Comentário ao Acórdão de 28 de junho de 2018 (Processo nº 2416/12) do TCA Sul- Rafaela Peixoto

04-12-2024

Relatório:

Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, data de 28 de junho de 2018 e diz respeito ao Processo 2416/12.0BELSB.No caso, M interpõe no TAC de Lisboa uma ação administrativa contra uma Universidade, sendo a pretensão formulada nos seguintes termos:

- Anulação da deliberação de 21 de maio de 2012 do júri do concurso para provimento de um lugar de professor associado na área científica de Gestão, grupo disciplinar de Gestão Estratégica e de Projetos e

- Anulação do despacho reitoral de 22 de maio de 2012, de homologação da mesma deliberação.

Em primeira instância, após discussão o TAC decidiu absolver o réu dos pedidos. Contudo inconformada com a decisão, M interpôs recurso.

A justificação da recorrente passou pelos seguintes aspetos: invocação do artigo 46º nº2 do Estatuto da Carreira Docente Universitária, ditando este que o número de membros do júri do concurso não pode ser inferior a 5, o que significa que tal número de elementos se tem que observar em cada uma das suas reuniões, sob pena de aquela exigência legal não ter qualquer utilidade. Com base nisto, afirma que quer na reunião de 3.04.12, quer na reunião de 21.05.12 não estavam presentes 5 membros do júri do concurso, não sendo respeitado o número de membros exigido no artigo 46º nº2. A recorrente salientou ainda que foi na reunião de dia 21.05.12 que foi tomada a decisão que repercutiu diretamente na decisão impugnada, ou seja, a exclusão da própria do concurso em causa. A recorrente argumenta igualmente uma ignorância ao disposto no artigo 15º do D.L. nº 204/98, aplicável a este concurso por força do artigo 5º do mesmo diploma somando a ausência do relatório justificativo a que alude o artigo 48º, nº 2 do ECDU, tratando-se este de uma formalidade primordial. Acrescentando ao disposto, a recorrente cita que o direito de participação na decisão final realizada na reunião de 21 de maio de 2022 é um direito constitucional não pode ser recusado. Este direito constitucional está previsto no art.268º/1 CRP. Além da menção aos artigos expostos anteriormente a recorrente acrescenta o artigo 38º do Estatuto da Carreira Docente Universitária, onde está disposto que os concursos para professores associados destinam-se a "averiguar o mérito de obra científica dos candidatos, a sua capacidade de investigação e o valor da sua atividade pedagógica já desenvolvida", com isto, segundo a recorrente afirma que, no concurso em causa, não se incluiu qualquer parâmetro relativo à capacidade de investigação, não considerando violado o artigo 38º do ECDU verifica-se que a sentença recorrida mal interpretou e aplicou o preceito legal. Finalizando com a invocação do artigo 52º nº1 do ECDU, onde ao se exigir que os votos individuais sejam fundamentados impõe-se que o júri do concurso indique o motivo que o levou a adotar aquele resultado e não outro percurso intelectual que seguiu até à decisão final, dado que se trata de um ato administrativo. Esta exigência sucede, igualmente, dos artigos 124º e 125º do CPA e é corolário do artigo 268º, nº 3 da CRP. Considerando com base em todos os argumentos que fundamentaram a sua opinião que a sentença mal interpretou e aplicou todos os preceitos legais invocados.

Apreciação do recurso:

Em modo de apreciação ao recurso são quatro questões a resolver: erro de julgamento relativamente à violação pela E.D. do artigo 46º nº2 do ECDU (vogais de júri em número inferior a 5); erro de julgamento relativamente à violação pela E.D. do artigo 48º nº2 do ECDU (preterição de formalidade essencial); erro de julgamento relativamente à violação pela E.D. do dever de fundamentação consagrado nos artigos 52º nº1 do ECDU, artigos 124º e 125º do CPA e artigo 663º nº3 da CRP; erro de julgamento relativamente à violação pela E.D. do artigo 38º do ECDU (errada a apreciação do C.V. com omissão da avaliação da capacidade de investigação.

1. Erro de julgamento

Em relação ao erro de julgamento relativamente à violação pela E.D. do artigo 46º nº2 do ECDU evidenciamos que para o artigo em questão o número de membros do júri não pode ser inferior a cinco, não se contando para o efeito o presidente e estando quando possível dois professores de outras Universidades. No caso a decisão foi tomada pelo presidente do júri e três dos 5 vogais desse júri. Citando-se ainda que o artigo em apreço trata a composição do júri e não o seu funcionamento e quórum, sendo este ultimo o que está em causa pela recorrente.

Devendo no caso valer o artigo 22º nº1 do CPA: "os órgãos colegiais só podem, regra geral, deliberar quando esteja presente a maioria do número legal dos seus membros com direito a voto".

E, com isto , conclui-se que o artigo 46º/2 do ECDU e o artigo 22º/1 do CPA/91 foram respeitados, de modo a que o tribunal não considere que a recorrente tenha razão.

