Comentário ao Acórdão de 2020-02-27 (Processo n.º 586/19.6BELSB), do TCAS - Madalena Gomes

19-05-2025

· Contextualização do Objeto do Acórdão

O presente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul aprecia um recurso interposto pela Diretora-Geral da Administração Escolar (DGAE), ora Recorrente. O recurso tinha, como objetivo reverter uma sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que havia dado razão ao Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL), ora recorrido.

O conflito teve origem no pedido formulado pelo SPGL junto da DGAE, através do qual solicitava, por via eletrónica, o acesso a um conjunto de informações administrativas relativas aos docentes reposicionados na carreira docente ao abrigo da Portaria n.º 119/2018, de 4 de maio.

Os dados solicitados visavam obter os seguintes elementos: a data de ingresso na carreira, o tempo de serviço anteriormente prestado, o escalão e índice de reposicionamento, bem como o tempo remanescente de permanência nesse escalão.

Em concreto, este trata de uma situação em que um sindicato, em representação de docentes que se consideram afetados pelas "decisões tomadas pela recorrente, de reposicionamento remuneratório, ainda que em cumprimento do prescrito na portaria n 119/2018", ou seja, os seus associados não foram alvo de reposicionamento remuneratório e nesse contexto consideram ser "titulares do direito à informação procedimental, em virtude de possuírem um interesse legítimo, concordante com o exigido no art. 85.º do CPA".

A DGAE recusou o acesso à informação requerida, levando o SPGL a intentar ação judicial.

O Tribunal de primeira instância deu provimento à pretensão do sindicato. Esta decisão foi objeto de impugnação por parte da DGAE, junto do TCAS.

No seu recurso, a Recorrente invocou, essencialmente, três fundamentos:

  • Inexistência de interesse legítimo;
  • Desproporcionalidade do pedido;
  • Proteção de dados pessoais.

As alegações do recurso culminaram na conclusão de que o "acesso a tais elementos(…), de nada valeria à Recorrida, pois que o ato de progressão dos docentes, e bem assim de qualquer trabalhador em funções públicas nãoresulta do exercício de poder discricionário da Administração, mas, sim, de um poder vinculado com inteira subordinação à lei".

Apresentadas as respetivas contra-alegações de recurso pelo recorrido, a Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo emitiu o seu parecer, no âmbito do qual manifestou a sua concordância com o deferimento do pedido formulado pelo recorrido de acesso à informação e documentação, por considerar que tal pedido se baseou num fundamento claro e atendível de apreciação da legalidade e transparência da atuação da administração e, tendo em conta ainda que as informações pretendidas "não configuram manifestamente dados pessoais (…) pois apenas se está em presença de meras questões relativas à avaliação dos docentes e ao seu reposicionamento remuneratório e funcional no contexto de um sistema público de ensino (…) não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa".

Por se entender que o direito de acesso aos arquivos é considerado um direito fundamental que só se pode "sacrificar" quando entre em conflito com direitos e valores constitucionais de igual ou maior valia, o que não é era o caso, atenta a factualidade provada e o enquadramento legal em que se movimenta o caso em análise, foi concedido o acesso aos documentos administrativos em causa e garantido o direito à informação administrativa.

· Matéria de Direito

O presente acórdão trata várias questões centrais do Direito Administrativo Português, nomeadamente no âmbito de matéria regulada no Código do Procedimento Administrativo (CPA) e legislação complementar acerca do acesso à informação.

Ora, a questão essencial sob análise prende-se com o Direito à informação administrativa. O acórdão reafirmou a amplitude deste direito, que, note-se, dispõe de previsão constitucional – cf. art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa[1] - e concretização no CPA – cf. art.ºs 82.º[2] a 85º - e na Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto[3].

Distingue-se, a este propósito, entre:

  • Informação Procedimental: visa tutelar interesses e posições jurídicas procedimentais, correspondendo a um direito dos interessados diretos num procedimento em curso a consultar o processo e obter informações.
  • Informação Não Procedimental: destina-se a qualquer cidadão, ainda que não exista nenhum procedimento em curso, e que corresponda a um interesse legítimo do próprio.

Cumpre ainda compreender que o direito à infromação é um corolário do princípio da administração aberta, sendo que o art.º 17.º do CPA estende o conteúdo do direito à informação às situações onde se " verifica o princípio da administração aberta, conferindo o direito (…) mesmo quando o procedimento não lhes diga diretamente respeito, ou não esteja em curso".

As alegações do recurso culminaram na conclusão de que o "acesso a tais elementos(…), de nada valeria à Recorrida, pois que o ato de progressão dos docentes, e bem assim de qualquer trabalhador em funções públicas nãoresulta do exercício de poder discricionário da Administração, mas, sim, de um poder vinculado com inteira subordinação à lei".

· Conclusão

O acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 27 de fevereiro de 2020, constitui um marco jurisprudencial na consolidação do direito à informação administrativa, enquanto expressão viva do princípio da administração aberta e da legalidade, alicerces fundamentais do Estado de Direito democrático, que se pauta por um exercício da autoridade em consonância com os princípios democratas, com uma Administração participada e não uma administração autoritária, típica do Estado de Polícia, onde vigora o princípio do segredo. Aliás, note-se, o conjunto de direitos e garantias dos administrados emergente da norma do art.º 268º da Constituição constitui reflexo da configuração dos particulares como titulares de verdadeiras situações jurídicas activas, a que corresponderão deveres na esfera jurídica das diversas entidades públicas[4].

Ao deferir o pedido do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, o TCAS não se limitou a garantir o acesso a dados sobre o reposicionamento docente; antes, afirmou, com inequívoca clareza, a supremacia do interesse público e da transparência sobre argumentos que, sob o manto da proteção de dados pessoais, poderiam cercear o escrutínio da atuação administrativa. Ancorado no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 82.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, reforça a ideia de que a Administração Pública deve operar sob o olhar vigilante da sociedade, especialmente quando as decisões impactam direitos coletivos e a confiança nas instituições.


[1] "1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam diretamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

2. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. […]"

[2] "1 - Os interessados têm o direito de ser informados pelo responsável pela direção do procedimento, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos que lhes digam diretamente respeito, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

2 - As informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o procedimento se encontra, os atos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adotadas e quaisquer outros elementos solicitados. […]"

[3] Aprova o regime de acesso à informação administrativa e ambiental e de reutilização dos documentos administrativos, transpondo a Diretiva 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de janeiro, e a Diretiva 2003/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de novembro.

[4] Cf. Mário Aroso de Almeida, Constituição Portuguesa Anotada, Volume III, Jorge Miranda e Rui Medeiros, 2ª edição revista, actualizada e ampliada, pág.537.

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