Comentário ao Acórdão de 13 de janeiro de 2005, processo nº 0730/04, do STA - Rodrigo Melo da Silva
I - Introdução
O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, data de 13 de janeiro de 2005, processo nº 0730/04, veio negar o provimento ao recurso jurisdicional, alterando, porém a consequência da violação do princípio da proporcionalidade, não gerando a determinada nulidade, mas antes a mera anulação do ato em relevo.
Deste modo, analisar-se-á o conteúdo do mesmo, mantendo uma despretensiosa ligação ao que é, de facto, o princípio enunciado.
Tendo certo que se considera atípico, revelar-se-ão os contornos do referido acórdão nesta mesma nota introdutória à análise, porquanto seja, desde logo, enriquecedor, tendo em vista a causa de esta mesma decisão se apresentar como relevante para o estudo desta matéria.
Acontece que o Júri de um concurso, já depois de conhecer os candidatos e os processos de candidatura, incluindo os respetivos currículos profissionais, aprovou a ficha de análise e avaliação dos concorrentes, onde fixou os sub-fatores e os critérios de pontuação e ponderação da apreciação e discussão do currículo, bem como a fórmula da classificação final da nota curricular, sendo que, inclusivamente, acabou, ulteriormente, por adotar e corrigir alguns dos critérios estabelecidos na ficha de análise, deste modo, desvirtuando os "critérios de seleção publicitados no aviso de concurso e, simultaneamente, deliberou sobre o mérito e a classificação dos candidatos admitidos a concurso, já na posse dos elementos curriculares e trabalhos por estes apresentados."
Pois que a questão apela ao artigo 266º/2 da CRP e ao artigo 9º do CPA, tratando da imparcialidade, a qual é entendida como um comando de consideração, por parte da administração, tanto dos interesses públicos que prossegue como daqueles dos privados, desde que relevantes para o fim a alcançar (na sua dimensão positiva)1.
Este princípio é relevante na medida em que constitui uma dimensão clássica do princípio do Estado de Direito, que se prende com a ideia de que as atuações do Estado, para serem conformes ao direito, têm de obedecer a uma medida ajustada, relevando tópicos como a justiça, o equilíbrio e a ponderação2.
II - Análise doutrinária do conteúdo do acórdão
Acima foi apresentado o quadro que move o Acórdão recorrido e que conduziu à declaração de nulidade, em primeiro lugar.
Esclarece que "para a procedência do aludido vício não é necessária a demonstração, por parte do Recorrente contencioso, de que, efetivamente, o Júri, ao definir os critérios de seleção, tenha tido em conta os elementos curriculares dos candidatos. Ou seja, nesta sede é irrelevante apurar sobre se o Júri foi ou não influenciado pelos aludidos elementos curriculares."
Relevante é, quanto antes, realizar a distinção entre as duas dimensões do princípio da imparcialidade: a negativa e a positiva.
Assim, a negativa proíbe a administração de, a propósito de um caso concreto, tomar em consideração e ponderar interesses, públicos ou privados que, à luz do fim legal a prosseguir, sejam irrelevantes para a decisão, ao passo que a positiva impõe que, previamente, todos estes interesses sejam ponderados desde que relevantes para a decisão.
O STA, seguindo o pensamento de Maria Teresa Ribeiro, do seu livro "O princípio da Imparcialidade da Administração Pública", admite serem corolários do princípio em destaque a objetividade, a neutralidade e a transparência.
"Em suma, a violação do princípio da imparcialidade consagrado no nº 2, do artigo 266º da CRP e também no artigo 6º do CPA, não está dependente da prova de concretas atuações parciais, verificando-se sempre que um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade."
Decerto a vantagem prática das garantias preventivas de imparcialidade, do ponto de vista do controlo da atuação administrativa, especialmente daquela desenvolvida ao abrigo de margem de livre decisão, é a de dispensar os interessados da difícil prova da verificação da concreta parcialidade de uma conduta da administração, servindo a violação das garantias como seu indicador objetivo3.
O que se prevê, também em corpo deste acórdão, é a tentativa de evitar prática de certas condutas da administração que possam sugerir a decadência da imagem pública da imparcialidade, "independentemente de precisar de se saber se na mente dos membros do órgão em causa esse tenha ou não sido o desígnio que os norteou".