2. Apreciação do art.48º/2ECDU

A segunda questão exige uma análise do artigo 48º nº2 do ECDU onde percebemos que sempre que um candidato for excluído , o júri elaborará um relatório justificativo, que será assinado por todos os seus membros e de cujo teor se dará conhecimento ao candidato excluído. Neste âmbito ficou provado que o júri só elaborou tal relatório após a audiência prévia exigida no artigo 100º do CPA; fê-lo apenas na deliberação final do júri, isto significa que o mesmo violou, materialmente, o direito de audiência prévia previsto nos artigos 100º e 101º do CPA, causando anulabilidade segundo o art.135º do CPA. Distinguindo-se da primeira questão, em que o tribunal considerou que a recorrente tem razão.

3. Dever de fundamentação presente nos art.124º e 125ºCPA e art.268º/3CRP

A terceira questão relativa ao dever de fundamentação consagrados nos artigos 52º/1 do ECDU, 124º e 125º do CPA e 268º/3 da CRP o tribunal começa pela definição de discricionariedade da atividade administrativa pública ditando que nada tem a ver com o arbítrio ou com o princípio da liberdade, dado que a função administrativa tem o seu guia na prossecução do interesse público, devendo-se falar em discricionariedade juridicamente vinculada, correspondendo aos casos em que a previsão da norma jurídica, que outorga a competência administrativa concreta a exercitar, contém conceitos tipológicos a concretizar ou atribui deveres de apreciação, de avaliação ou de ponderação e ou em que a estatuição dessa norma permite a escolha de diferentes alternativas.

Sendo esta a parte mais relevante no comentário a este acórdão é importante evidenciar que um juízo feito pela Administração assenta numa ciência não jurídica, longe de legitimar uma reserva de administração, o que constitui o melhor argumento para a sua fiscalização jurisdicional. Esta fiscalização de qualquer atividade da administração pública, incluindo o caso da discricionariedade administrativa, é feita através da aplicação pelo juiz de limites internos da margem de livre decisão administrativa, nomeadamente: incompetência legal; desrespeito pelo fim da concreta lei aplicada; falta de fundamentação de facto e de direito da decisão administrativa, entre outros. Assim, a fundamentação expressa dos atos administrativos é um imperativo constitucional – artigo 268º nº3 CRP.

Os artigos 152º a 154º do CPA afirmam que toda a fundamentação deve ser uma declaração, em regra, escrita, sob pena de ser anulável, de acordo com o artigo 163º nº1 CPA. Para além disso, a fundamentação tem de ter uma exteriorização clara, coerente e suficiente. No caso concreto, o concurso deveria ser bem fundamentado, visto tratar-se de um ato administrativo.

No caso em questão, as fundamentações de cada voto de cada jurado reduzem-se à atribuição de valores a cada parâmetro de avaliação, o que não consiste em verdadeira fundamentação, imposta pela CRP e pelo CPA, equivalendo a falta de fundamentação (artigo 125º nº2 CPA). Trata-se igualmente de uma causa de anulabilidade do ato administrativo respetivo por serem violados os artigos 268º nº3 CRP e 124º nº1 CPA. Com isto, foi violado o dever de a Administração Pública fundamentar todas as suas decisões com eficácia externa sendo concedida a razão à recorrente na presente questão. Sendo fone de anulabilidade o art.135º do CPA.

Na última questão fica decretado que atendendo ao vício exposto nas questões acima, fica prejudicado o conhecimento deste vício de fundo, de violação de lei.

Decisão:

Com tudo exposto e de harmonia com os poderes conferidos no art.202º CRP, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul acordam o provimento ao recurso, concedendo razão à recorrente, sendo o ato administrativo impugnado e a sentença revogada.

Apreciações finais:

No meu parecer esta foi a decisão correta pelos motivos desenvolvidos acima, mas de forma sumária, por ter ocorrido:

  • Violação do Direito de Audiência Prévia (Art.48.º, n.º 2, ECDU e Art.100.º do CPA): - Exigência de relatório antes da decisão final; Direito de audiência prévia; Causa de anulabilidade: a ausência de cumprimento dessa formalidade é um vício de forma grave, anulável nos termos do art.135ºCPA.
  • Violação do Dever de Fundamentação (Art.52.º, n.º 1, ECDU, Arts.124.º e 125.º CPA, Art.268.º, n.º 3, CRP): Exigência constitucional e legal de fundamentação e Princípio da transparência e do controlo jurisdicional;
  • Quórum e Composição do Júri (Art.46.º, n.º 2, ECDU e Art.22.º, n.º 1, CPA)
  • Violação de Normas Substantivas (Art.38.º do ECDU)

Deste modo, a decisão é correta dado que corrige graves vícios formais no processo administrativo, que violaram os direitos da recorrente; respeita os princípios constitucionais da transparência, imparcialidade e fundamentação e garante o controlo jurisdicional eficaz.

Bibliografia

FREITAS do AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo- Vol.I; Almedina

FREITAS do AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo- Vol.II; Almedina

SÉVULO CORREIO, J.M; PAES MARQUES, Francisco; Noções de Direito Administrativo- Vol.I;

Comentário realizado por: Rafaela Peixoto, subturma 12, nº69839. 

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