Comentário ao Acórdão do TCAS, (Processo n.º 2278/19.7BELSB), 21-01-2021 - Madalena Gomes

19-05-2025

1. Contextualização do Objeto do Acórdão

J... intentou no TAC de Lisboa contra a Comissão de Proteção às Vítimas de crimes, ação administrativa destinada a obter a declaração de nulidade/anulação da decisão final de arquivamento proferida no processo administrativo n.º 251/2016.

A Autora pedia, a final, que, na procedência da ação, fosse "o presente pedido de Nulidade/Anulabilidade da Decisão Final de Arquivamento da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes, aceite, por provado, revogando-se aquela Decisão/Ato Administrativo, e sendo esta substituída por outro ato administrativo, que considere verificados todos os requisitos previstos na Lei 104/09 de 14 de Setembro".

O recurso apresentado impugna uma decisão daquela entidade que negou à recorrente o adiantamento de indemnização a que a requetente entende ter direito enquanto mãe de uma vítima de crime violento, alegando que essa decisão é nula. A recorrente argumenta que a sentença não abordou adequadamente a possibilidade de o ato administrativo ser nulo, não apenas anulável, e falhou em fundamentar a negação do adiantamento de indemnização. Contesta a afirmação da Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes (CPVC) de que o seu filho teria tido comportamento criticável antes de ser vítima de crime, argumentando que tal comportamento não foi provado em julgamento. Além disso, destaca que a CPVC não fundamentou adequadamente a sua decisão, o que configura uma nulidade segundo a legislação. A recorrente argumenta ainda que a sentença original cometeu erros ao não considerar a nulidade do ato administrativo e ao não fundamentar adequadamente a sua decisão. E concluiu que o ato administrativo é nulo e deve ser revogado, concedendo-se à recorrente o adiantamento de indemnização devido.

O Ministério Público sustentou a improcedência do recurso.

As questões a apreciar no recurso foram identificadas como sendo: saber se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, não tendo conhecido das causas de nulidade do ato alegadas e se o tribunal incorreu em erro de julgamento ao ter considerado que a acção havia sido apresentada após o decurso do prazo de impugnação de actos anuláveis, isto é, do prazo de 3 meses, previsto no art.º 58.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Na sentença impugnada havia sido considerado que a decisão da CPVC, de 25 de julho de 2019, negou o pedido de indemnização deduzido pela Autora; e que esta decisão foi notificada ao representante da Autora em 30 de julho de 2019. Por sua vez, a petição inicial foi apresentada em 26 de novembro de 2019, ou seja, decorrido mais de três meses, prazo a que se reporta o art.º 58º, n.º 1, b) do CPTA[1].

No que diz respeito à fundamentação legal, o recurso contesta a decisão do tribunal com base na alegada nulidade do ato impugnado e na sua invocada falta de fundamentação.

Considerou-se que o tribunal a quo abordou a questão jurídica alegada, que foi examinada, apreciada e sobre ela incidiu uma decisão, tendo sustentado que as ilegalidades indicadas como fundamento da nulidade do ato – violação de princípios constitucionais da actividade administrativa - não são geradoras do desvalor da nulidade, arguição que julgou improcedente, pelo que não se verificava a suscitada nulidade da decisão.

Na decisão do recurso argumentou-se também que os vícios apontados apenas geram anulabilidade do ato, e não a sua nulidade. Da mesma forma, a falta de fundamentação não torna o ato nulo, mas apenas anulável.

Mais entenderam os senhores juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul que as ilegalidades imputadas ao ato administrativos não se integram em nenhuma das alíneas do n.º 2 do art.º 161º do CPA, logo não determinam a sua nulidade, que a violação dos princípios fundamentais da Legalidade, da Justiça, da Proporcionalidade, da Boa-Fé e da Boa-Administração não corresponde à violação de um direito fundamental, mas de um princípio e, a ocorrer, é meramente geradora de anulabilidade e não de nulidade, assim como o é a falta de fundamentação.

Em consonância, concluíram que o prazo para impugnação do ato administrativo é de três meses. Portanto, decidiram que o recurso era improcedente, negando-lhe provimento e mantendo a decisão recorrida.

2. Matéria de Direito

Os atos administrativos são as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta (art. 148.º CPA).

No plano da invalidate, a questão que se coloca consiste em saber se esta decisão, qualificada como ato administrativo, se encontra afetada por alguma desvirtue-se nos seus elementos formais, procedimentais e substantivos, que, sendo de tal modo grave, provoca ou é suscetível de provocar a sua invalidade.

