Comentário ao Acórdão de 15 de maio de 2025 (processo nº01046/24.9BEPRT)- Marta Leitão
Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de maio de 2025
Processo nº01046/24.9BEPRT
Marta Leitão, subturma 12, turma B, 2ºano
Resumo do Acórdão em questão:
No caso apresentado o conflito surge de uma ação promovida pelo docente AA contra a Universidade do Porto, no âmbito do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF Porto), que visava a suspensão da reposição das diferenças remuneratórias entre os regimes de tempo integral e dedicação exclusiva, assim como a cessação do regime de dedicação exclusiva, com consequente redução salarial.
O TAF julgou a ação procedente, determinando a reposição das quantias e a cessação do regime. Contudo, o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCA Norte) revogou essa sentença e julgou a ação improcedente, com fundamento na interpretação restritiva do artigo 70.º do ECDU, convocando as normas do Código das Sociedades Comerciais (CSC) para concluir que o exercício da gerência de uma empresa, presumivelmente remunerada, é incompatível com o regime de dedicação exclusiva.
Discussão principal do Acórdão:
O presente acórdão centra-se na interpretação da norma prevista no artigo 70.º, n.º 1, do Estatuto do Corpo Docente Universitário (ECDU), que estabelece que o regime de dedicação exclusiva implica a renúncia ao exercício de qualquer função ou atividade remunerada, pública ou privada, incluindo o exercício de profissão liberal. A questão jurídica colocada é se este regime é compatível com o exercício da gerência de uma empresa, ainda que não remunerada.
Análise Jurídica da Interpretação da Norma:
A interpretação do TCA Norte assenta numa presunção legal de remuneração do exercício da gerência, entendendo que tal atividade é, por definição, incompatível com o regime de dedicação exclusiva, dada a sua natureza remunerada e o impedimento estatutário de acumulação.
Todavia, o recorrente sustenta que a interpretação deve ser mais restritiva, admitindo a compatibilidade do regime com atividades não remuneradas, conforme entendimento já sedimentado num acórdão anterior do mesmo tribunal (processo n.º 00367/10.2BECBR), que qualificava a incompatibilidade apenas no exercício efetivo de atividade profissional ou comercial remunerada.
Esta divergência interpretativa revela uma tensão entre a literalidade do preceito legal e a sua aplicação prática, nomeadamente quanto à presunção de remuneração e à extensão do regime de exclusividade.
Importância Jurídica e Social da Questão:
A controvérsia possui significativa relevância jurídica, pois envolve a delimitação dos direitos e deveres do corpo docente, impactando a liberdade profissional e o regime remuneratório. Socialmente, a definição clara e precisa dos contornos do regime de dedicação exclusiva é crucial para garantir segurança jurídica e transparência na gestão das relações laborais no meio universitário.
A ausência de jurisprudência vinculativa do Supremo Tribunal Administrativo torna ainda mais premente o recurso de revista, que deverá analisar o contexto histórico, normativo e jurisprudencial, superando a argumentação sintética do TCA e aprofundando o exame da compatibilidade entre gerência não remunerada e o regime de dedicação exclusiva.
Comentário ao Acórdão:
A admissão do recurso de revista pelo Supremo Tribunal Administrativo é justificada pela relevância da matéria, pela divergência jurisprudencial e pela necessidade de uniformização da interpretação do artigo 70.º do ECDU. O Supremo deverá ponderar criteriosamente a presunção legal de remuneração, o alcance do regime de dedicação exclusiva e o direito do docente à participação em atividades não remuneradas.
Este caso ilustra, assim, a complexidade das normas que regulam a dedicação exclusiva no ensino superior e a importância de uma interpretação equilibrada que concilie os interesses institucionais com os direitos profissionais dos docentes.