Comentário ao Acórdão 0150/24.8BEFUN do STA - Diogo Ventura

01-12-2024

Este acórdão trata de um recurso interposto pela Fazenda Pública contra decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que anulou um ato de penhora sobre uma empresa da Zona Franca da Madeira (ZFM). O ponto central do litígio é a interpretação das normas da União Europeia (UE) sobre a recuperação de auxílios do Estado e a sua compatibilidade com as normas de Direito tributário e processual português.

A execução fiscal teve origem numa Decisão da Comissão Europeia, de 4 de dezembro de 2020 (Decisão (UE) 2022/1414), que declarou como ilegal o regime de benefícios fiscais concedido a empresas na ZFM. Em cumprimento dessa decisão, a Autoridade Tributária (AT) iniciou um processo de execução fiscal para a cobrança de dívidas de IRC de exercícios anteriores, alegando que a execução deveria ocorrer de forma célere e eficaz, de acordo com os princípios do Direito da UE.

A Fazenda Pública defende que a suspensão da execução, concedida pelo tribunal a quo, é ilegal, pois contraria o princípio do primado do Direito da UE e compromete a recuperação imediata dos auxílios. Alega ainda que as disposições processuais internas que permitem a suspensão de uma execução fiscal mediante prestação ou dispensa de garantia (artigos 169.º, 170.º, 196.º e 199.º do CPPT e o artigo 52.º da LGT) não deveriam ser aplicadas quando está em causa a recuperação de auxílios de Estado, dada a prioridade e urgência impostas pela legislação europeia. Assim, sustenta que a decisão do tribunal inferior configura uma interpretação incompatível com o Direito da UE.

A empresa defende-se afirmando que a execução fiscal ocorreu sem que a AT tivesse respondido ao seu pedido de dispensa de garantia, uma medida de proteção solicitada com base na sua insuficiência patrimonial. Alega que a penhora foi injustificada, violando os seus direitos de defesa e as garantias de tutela efetiva consagradas na Constituição portuguesa e na legislação tributária nacional. Além disso, argumenta que o deferimento do pedido de suspensão não inviabilizaria a recuperação célere dos auxílios, respeitando as formalidades nacionais e assegurando a proteção de seus direitos como contribuinte.

O tribunal a quo entendeu que a AT violou o princípio da tutela jurisdicional ao avançar com a penhora antes de responder ao pedido de dispensa de garantia e antes do prazo para impugnação judicial. Considerou ainda que o direito europeu não impede a aplicação de formalidades nacionais, desde que não afetem a eficácia e celeridade da recuperação. Em suma, o tribunal concluiu que, ao garantir o direito da empresa de contestar a dívida, a decisão não comprometia a recuperação do auxílio, mas assegurava um processo justo e alinhado com as normas internas.

O STA rejeitou a nulidade alegada pela Fazenda Pública e suspendeu a análise do recurso. Explicou que a questão de mérito já estava em análise pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em um processo conexo, de modo que a decisão de mérito aguardará o pronunciamento do TJUE. Essa suspensão garante uma uniformidade de interpretação e evita decisões divergentes que poderiam comprometer a aplicação harmonizada do Direito da UE.

O caso revela uma tensão frequente entre a obrigação de recuperação eficaz dos auxílios, exigida pelo Direito da UE, e as garantias processuais oferecidas pelo Direito interno. O TJUE, em sua jurisprudência, defende que a recuperação de auxílios deve ser rápida e efetiva, mas aceita que as formalidades nacionais sejam observadas, desde que não limitem o efeito útil do Direito europeu. O STA, ao suspender o caso, demonstra prudência ao aguardar uma decisão do TJUE, que definirá se o pedido de suspensão por via de garantia afeta ou não a eficácia da recuperação de auxílios de Estado. Essa postura evita possíveis conflitos de jurisdição e assegura uma aplicação mais coordenada das normas de ambos os sistemas jurídicos.

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