Comentário ao acórdão 1058/16.6BELRA de 30/03/2017 - Inês Pinto

21-04-2025

O presente comentário analisa o Acórdão proferido pela Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito de uma providência cautelar intentada por A. contra o Estado Português. A requerente solicitou o pagamento provisório de quantias a título de indemnização por alegada detenção ilegal. O Tribunal Administrativo de 1ª instância indeferiu liminarmente a providência, decisão essa que foi objeto de recurso.

I. Análise

A decisão do Tribunal Administrativo de 1ª instância fundamentou-se na alínea d) do nº 2 do artigo 116º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que prevê a rejeição liminar de providências cautelares quando há manifesta desnecessidade da tutela requerida. O Tribunal considerou que a requerente não se encontrava em grave carência económica, pois dispunha de rendimentos no montante de 542,56 € mensais, decisão contestada pela recorrente, que alegou auferir montantes inferiores e viver em condições precárias.

A recorrente fundamentou a necessidade da providência cautelar com base em dificuldades financeiras graves, destacando a sua situação de desalojamento, falta de eletricidade e acesso limitado a bens essenciais. Argumentou ainda que a indemnização solicitada seria essencial para garantir condições mínimas de subsistência.

O Tribunal Central Administrativo Sul analisou se a rejeição liminar era justificada, considerando se a alegada ausência de grave carência económica era suficientemente evidente para dispensar uma apreciação mais aprofundada dos factos e da necessidade da tutela cautelar.

II. Fundamentação

O Tribunal de recurso destacou que a rejeição liminar de uma providência cautelar deve ser aplicada com parcimónia, reservando-se para casos em que a improcedência da pretensão seja clara e indiscutível. Para tal, citou doutrina e jurisprudência que defendem que a tutela cautelar deve ser analisada com cautela, especialmente quando estão em causa direitos fundamentais e situações de necessidade urgente.

Citando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25/08/2010 (proc. n.º 637/10), o Tribunal Central Administrativo Sul salientou que a evidência da desnecessidade da tutela cautelar deve ser inequívoca, o que não se verificava no caso concreto. A precariedade das condições de vida da requerente e a sua alegada insuficiência de rendimentos indicavam que deveria ter havido uma análise mais aprofundada antes da rejeição liminar.

III. Decisão

O Tribunal Central Administrativo Sul concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão de rejeição liminar da providência cautelar e determinando a baixa dos autos para o seu normal prosseguimento. A decisão do Tribunal a quo foi considerada precipitada, pois a desnecessidade da tutela cautelar não era manifesta.

IV. Conclusão

O Acórdão reforça a necessidade de um juízo cauteloso na rejeição liminar de providências cautelares, especialmente quando envolvem alegações de grave carência económica. A decisão contribui para garantir que o direito à tutela cautelar seja efetivo, evitando indeferimentos prematuros que possam comprometer direitos fundamentais.

A interpretação restritiva da rejeição liminar prevista no artigo 116º, nº 2, alínea d) do CPTA, adotada pelo Tribunal Central Administrativo Sul, está alinhada com os princípios da proporcionalidade e do acesso à justiça, assegurando que casos de possível vulnerabilidade sejam devidamente analisados antes de serem descartados sumariamente.

BIBLIOGRAFIA

Antunes Varela, Manual de Processo Civil

Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Ato Administrativo Perdido

Sérvulo Correia, Francisco Paes Marques, Noções de Direito Administrativo - Volume I

Diogo Freitas do Amaral, «Curso de Direito Administrativo», volume II

Paulo Otero, «Manual de Direito Administrativo», volume I

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