Comentário ao Acórdão de 16 de junho de 2016 (Processo nº12565/15) do Tribunal Central Administrativo Sul- Rafaela Peixoto

16-04-2025

Introdução:

O presente comentário analisa o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 16 de junho de 2016, no âmbito do processo nº12565/15, que trata sobre a legalidade de um procedimento concursal promovido por uma autarquia local.

O acórdão escolhido detém uma vasta importância para o Direito Administrativo, na medida em que evidencia a centralidade do dever de fundamentação dos atos administrativos.

Relatório:

O caso abordado no acórdão refere-se à impugnação de um processo concursal para recrutamento de assistentes operacionais num município. Perante o ocorrido, o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local e Regional contestou os atos administrativos praticados, alegando irregularidades no processo e falta de fundamentação nas decisões da autarquia. 

O cerne do litígio recai sobre a alegada violação do princípio da legalidade e do dever de fundamentação, essenciais no âmbito da atividade administrativa.

Exposição do pedido feito:

" a)- Declaração de nulidade ou anulação do despacho da Vereadora, com competência delegada, da Câmara Municipal de Setúbal, de 21/06/2011, que homologou a lista unitária de classificação final do procedimento concursal comum de recrutamento para a carreira geral e categoria de assistente operacional – área de limpeza e espaços públicos, a que se reporta o Aviso n. º 4904/2011.
b)- Declaração de nulidade ou anulação do procedimento concursal, no segmento relativo à aplicação do método de seleção da entrevista profissional e
c)- Que a entidade demandada seja condenada a "proferir despacho que determine e proceda à expurgação de todos os vícios e irregularidades do procedimento concursal, repetindo o mesmo"[1].

Como mencionado acima é evidente pela passagem do acórdão feita, que o mesmo prende-se com a análise do cumprimento do dever de fundamentação dos atos administrativos no contexto dos procedimentos concursais para recrutamento na função pública.

A decisão proferida resultou de um recurso interposto pelo Sindicato mencionado que contestava a legalidade do concurso público para a categoria de assistente operacional, conduzido por uma autarquia local.

O Tribunal Central Administrativo Sul foi interpelado a pronunciar-se sobre a legalidade dos diversos atos administrativos praticados no decorrer do concurso, com especial atenção na lista final de ordenação dos candidatos e nos critérios de seleção utilizados, os quais, segundo o Sindicato (recorrente) não teriam sido fundamentados de forma correta nem comunicados aos candidatos- estando aqui em análise o cumprimento de deveres de fundamentação e transparência que vinculam a atuação da Administração Pública.

Fundamentação:

O dever de fundamentação como pilar da legalidade administrativa:

O art.268º/3 da Constituição da República Portuguesa consagra o direito dos interessados a serem informados dos fundamentos dos atos administrativos que lhes sejam desaforáveis. Além disso o art.152º do Código de Procedimento Administrativo determina que os atos administrativos devem conter os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, reforçando esta exigência como elemento central da legalidade administrativa.

Segundo o Tribunal Central Administrativo Sul, a mera menção a classificações numéricas atribuídas aos candidatos ou à aprovação de uma lista final sem indicação dos critérios utilizados não é suficiente para cumprir a exigência legal da fundamentação.

Relação existente entre o poder discricionário e vinculação à legalidade:

O Tribunal faz uma distinção entre o poder discricionário da Administração, na condução de concursos públicos e a necessidade de fundamentação objetiva dos atos.

A Administração invoca frequentemente a margem de livre decisão para justificar escolhas em concursos, sobretudo na valoração de critérios. No entanto, mesmo nos domínios de discricionariedade, a Administração está vinculada a critérios de justiça, imparcialidade e racionalidade, tal como é mencionado no acórdão.

O Tribunal Central Administrativo Sul sublinha que, mesmo nas escolhas baseadas em apreciação subjetiva, devem ser explicitados os critérios utilizados e a forma como foram aplicados a cada candidato, garantindo a transparência do procedimento e evita suspeitas de possível favorecimento ou, por outro lado, discriminação.

Já o princípio da legalidade decorre do art.266º/1CRP e art.3º CPA, sendo considerado segundo o Professor Freitas do Amaral um dos mais importantes princípios gerais de direito aplicáveis à Administração Pública.

Este princípio exige que a Administração dê preferência à lei e que a atuação administrativa fundamente-se numa norma jurídica. Em concordância ao dito anteriormente também Marcelo Caetano considera que a legalidade é o princípio fundamental da atividade administrativa, o que significa que toda a atuação da Administração deve ter um título jurídico que a legitime, ou seja, uma base legal que a autorize.

