Comentário ao Acórdão do TCAS de 27-02-2020, Processo n.º586/19.6BELSB - Miguel Cordeiro

16-05-2025

Comentário ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-02-2020, Processo n.º586/19.6BELSB

Sumário:

O presente acórdão prende-se com um recurso interposto pela Diretora-Geral da Direção-Geral da Administração Escolar (Recorrente), visando a revogação da sentença proferida a 14 de agosto de 2019 pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS). A decisão recorrida obrigou a Administração a facultar, por via eletrónica, ao Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (Recorrido), o acesso e reprodução de documentos contendo informações detalhadas sobre docentes que foram reposicionados na carreira. Esses dados abrangem, entre outros, a data de ingresso na carreira, o número de dias de serviço contabilizados para efeitos de progressão, o escalão e índice em que os docentes foram reposicionados, bem como o tempo de serviço remanescente a considerar.

A Recorrente sustenta a inexistência de direito a esta informação, invocando a proteção dos dados pessoais dos docentes envolvidos, argumentando que a divulgação desses elementos violaria a sua privacidade. Em contrapartida, o Recorrido alega que o acesso a tais dados é essencial para proteger os direitos dos docentes que representa, uma vez que suspeita de práticas ilegais, nomeadamente o favorecimento de docentes com menos tempo de serviço em detrimento daqueles com mais anos na carreira.

Este conflito coloca em foco o direito fundamental à informação procedimental previsto no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o artigo 11.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que impõe à Administração o dever de colaborar com os particulares no acesso à informação que lhes seja necessária. Este direito está também previsto nos artigos 82.º a 85.º do CPA, aplicáveis quando o requerente é diretamente interessado ou possui interesse legítimo. Contudo, este direito encontra limites nas matérias relacionadas com a segurança, investigação criminal e proteção da intimidade e dados pessoais, conforme previsto nos artigos 17.º e 18.º do CPA, situação que torna o caso objeto deste acórdão particularmente relevante para o equilíbrio entre transparência administrativa e proteção de dados pessoais.

Comentário:

A Recorrente alega que o Recorrido não tem legitimidade nem interesse no acesso à informação solicitada, invocando os artigos 82.º, 83.º e 85.º do CPA. No entanto, o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) entende que a classificação do direito à informação como procedimental é irrelevante para a decisão, sendo suficiente que o Recorrido demonstre um interesse legítimo. Com base nos artigos 268.º da CRP e 85.º do CPA, o tribunal conclui que a Administração não pode indeferir pedidos com base numa apreciação subjetiva sobre o interesse do requerente, reconhecendo assim a legitimidade do Recorrido, que atua em representação de terceiros com interesse direto nos dados requeridos.

No que respeita à alegada desproporcionalidade do pedido, a Recorrente considera que o volume da informação solicitada — relativa a milhares de docentes — é excessivo. Contudo, o TCAS rejeita esta tese, destacando que a Recorrente não fundamentou devidamente essa alegação e que os dados em causa não abrangem todos os docentes, mas apenas aqueles abrangidos por procedimentos específicos. Adicionalmente, tendo em conta os meios eletrónicos disponíveis na Administração, considera-se que o fornecimento da informação é exequível e compatível com os princípios da proporcionalidade, boa-fé e administração aberta, sendo os encargos justificáveis pelos benefícios que decorrem da transparência administrativa.

Por fim, relativamente à proteção de dados, o tribunal reconhece que a informação solicitada pode conter dados pessoais, mas afirma que tal não impede o seu acesso desde que salvaguardada a identidade dos titulares, conforme o artigo 83.º do CPA e o RGPD. Assim, o nome dos docentes não deverá constar na documentação fornecida, por não ser essencial para aferir eventuais desigualdades. O TCAS entende que o acesso à informação é legítimo quando visa proteger interesses igualmente dignos de tutela, como o princípio da igualdade e da imparcialidade (arts. 6.º e 9.º do CPA). Conclui, por isso, pela manutenção da decisão recorrida, reconhecendo ao Recorrido o direito ao acesso à informação pretendida.

Conclui-se que o Recorrido tem direito de acesso à informação, com base nos artigos 268.º, n.ºs 1 e 2 da CRP e 82.º, 83.º e 85.º do CPA, que consagram o direito à informação administrativa. Embora seja um terceiro, o Recorrido possui um interesse legítimo, o que lhe confere legitimidade para aceder aos dados, nos termos do artigo 85.º do CPA. A sua qualidade de representante justifica-se como uma exceção admissível para acesso a dados informatizados, conforme o artigo 35.º, n.º 4 da CRP e o artigo 17.º do CPA.

Quanto à alegada desproporcionalidade do pedido, esta não se verifica, uma vez que a informação se encontra centralizada em plataformas eletrónicas acessíveis, o que não compromete a eficiência administrativa. Pelo contrário, esses meios promovem a transparência e a boa administração. Relativamente à confidencialidade dos dados pessoais, a recusa de acesso deve ser entendida como excecional. O acesso é legítimo no caso em apreço, desde que respeitados os princípios da proteção de dados e da finalidade, garantindo um equilíbrio entre o direito à informação e os direitos dos titulares dos dados.

A meu ver, a recusa ao direito à informação seria possível, mas com a alteração de alguns factos, como por exemplo se o acesso do Recorrido à informação implica-se custos elevadíssimos ou se os dados requeridos versassem sobre a intimidade dos administrados ou ainda se a entrega da informação consequentemente produzisse uma atuação que iria contra a persecução do interesse público por parte da Administração, mas como tal não ocorre neste caso o Recorrido tem direito ao acesso à informação.

Bibliografia:


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