Comentário ao Acordão do STA de 21/09/2021 - Inês Godinho

03-12-2024

Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo nº 66589

A seguinte análise ao acórdão 20/09/2010 do Supremo Tribunal de Justiça trata a disputa jurídica acerca do acesso a informações administrativas, mais concretamente, em relação à disponibilização integral de um relatório da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), relatório este que detalha as auditorias realizadas a institutos públicos, a pedido da Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do Mar.

Para além do tema principal deste acórdão, este ainda examina temas cruciais relacionados com o direito administrativo, nomeadamente os conceitos e regimes jurídicos aplicáveis a Empresas Públicas e Institutos Públicos. Estes dois tipos de entidades integram a Administração Indireta do Estado, no entanto possuem natureza, objetivos e regimes distintos, cumprindo funções específicas na esfera do setor público. Assim, analisá-los de forma detalhada é essencial para compreender as questões jurídicas subjacentes ao caso.

A Administração Indireta do Estado consiste no conjunto de entidades que, não integrando de forma direta a estrutura central do Estado, ainda assim desempenham funções administrativas de uma forma descentralizada. Estas entidades possuem ainda personalidade jurídica própria bem como autonomia administrativa e fiscal.

Assim, o enquadramento de uma empresa pública, no quadro da administração indireta, tem diversas vantagens como a possibilidade de prossecução do interesse para o qual foi criada de uma forma mais livre e flexível distanciada da intervenção estatal, uma vez que só se encontra sobre o domínio do poder de superintendência e tutela do Estado-administração.

O poder de superintendência estatal traduz-se num poder de orientação ou de emissão de diretivas, ou seja, como uma forma de emitir ordens hierarquicamente superiores que devem ser acarretadas pelos inferiores, estas mesmas fixariam então os objetivos a prosseguir, mas não vinculariam os meios para os obter.

O poder da tutela por sua vez corresponde à faculdade de tutela integrativa, inspetiva e sancionatória que o Estado possui perante este tipo de empresas. No caso das empresas públicas, este poder pode ser exercido pelo Ministro das Finanças e pelo Ministro da Tutela, artigos 12º a 14º do DL 260/76.

Fulcral, é assim expor o tema das EPE, Entidades Públicas Empresariais. Estas consistem num tipo de empresa pública que possui a forma de pessoa coletiva de direito privado, cuja iniciativa de criação compete ao Estado como modo a prosseguir um certo fim. Este tipo de empresas é então usado quando o Estado opta por atender a objetivos de interesse público ou à prestação de um serviço específico com maior eficiência, agilidade e autonomia na gestão. Para isso, é essencial contar com a sua estrutura dotada de independência não só administrativa, mas também fiscal, capaz assim de operar de uma forma mais flexível e adaptável às necessidades do fim visado. Assim, a autonomia administrativa baseia-se no facto de este tipo de empresas ser maioritariamente regida pelo direito privado, salvo as exceções postuladas no artigo 14º/1 do RSPE. Já a autonomia financeira baseia-se no facto de não estarem reféns das regras de contabilidade pública (58º/1 última parte do RSPE). Consequentemente, o Estado ou outras entidades públicas, acabam por se reger de acordo com uma lógica empresarial, segundo cânones de racionalidade económica e eficiência nunca obstante o facto de o direito privado dever ser aplicado segundo uma lógica de proporcionalidade, através da aplicação de um direito administrativo privatizado.

Já os Institutos Públicos são designados por pessoas coletivas de direito publico, de natureza institucional, criadas com o propósito específico de desempenhar funções administrativas de carácter não empresarial, atribuídas pelo Estado ou por outra pessoa coletiva. Por esta razão, possuem sempre personalidade jurídica própria, conforme estipulado no artigo 3º, nº 1 da Lei-Quadro dos Institutos Públicos (LQIP), podendo assim, ser designadas por Institutos Públicos.

O seu tipo institucional significa que, o seu alicerce está em uma organização com base material, diferentemente das associações, que são fundamentadas em agrupamentos de pessoas. Os Institutos Públicos têm como missão o desempenho de funções administrativas determinadas, o que implica que sua atuação está limitada ao exercício de atividades públicas de caráter administrativo, assim as atribuições não podem ser genéricas ou indeterminadas, ao contrário, devem ser focadas em objetivos singulares, com atividades de natureza não empresarial, conforme estabelece o artigo 3º, nº 3 da LQIP. Por tudo os enunciados não existem Institutos Públicos destinados a funções privadas ou que desempenhem tarefas públicas não administrativas. Outro aspeto fundamental é que os Institutos Públicos atuam no contexto da administração indireta. As funções que exercem não lhes pertencem de forma originária, mas derivam de competências que, em princípio, são próprias do Estado ou de outras entidades públicas. Importante destacar que os Institutos Públicos não estão submetidos a um poder de direção por parte dos órgãos da entidade que os criou, mas encontram-se sujeitos a tutela administrativa e superintendência do Governo, nos moldes do artigo 199º, alínea d), da Constituição da República Portuguesa. Isso assegura que sua autonomia seja exercida dentro dos limites e orientações das políticas públicas estabelecidas pelo poder executivo.

