Comentário ao Acórdão de 10 de outubro de 2013 (Processo nº01519/12) do Supremo Tribunal Administrativo- Rafaela Peixoto
Relatório
No presente acórdão uma junta de freguesia interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do art. 150º do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte de 24.4.2013 que negou provimento ao recurso interposto e, com fundamentação distinta, confirmou a sentença do TAF de Castelo Branco que julgou procedente a ação proposta pelo Ministério Público e declarou a dissolução da Junta de Freguesia … do Município da Sertã, ao abrigo da alínea f) do art.º 9.º da Lei n.º27/96, de 1 de Agosto (Regime Jurídico da Tutela Administrativa), com fundamento na não apresentação das contas da gerência do ano de 2009 ao julgamento do Tribunal de Contas.
Tendo alegado para tal diversos argumentos relevantes que culminou na decisão do recurso ser admitido e em consequência ser a decisão recorrida declarada nula por violar, entre outras as seguintes disposições legais artigo 44.º do CPA, artigos 29.º e 79.º da Lei 169/99, artigos 9.º e 10.º da Lei 27/96 e artigo 668.º n.º 1, alínea e) do CPC, pelo que deve a mesma ser revogada, com as legais consequências, pois só assim se fará, Justiça. Não obstante a Magistrada no Ministério Público contra-alegou em termos que não se mostram violados pelo douto acórdão recorrido os preceitos legais e constitucionais apontados pela recorrente, motivo pelo qual o recurso, caso seja recebido, deverá improceder. Por despacho do relator do TCAS, de 5.6.2013, foram julgadas improcedentes as nulidades invocadas pela recorrente.
Depois de enunciados os diversos factos, conclui-se que por acórdão de 26.9.12 emitido pela formação a que alude o art. 150º, n.º 5, do CPTA, foi admitido o recurso de revista, intentado pela Junta de Freguesia em questão, do acórdão do TCA Norte de 24.4.2012 que negou provimento ao recurso por si interposto e confirmou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgara procedente a ação proposta pelo Ministério Público que declarou a dissolução da Junta de Freguesia do Município da Sertã, ao abrigo da alínea f) do art.º 9.º da Lei n.º27/96, de 1 de Agosto (Regime Jurídico da Tutela Administrativa), com fundamento na não apresentação das contas da gerência do ano de 2009 ao julgamento do Tribunal de Contas. Tendo neste efeito de ser aplicado o quadro jurídico seguinte:
De acordo com o disposto na alínea f) do art. 9º da Lei n.º 27/96, de 1.8 (estabelece o Regime jurídico da tutela administrativa) epigrafado de "Dissolução de órgãos", "Qualquer órgão autárquico … pode ser dissolvido quando … "não apresente a julgamento, no prazo legal, as respetivas contas, salvo ocorrência de facto julgado justificativo". E, nos termos do art. 10º, epigrafado de "Causas de não aplicação da sanção", "Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes". (sublinhado e negrito agora introduzidos). Relembre -se que a ação foi proposta com vista à dissolução da requerente, com fundamento na circunstância de não ter enviado para julgamento do Tribunal de Contas a conta da gerência referente ao ano de 2009. A competência para remeter as contas da freguesia ao Tribunal de Contas era da Junta de Freguesia (art. 34º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 169/99, de 18.99). A ação foi julgada procedente e confirmada pelo TCA com base no entendimento de que esta causa de dissolução era objetiva, sendo irrelevantes os motivos alegados pela recorrente, nomeadamente uma alegada incapacidade temporária do seu Presidente (a quem incumbia assinar a correspondência como presidente do órgão e, assim, enviar efetivamente a conta e a quem foram dirigidas todas as comunicações pelo Tribunal de Contas e imputadas as de natureza sancionatória, como decorre das alíneas A/J da matéria de facto), determinada por razões de ordem psíquica decorrentes da sua estadia na guerra da Bósnia em cumprimento de serviço militar. Incapacidade que, segundo dizem, não era facilmente detetável pelos restantes membros da Junta. Por essa razão, por ter entendido que se tratava de uma situação de responsabilidade objetiva, manteve igualmente o indeferimento de uma diligência de prova que visava justamente fazer um exame às faculdades mentais do interessado com vista a apurar da existência de uma tal incapacidade que pudesse justificar a falta de envio, tempestivo, da conta. Resulta da matéria de facto que a situação foi já regularizada em 10.7.12 (alíneas L/N). E que as contas em falta estavam prontas dois dias após 28.4.2011 (alíneas L/M). A mera leitura dos preceitos transcritos logo deixa entender que a decisão recorrida não pode manter--se. Ao invés de estar em causa nos referidos preceitos uma situação objetiva estão -lhes subjacentes, nos termos gerais do direito (é a própria lei que o diz), tanto as causas justificativas do facto como as excludentes da culpa (veja -se, como meros exemplos, os acórdãos deste STA de 17.11.99 no recurso 45543, de 30.7.03 no recurso 1205/03 e de 14.4.04 no recurso 284/04), que pressupõem, naturalmente, a análise do comportamento do agente. De resto, em sintonia com a natureza subjetiva dos processos sancionatórios, de que o procedimento de dissolução é um mero exemplo. Por outro lado, fica por explicar racionalmente por que razão as contas não foram enviadas a pedido do Tribunal de Contas, o último dos quais a 29.11.11 (alínea I) quando estavam prontas desde 2.5.11. Portanto, in casu, tendo sido requerido em devido tempo um exame médico de natureza psiquiátrica para aferir da capacidade de discernimento do então Presidente da Junta, no momento em que a falta indiciadora de dissolução se verificou, tal pedido, contrariamente ao que se decidiu, deveria ter sido deferido. 4. A nulidade de sentença invocada, por omissão de pronúncia, não tem qualquer fundamento, já que a omissão apontada (a falta de apreciação de alguma prova) resultou, simplesmente, do indeferimento desta diligência de prova, ficando o seu conhecimento prejudicado nos termos do art.660º, n.º 2, do CPC.
