Comentário ao Acórdão de 06/11/2024 (Processo nº 02777/10) - Margarida Oliveira

13-12-2024

Neste comentário irei analisar um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que dispõe sobre um litígio tributário relacionado com a validade de decisões administrativas, em particular a emissão de liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativos ao exercício de 2001. A decisão recai sobre uma análise da atuação da Administração Tributária no que toca ao cumprimento dos princípios constitucionais da imparcialidade e da boa fé no procedimento tributário. Este processo envolveu uma reclamação graciosa, seguida de um recurso hierárquico, com a impugnação judicial da decisão da AT.

O tribunal de 1.ª instância anulou o recurso hierárquico, mas a decisão foi revista pelo STA, que considerou que não havia violação dos princípios alegados e deu provimento ao recurso da AT.

Contexto Factual e Procedimento Administrativo:

O litígio teve origem numa ação de inspeção tributária realizada ao Banco 2... relativamente ao exercício de 2001, onde a AT determinou uma liquidação adicional de IVA no valor de €55.401,25 e de juros compensatórios de €7.396,46. As correções realizadas pela AT tiveram por base a consideração de que determinadas operações internas não estavam abrangidas pelas isenções previstas no artigo 9.º/28, alínea a), do Código do IVA (CIVA).

O Banco 2 contestou as liquidações ao iniciar um procedimento de reclamação graciosa que foi inicialmente parcialmente indeferido e que levou posteriormente a uma impugnação judicial pelo facto do recurso hierárquico interposto ter sido também indeferido

O tribunal de 1.ª instância anulou a decisão do recurso hierárquico, uma vez que considerou que houve violação dos princípios constitucionais mencionados acima, da boa fé e da imparcialidade. Foi alegado que a decisão teria sido influenciada pela Direção de Serviços de Inspeção Tributária, que conduziu a inspeção, o que comprometeria a independência da decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa e no recurso hierárquico. No entanto, o STA revogou essa decisão, entendendo que não houve violação dos princípios invocados.

A Reclamação Graciosa e Recurso Hierárquico

O STA abordou o papel do recurso hierárquico no sistema tributário, destacando-o como um mecanismo importante de garantia administrativa. O recurso hierárquico, regulamentado pelos artigos 80.º da Lei Geral Tributária e 66.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, permite que uma autoridade superior volte a analisar a legalidade do ato impugnado. No caso apresentado, o STA dispõe que o recurso hierárquico deverá implicar uma análise completa e autónoma do ato impugnado, levando em consideração todos os elementos apresentados no processo, incluindo os argumentos e pareceres do contribuinte.

O recurso hierárquico, além de facultativo, tem efeitos devolutivos, ou seja, permite a reapreciação do ato pela autoridade superior, mas não suspende a exigibilidade do crédito tributário. Desta forma, o órgão competente tem uma maior amplitude para decidir, podendo então confirmar, modificar, revogar ou substituir a decisão do órgão inferior, atuando de uma forma independente e imparcial.

Contudo, o Tribunal de 1.ª instância não distinguiu adequadamente os vícios alegados na reclamação graciosa e aqueles que poderiam ter afetado o recurso hierárquico, comprometendo assim a fundamentação da sua decisão. Em contrapartida, o STA,fez uma análise precisa, destacando que a atuação do recurso hierárquico não deverá ser influenciada pela atuação do órgão que instruiu o processo.

Os Princípios da Boa Fé e da Imparcialidade

Os princípios da boa fé e da imparcialidade são essenciais para garantir a justiça e a transparência da atuação da Administração Pública.

Boa Fé: Este princípio encontra-se consagrado no art.266.º/ 2 da CRP, sendo considerado um princípio fundamental para a AP. Este princípio exige que a AT atue com transparência, previsibilidade e colaboração com os contribuintes. No caso, o STA considerou que a AT não violou a boa fé, uma vez que:

  • Foram feitas notificações adequadas para garantir o direito de audição do contribuinte.

  • Não existiram nem alterações abruptas nos critérios adotados pela AT, nem a criação de expectativas frustradas.

  • A decisão foi devidamente fundamentada, em conformidade com as normas legais aplicáveis.

Imparcialidade: Este princípio, consagrado no artigo 266.º da CRP e nos artigos 9.º e 10.º do CPA, exige a separação entre o órgão responsável pela instrução do processo e aquele responsável pela decisão final. O STA afirmou que, apesar da participação instrutória da DSIT, a Direção de Finanças de Lisboa, que era responsável pela decisão final, agiu de forma autónoma, utilizando os pareceres da DSIT apenas como elementos técnicos complementares. Assim, a imparcialidade da DFL não foi comprometida, pois a decisão foi tomada com base em uma análise independente.

A Validade da Decisão do Recurso Hierárquico

Foi concluído pelo STA, que os vícios alegados no procedimento de reclamação graciosa não afetaram diretamente a validade da decisão do recurso hierárquico. A decisão tomada baseou-se nos pareceres técnicos da DSIT, de forma autónoma e fundamentada, sem comprometer a imparcialidade do processo. Assim, o STA reafirmou a validade da decisão do recurso hierárquico, em conformidade com os princípios da boa fé e da imparcialidade.

A Decisão Final:

O STA deu provimento ao recurso da AT, revogando a decisão do Tribunal de 1.ª instância e determinando o regresso do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto para a análise de outros vícios alegados pela impugnante, relacionados com a incorreta aplicação da legislação.

Conclusão retirada:

Neste acórdão foi reafirmada a centralidade dos princípios da imparcialidade e da boa fé no direito administrativo, mais concretamente no direito tributário. É necessário a AT agir com transparência, previsibilidade e colaboração, e as suas decisões administrativas devem ser tomadas de forma imparcial, com fundamentação adequada. Este acórdão do STA contribui para consolidar a jurisprudência relacionada com os direitos dos contribuintes, enfatizando a importância do controlo da legalidade e da independência das decisões administrativas. Se aplicarmos estes princípios teremos uma maior confiança no sistema tributário e nas instituições públicas.

Bibliografia Utilizada:

Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo - Vol.I

Freitas do Amaral, Diogo, Curso de Direito Administrativo - Vol.II

Sérvulo Correia, JM; Paes Marques, Francisco, Noções de Direito Administrativo- Vol.I

Comentário realizado por: Margarida Oliveira, nº69655, subturma 12




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