Outro conceito pertinente neste acórdão é o conceito de Administração Aberta. A Administração aberta refere-se à forma como as empresas públicas devem se devem orientar, assim, estas devem de agir de forma transparente, acessível a toda a sociedade, seguindo os princípios da publicidade, transparência e participação, permitindo então que os cidadãos possam acompanhar, questionar e influenciar as ações do poder público. Assim, este modelo serve como forma de garantia de uma administração democrática assegurando aos cidadãos a boa utilização dos recursos públicos.

Um dos maiores pilares deste conceito é assim a transparência dos atos, ou seja, as informações dos atos administrativos, devem ser de fácil acesso para o publico, de modo que os cidadãos possam acompanhar a gestão publica, como por exemplo o Orçamento de Estado.

Após esta exposição dos temas mais relevantes presentes neste acórdão, dando sequência à análise deste acórdão, o foco deste é então a resposta negativa por parte do STA ao recurso proveniente do Ministério das Finanças, determinando assim a obrigação de entrega integral do relatório à Federação requerente.

Este litígio começa com a solicitação ao Ministério das Finanças da copia integral de um relatório da IGF pela Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do Mar, e que, perante este pedido, o Ministério apenas disponibiliza parte do relatório recusando-se à entrega da totalidade deste.

No entanto, pelo art. 268º, nº 2 da CRP e Lei nº 46/2007 – LADA, o direito ao acesso de documentos administrativos trata-se de um direito fundamental, não obstante este, por vezes pode ser restringindo esse direito como forma de proteção de segredos comerciais, industriais ou de administração interna das empresas. Assim, a questão fulcral e em torno da qual gira este acórdão é, se os institutos públicos se enquadram nestas restrições previstas no artigo 6º, nº 6 da LADA, aplicáveis a empresas públicas, e que exigem um interesse direto, pessoal e legítimo para serem merecedoras ao acesso deste tipo de documentos.

Perante esta negação por parte do Ministério, o STA considerou que os documentos solicitados pela Federação de Sindicatos dos Trabalhadores do Mar, correspondem a documentos administrativos, com relação ao cumprimento legal de obrigações impostas aos Institutos Públicos, e não normativos, relacionados então com o segredo comercial ou industrial não havendo conteúdos de natureza privada. Assim, as restrições do artigo 6º/6 da LADA, segundo o Tribunal, aplicam-se apenas a Empresas Públicas e não a institutos públicos, pela sua atividade ser estritamente administrativa. Ainda é fulcral mencionar o facto de que a constituição garante o direito de acesso aos documentos administrativos pelo seu artigo 268º.

Assim, pela razão de a Federação ter mostrado um interesse direto na obtenção da informação, devido ao impacto que estas teriam nas condições de trabalho dos seus associados o tribunal o Tribunal acaba por concluir que a regra geral de acesso irrestrito à informação administrativa era aplicável neste, com base nos princípios da administração aberta de publicidade bem como o princípio da proporcionalidade, determinando que a proteção de dados de outros institutos não justificava a negação de acesso, especialmente diante do interesse legítimo da requerente.

Perante tudo em supramencionado, o presente acórdão reafirma o direito à informação como uma garantia essencial de transparência na administração pública, pilar do estado democrático de direito, reforçando que restrições a esse direito devem ser interpretadas de forma restritiva e proporcional. A decisão destacou a importância da ponderação dos interesses em questão e conclui por fim a inexistência de informações que justifiquem a privação deste tipo de matérias à requerente não concordando com a afirmação do Ministérios das Finanças de que os direitos da FESMAR estavam suficientemente atendidos com as informações já fornecidas não foi acolhida. Essa decisão promove a publicidade administrativa, especialmente em matérias que impactam diretamente os direitos de trabalhadores e cidadãos.


Bibliografia:

  • Marcelo Rebele de Sousa, Lições de Direito Administrativo;
  • Paulo Otero, Direito de Procedimento Administrativo, Vol I;
  • Francisco Paes Marques e J.M. Sérvulo Correia, Noções de Direito Administrativo;
  • Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo;


link para o acórdão:

https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8b4b1f35d3378d2b802577ae0046fc5e?OpenDocument&ExpandSection=1


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