Decisão
Tendo em consideração tudo o que foi exposto, o Supremo Tribunal Administrativo acordou em conceder a revista, em revogar o acórdão recorrido e em ordenar a baixa dos autos ao TAF a fim de ser ordenada a realização da diligência de prova requerida (o exame médico indeferido).
Apreciação final:
A análise do acórdão exposto demonstra-se interessante pela disputa entre o alcance/ limites dos poderes administrativos e a proteção de direitos subjetivos de particulares no âmbito de um procedimento administrativo.
A principais questões abordadas são:
- O Supremo Tribunal Administrativo analisar a atuação administrativa no contexto do poder discriminatório, destacando que a discricionariedade não é absoluta e está sujeita a limites, como o respeito pelos princípio gerais do Direito Administrativo presentes nos art.3º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo
- Proteção de direitos subjetivos na medida em que no acórdão e na decisão do STA enfatiza-se o reconhecimento dos direitos subjetivos dos particulares, evidencia que a Administração Pública deve observar as normas de proteção e garantir que os cidadãos não sejam lesados por atos administrativos que extrapolem os limites da legalidade ou contrariem o interesse público.
- O Tribunal sublinhou ainda a importância dos princípios da imparcialidade (art.9º CPA) e boa fé (art.10º CPA) na condução dos procedimentos administrativos, reforçando a ideia de que a Administração deve agir em conformidade com o interesse público e os direitos dos cidadãos
- Foi ainda abordada a relação hierárquica e a delegação de poderes, destacando os limites e responsabilidades associadas à mesma, com destaque na tomada de decisões com impacto direto sobre particulares.
Finalizando, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo balizou-se pela anulação do ato administrativo impugnado, pelo facto deste exceder os limites legais da discricionariedade administrativa e violar direitos subjetivos do particular. Determinando ainda a revisão por parte da Administração do procedimento, em observância com princípios e normas que regem o exercício da função administrativa.
No meu parecer a decisão demonstra-se a mais correta por observar:
- O princípio da legalidade presente no art.3º CPA. O STA considerou que o ato administrativo em questão extrapolava os limites da legalidade por ultrapassar o âmbito da discricionariedade, desrespeitando normas que protegem os direitos dos particulares. Tendo anulado o acórdão o tribunal corrigiu a violação deste princípio.
- Pelo reconhecimento dos Direito Subjetivos
- Limitação do poder discricionário, que embora a Administração detenha, em certos casos, o exercício do mesmo está vinculado a princípios gerais, como mencionado acima.
- Pela valorização do interesse público
- Reforço da responsabilidade administrativa, o STA ao anular o ato administrativo e a ordenar revisão do procedimento, reforça o facto da Administração ser responsável pelas suas decisões e deve observar de forma rigorosa os limites impostos pelo Direito
Deste modo, este acórdão e consequentemente a decisão do próprio reafirmam a necessidade de equilíbrio entre o exercício de poderes administrativos e a proteção dos direitos dos particulares, servindo como referência para litígios futuros sobre os critérios do Direito Administrativo e a interação entre os diferentes sujeitos das relações jurídicas administrativas.
Bibliografia
FREITAS do AMARAL, Diogo, Curso de Direito Administrativo- Vol.I; Almedina
FREITAS do AMARAL, Diogo; Curso de Direito Administrativo- Vol.II; Almedina
SÉVULO CORREIO, J.M; PAES MARQUES, Francisco; Noções de Direito Administrativo- Vol.I; Almedina
Comentário realizado por: Rafaela Peixoto, subturma 12, nº69839