o processo surgiu após a identificação de possíveis irregularidades na gestão e execução de determinadas atividades da entidade tutelada. A fiscalização teve como base a aplicação de princípios administrativos essenciais, como o princípio da legalidade (garantia de que todos os atos administrativos sejam compatíveis com a legislação vigente), o princípio da proporcionalidade (que exige que as medidas adotadas sejam adequadas e necessárias para alcançar os fins pretendidos), e o princípio do devido processo legal, assegurando ampla defesa à entidade fiscalizada.
A Administração Pública conduziu inspeções nos serviços e documentos da entidade. Durante o procedimento, foram avaliados o mérito e a legalidade das decisões administrativas, identificando-se eventuais desvios ou omissões passíveis de sanção.
O acórdão reforça que a tutela administrativa, especialmente na forma inspetiva, é exercida em conformidade com as normas vigentes e não constitui uma interferência arbitrária. A decisão conclui pela validade das ações da Administração Pública no caso, apontando que o poder de fiscalização foi adequadamente fundamentado, respeitando os direitos da entidade tutelada. O acórdão ressalta a separação entre a tutela administrativa e outras formas de controle, como o judicial, enfatizando que esta é uma função administrativa exercida com base em um quadro normativo robusto e consolidado.
Em suma, este acórdão evidencia a aplicação prática da tutela inspetiva destacando a importância da fiscalização administrativa para garantir a legalidade e a eficiência dos atos das entidades tuteladas.
Bibliografia:
O Direito Administrativo na Construção do Estado Contemporâneo, Almedina, 2009 de Diogo Freitas do Amaral.
Poder Administrativo e Administração Pública, 2.ª edição, Almedina, 2001 de Diogo Freitas do Amaral.
Os Princípios Fundamentais da Atividade Administrativa em Portugal, Estudos Jurídica Administrativos, Almedina, 2008 de José Manuel Sérvulo Correia.