Comentário ao Acórdão 05/06 de 06/03/2008 do STA- Diana Magno da Costa
Análise Crítica do Acórdão 05/06 de 06/03/2008 do Supremo Tribunal Administrativo
Contexto Jurídico e Factual- Enquadramento Jurídico:
O acórdão em análise discute a limitação do direito à greve, um direito fundamental garantido pelo artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), e as condições em que tal direito pode ser restringido, especialmente quando se depara com a necessidade de assegurar serviços essenciais à continuidade do funcionamento da Administração Pública.
A decisão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) insere se no contexto da interpretação das disposições constitucionais e legais pertinentes, como os artigos 57.º, n.º 3, e 18.º da CRP, e do Código do Trabalho (CT), que regulam as condições em que a greve pode ser limitada para garantir a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, como a administração da justiça.
O Direito à Greve e a Sua Limitação Constitucional:
O Tribunal reconhece que o direito à greve é fundamental, mas também sublinha que este não é absoluto, conforme previsto no artigo 57.º, n.º 3 da CRP. De acordo com a Constituição, a regulamentação do exercício deste direito deve observar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. Ou seja, o direito à greve pode ser restringido em determinadas circunstâncias, com a finalidade de garantir a satisfação de necessidades sociais impreteríveis, como os serviços judiciais e outros serviços essenciais à segurança e à proteção dos direitos fundamentais.
No caso concreto, o Tribunal abordou o papel da Administração Pública na proteção do interesse público, defendendo que, quando a greve afeta serviços essenciais, como a justiça, é legítima a intervenção do Governo para garantir que os serviços mínimos sejam prestados. Isso reflete o princípio de que a proteção de direitos fundamentais, como a liberdade individual e a proteção de menores, deve prevalecer sobre o exercício irrestrito da greve, especialmente em situações que envolvem o cumprimento de obrigações públicas essenciais.
O Papel da Administração Pública na Definição de Serviços Mínimos:
A decisão do Tribunal destaca a competência do Governo para definir os serviços mínimos necessários durante uma greve, especialmente quando se trata da Administração Pública. O Tribunal, ao interpretar o artigo 599.º do Código do Trabalho, conclui que, na ausência de um acordo entre as partes (empregador e sindicatos), e em face da impossibilidade de constituir um colégio arbitral, o Governo deve assumir a responsabilidade de determinar os serviços a serem mantidos durante a greve. Este entendimento é uma consequência lógica da necessidade de assegurar o cumprimento de serviços essenciais à sociedade, como os que garantem o funcionamento da justiça e a proteção de direitos fundamentais.
É importante destacar que o Tribunal também considera a proporcionalidade dessa intervenção. Embora o Governo tenha competência para fixar os serviços mínimos, a sua atuação deve ser limitada àquilo que é estritamente necessário para assegurar o funcionamento da Administração Pública sem comprometer o direito dos trabalhadores à greve. O Tribunal, portanto, sublinha a necessidade de respeitar os direitos dos trabalhadores, mas também afirma que esses direitos não podem prevalecer a ponto de comprometer outros direitos igualmente constitucionais, como o direito à liberdade e à segurança.
Requisição Civil: Garantia do Cumprimento dos Serviços Mínimos:
A análise da requisição civil no acórdão é outro ponto relevante. O Tribunal confirma que a requisição civil só pode ser decretada quando se constate o incumprimento dos serviços mínimos e quando a falta de cumprimento desses serviços possa comprometer gravemente a segurança e a estabilidade social. Esse instrumento deve ser utilizado como último recurso, após esgotadas todas as tentativas de garantir a prestação de serviços mínimos por meios menos coercitivos. A requisição civil, portanto, se insere num regime jurídico que visa preservar o equilíbrio entre a garantia dos direitos fundamentais e a proteção do interesse público, sem que haja uma intervenção desproporcional do Estado no exercício do direito à greve.
Opinião Crítica sobre o Direito à Greve e a Necessidade de Responsabilidade:
Embora o direito à greve seja de extrema importância no contexto das relações laborais, a sua aplicação deve ser realizada de forma adequada e responsável, especialmente em setores essenciais como a justiça. Greves são um direito legítimo dos trabalhadores, mas, quando realizadas, devem garantir que a sua execução não cause danos irreparáveis ou prejudique a prestação de serviços essenciais à sociedade. No caso específico da administração da justiça, uma greve que paralise serviços críticos pode comprometer não apenas a proteção de direitos individuais, mas também a credibilidade do sistema judicial como um todo.
Portanto, é fundamental que as greves sejam sempre exercidas com a devida responsabilidade, tendo em vista o impacto social e a necessidade de preservar a continuidade dos serviços essenciais. A Administração Pública, por sua vez, deve garantir que as condições para o exercício desse direito sejam equilibradas com a necessidade de garantir que os serviços mínimos sejam mantidos, sem que haja um sacrifício desnecessário de direitos fundamentais, tanto dos trabalhadores quanto dos cidadãos.
Proporcionalidade na Intervenção Estatal e o Papel dos Sindicatos:
Em conclusão, o acórdão do STA, ao validar a atuação do Governo na definição dos serviços mínimos e na requisição civil, busca equilibrar a proteção de direitos fundamentais com a necessidade de garantir a continuidade de serviços essenciais. No entanto, essa decisão coloca em destaque as tensões entre a autonomia sindical e a intervenção do Estado, sinalizando a necessidade de revisitar os limites da regulamentação do direito à greve. A análise crítica aponta para a necessidade de assegurar que a intervenção estatal não seja excessivamente desproporcional, preservando o equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos e os interesses públicos.
Diana Magno da Costa, nº 69868