O controlo judicial e administrativo dos atos administrativos desempenha um papel crucial na garantia da legalidade, legitimidade e eficácia da atuação da Administração Pública.

No caso dos atos administrativos nulos, o controlo judicial manifesta-se através da possibilidade de os interessados ou afetados pelo ato recorrerem ao Poder Judiciário para obter a declaração de nulidade. Os tribunais administrativos têm competência para declarar a nulidade dos atos administrativos, assim como os tribunais judiciais em matéria contenciosa administrativa. Nos casos de anulabilidade, o controlo judicial ocorre quando há impugnação do ato por parte dos interessados ou afetados. O Poder Judiciário pode ser acionado para analisar a legalidade do ato e decidir sobre a sua anulação, caso seja constatada a existência de vícios que justifiquem a invalidação.

A questão central do recurso prende-se com a qualificação jurídica do ato administrativo da CPVC como nulo ou anulável.

Nos termos do artigo 161.º do CPA, a nulidade de um ato administrativo ocorre em situações taxativas, como a ausência de forma legal exigida, a incompetência absoluta do autor do ato, a violação de normas imperativas de ordem pública ou a prática de um ato com conteúdo impossível ou ininteligível. Já a anulabilidade, regulada pelo artigo 163.º do CPA, abrange vícios menos graves, como a violação de normas procedimentais ou a falta de fundamentação, sendo estes atos válidos até à sua anulação judicial ou administrativa.

Quanto ao âmbito de aplicação da nulidade e da anulabilidade veja-se que a nulidade tem caráter excecional (161º/1 CPA) e a anulabilidade é a regra geral (163º/1 CPA).

Assim, o ato administrativo inválido é, por regra, anulável, a menos que faça parte das situações descritas como nulas. Isto justifica-se pela necessidade de certeza e segurança da ordem jurídica, para que não paire indefinidamente a dúvida sobre se os atos da Administração são legais ou ilegais, se válidos ou inválidos. São nulos os atos que, exemplificativamente, são apresentados no artigo 161º/2 CPA.

A determinação rigorosa dos critérios que separam a nulidade da anulabilidade exige uma análise que transcenda a mera gravidade do vício. Com efeito, a primeira pode, assim, surgir acoplada à verificação da conformidade dos actos da Administração com os princípios constitucionais, nomeadamente os da legalidade (artigo 266.º, n.º 2 da CRP[2]), da imparcialidade e da proteção dos direitos fundamentais. Por exemplo, um ato que viole o direito à audição prévia, garantido pelo artigo 100.º do CPA, pode ser anulável, mas, se essa violação comprometer gravemente a justiça material ou a transparência, poderá justificar-se uma reflexão mais profunda sobre a natureza do vício e dos seus efeitos. A doutrina, como a de Vieira de Andrade, sublinha que a nulidade deve ser excecional, reservada a situações em que o vício torne o ato incompatível com o núcleo essencial do Estado de Direito.

3. Conclusão

O acórdão em análise reforça a distinção fundamental entre nulidade e anulabilidade no âmbito do controlo judicial dos atos administrativos, conforme previsto nos artigos 161.º e 163.º do CPA. O Tribunal Central Administrativo do Sul, ao julgar improcedente o recurso, entendeu que os vícios alegados pela recorrente — nomeadamente a falta de fundamentação e a violação de princípios como a legalidade, justiça e proporcionalidade — não configuram causas de nulidade, mas, quanto muito, de anulabilidade. Esta qualificação, alinhada com a natureza excecional da nulidade e a regra geral da anulabilidade, sublinha a necessidade de segurança jurídica e certeza na atuação administrativa. Além disso, a decisão destaca a relevância do prazo de impugnação de três meses (art. 58.º, n.º 1, al. b) do CPTA) para atos anuláveis, confirmando a extemporaneidade da ação. Assim, o acórdão evidencia o papel do controlo judicial na garantia da legalidade e legitimidade da Administração Pública, reafirmando a importância de uma análise rigorosa dos vícios dos atos administrativos à luz dos princípios constitucionais e da doutrina do Estado de Direito.


[1] "1 - Salvo disposição legal em contrário, a impugnação de atos nulos não está sujeita a prazo e a de atos anuláveis tem lugar no prazo de:

a) […]:

b) Três meses, nos restantes casos. […]"

[2] "2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé."

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