Princípio da boa administração:

Segundo este princípio a administração deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada art.5º/2 do CPA e art.266º da CRP. Deste modo, este princípio exige uma atuação eficiente, transparente e orientada para o interesse público.

No caso em análise, este princípio é particularmente relevante por envolver uma autarquia local, que embora tendo autonomia administrativa, está também sujeita aos princípios gerais da atividade administrativa- legalidade, imparcialidade e proporcionalidade.

A atuação do município em questão, ao não justificar adequadamente a ordenação final dos candidatos nem explicar os critérios de seleção incorreu numa falha grave no cumprimento das tais exigências da boa administração, devendo pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade (art.5º/1do CPA).

Neste caso evidencia-se uma violação do direito à igualdade de oportunidade dos candidatos.

Implicações práticas:

Em termos práticos o acórdão em análise acentua a obrigação de todas as entidades públicas de dotar os seus procedimento de fundamentação, clareza e rigor. Os procedimentos concursais que sejam mal fundamentados, instruídos ou com critérios subjetivos não explícitos correm o risco de serem anulados pelo Tribunal.

O acórdão do TCA Sul alvo deste comentário constitui uma lição sobre a centralidade do dever de fundamentação no exercício da função administrativa, ao anular os atos do concurso por ausência de fundamentação suficiente.

O Tribunal reafirma a exigência de legalidade, transparência e responsabilidade na gestão pública.

Passagem do acórdão que elucida o exposto acima:

A garantia constitucional da fundamentação do ato administrativo, como concretizada no Código do Procedimento Administrativo, exige que a decisão administrativa exteriorize sempre, tanto (i) na justificação (ii) como na motivação, (iii) os respetivos discursos justificativos, ou seja, os raciocínios fundamentadores (iv) da conclusão ou de cada uma das conclusões em que assenta (iv) a decisão administrativa[2].

Decisão:

O Tribunal Central Administrativo Sul decidiu que a mera menção de classificações numéricas ou a aprovação de uma lista sem critérios claros não obedece a exigência legal de fundamentação. Sem descorar do poder discricionário, a Administração deve seguir critérios de justiça (art.8º do CPA), imparcialidade, (art.9º do CPA) e racionalidade, explicitando como cada um dos critérios foram aplicados a cada um dos participantes. A falta de justificação ou fundamentação adequada viola o princípio da boa administração e o direito à igualdade de oportunidades (art.6º do CPA).

Em suma, este acórdão recorda que a fundamentação não se alcança com meras opiniões ou avaliações genéricas, como o próprio Tribunal menciona: "violam o dever constitucional e legal de fundamentar os atos administrativos de um modo expresso, racional, coerente, suficiente e claro" todas as decisões administrativas que se limitem a exteriorizar como seus fundamentos (i) adjetivos qualificativos, (ii) avaliações numéricas e ou (iii) opiniões, já que se tratam de meras conclusões e não de discursos justificativos, isto é, de raciocínios fundamentadores de conclusões".

Reflexões finais:

  • Ênfase na responsabilidade da Administração

O acórdão do TCA Sul serve como lembrete crucial da responsabilidade da Administração Pública em garantir que as suas decisões sejam transparentes, igualitárias e compreensíveis. A fundamentação devida é um pilar fundamental do Estado de Direito permitindo o escrutínio público.

  • Impacto nos cidadãos

Durante todo o caso julgado existe uma excelsa importância na proteção dos direitos dos cidadãos, ao exigir uma fundamentação completa, clara e transparente das decisões administrativas.

O Tribunal tem como objetivo garantir que os populares compreendam as razões subjacentes das mais vastas decisões que os atingem, permitindo-lhes refutar em caso de descontentamento essas mesmas decisões de forma informada e eficaz.

  • Necessidade gradual de aperfeiçoamento

Na Administração Pública há a necessidade de uma melhoria contínua na fundamentação das decisões. É fulcral que os decisores administrativos consciencializem-se da relevância de explicitar e evidencia os raciocínios que sustentam as duas decisões. Só assim, será garantida a legalidade, transparência e justiça das decisões administrativas.


[1] Passagem do Acórdão- Acordão de 2016-06-16 (Processo nº 12565/15) | DR

[2] Passagem do Acórdão- Acordão de 2016-06-16 (Processo nº 12565/15) | DR


Trabalho realizado por: Rafaela Peixoto, subturma 12 nº69839 

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