"Por outro lado, na sua aceção objetiva, a imparcialidade está mais ligada com uma perspetiva orgânica e funcional da atuação administrativa e já não com a dimensão pessoal, daí que a imparcialidade objetiva se apresente antes como um princípio de funcionamento dos órgãos administrativos, onde, como já atrás se assinalou, não relevam os eventuais fins tidos em vista pelos membros do órgão em questão, na medida em que o que se trata é de preservar aquela imagem de independência, isenção e transparência de que se deve revestir a atuação administrativa."
Diz-nos João Caupers que a dificuldade reside em que esta objetividade dependa sempre dos valores prosseguidos pelo ordenamento jurídico. Essencial, para o respeito pelo princípio, é que as diferenças de tratamento se radiquem em critérios que apresentem uma conexão bastante com os fins a prosseguir com a regulação jurídica, e, por outro lado, que aqueles valores sejam positivamente considerados pelo ordenamento4.
O professor Freitas do Amaral, por seu turno, revela que a proporcionalidade é inconfundível com a igualdade, sendo a imparcialidade responsável por estabelecer se o sacrifício de certos bens ou interesses é adequado, necessário e equilibrado, na relação com os bens e interesses que se pretende promover5.
" No
caso em apreço, o Júri alterou os critérios de avaliação
constantes do aviso de abertura do concurso, ao aprovar, em 21-1-00,
a ficha de análise, a que se reporta o ponto 8. da matéria de facto
dada como provada, fixando-se sub-fatores, critérios e parâmetros
de avaliação
E,
isto, num momento em que já tinham sido entregues os currículos dos
candidatos admitidos a concurso.
Por
outro lado, como decorre da ata referente à reunião realizada em
13-2-01, o Júri procedeu à alteração dos critérios de avaliação,
estabelecendo 'regras de preenchimento da ficha previamente
elaborada', sendo que, de acordo com a ata referente à reunião de
21-1-00, tinha ficado estabelecido que o Departamento de Recursos
Humanos faria entrega ao Júri no dia 28-1-00, dos trabalhos
apresentados pelos candidatos, bem como do demais expediente – cf.
os pontos 7 e 9 da matéria de facto dada como provada."
Como já estudado, o júri, deveria ter estabelecido os critérios de classificação num momento anterior ao de ter conhecimento dos currículos e demais elementos apresentados pelos candidatos.
Se é sabido que a administração goza de alguma margem de manobra nos procedimentos (cf. análise ao acórdão de 29/04/2002, por mim realizada) não se devem modificar as regras do concurso indiscriminadamente.
III - Conclusão
Como decisão é apresentada uma única inovação deste tribunal à sentença, seja, "com efeito, a violação do princípio da imparcialidade e dos preceitos indicados no questionado aresto não geram a declaração de nulidade do ato, como aqui erradamente se concluiu no Acórdão do TCA mas, apenas, a mera anulação".
Mesmo o presente acórdão apresenta uma tentativa de uniformização da jurisprudência, dando destaque a decisões antecedentes, como: os Acs. deste STA, de 30-3-93 – Rec. 28031, de 12-4-94 – Rec. 30968, de 16-11-95 – Rec. 31932, de 14-5-96 – Rec. 36164, de 24-9-96 – Rec. 36719 e de 2-4-98 – Rec. 41906.
O acórdão do STA, de 19 de março de 1999 descreve este princípio como aquele que reclama o princípio da justa medida na prossecução do interesse público, com vista a evitar o excessivo gravame para a esfera jurídica dos administrados.
Bibliografia
1. Vasco Pereira da Silva, Direito Constitucional e Direito Administrativo Sem Fronteiras, Almedina, coimbra, 2019, p. 165.
2. José Melo Alexandrino, Lições de Direito Constitucional, volume II, 3º ed., Almedina, Lisboa, 2021, p. 83.
3. Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, tomo I, Lisboa, 2004, p. 213.
4. João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo, 10º ed., Âncora editora, Lisboa, 2009, p. 109.
5. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, 4o ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 116.
Rodrigo Melo da Silva, aluno nº 69841, sub-turma B12