Comentário Acórdão STA - (Proc.0136/20.1BALSB) - Carlota Marques

27-05-2025

A sociedade A Lda. moveu uma ação cautelar contra o Governo português, representado pelo Conselho de Ministros e a Presidência do Conselho de Ministros. A empresa procurava uma indemnização provisória pelos prejuízos que alegava ter sofrido devido ao encerramento do seu estabelecimento, "B", a partir de 13 de março de 2020. Este encerramento foi uma consequência direta das medidas de combate à pandemia de COVID-19. A sociedade A argumentou que a imposição do encerramento sem a devida compensação violava o seu direito à liberdade de iniciativa económica, um direito fundamental consagrado no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa (CRP). A empresa detalhou os prejuízos mensais e lucros cessantes, incluindo apoios de lay-off recebidos, e apresentou lucros de anos anteriores para reforçar a sua posição.

A Decisão do Supremo Tribunal Administrativo e a sua Aplicação dos Princípios

No entanto, o Supremo Tribunal Administrativo (STA), após análise em conferência, julgou a ação cautelar improcedente. A decisão do STA foi crucial para estabelecer os limites da responsabilidade do Estado em contextos de emergência, aplicando diretamente os princípios do direito administrativo ao caso.

Os pontos centrais da decisão e a sua relação com a matéria legal foram:

  • Necessidade das Medidas em Estado de Emergência: O tribunal reconheceu que as medidas de encerramento de estabelecimentos, impostas pelo Decreto-Lei n.º 10-A/2020 e pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 92-A/2020, foram necessárias para combater a pandemia. Estas ações foram consideradas compatíveis com o estado de emergência e calamidade pública declarados, sublinhando que a ação do Estado visava salvaguardar o interesse público da saúde coletiva. No caso da sociedade A, o STA validou a legitimidade da atuação do Governo face à gravidade da situação.
  • Ausência de "Danos Anormais": O STA concluiu que os prejuízos sofridos pela empresa não constituíam "danos anormais" para efeitos da responsabilidade do Estado. Este é um conceito fundamental no direito administrativo português, significando que os danos não ultrapassavam os custos que são próprios e esperados da vida em sociedade em circunstâncias excecionais. Na aplicação ao caso concreto, os prejuízos resultantes do encerramento do "B" foram interpretados como parte dos custos normais e inerentes a uma crise sanitária desta dimensão. Por isso, não se gerava o dever de indemnização, pois as medidas, embora prejudiciais, não eram consideradas um ato ilícito.
  • Aplicação do Princípio da Proporcionalidade: A restrição da atividade da sociedade A, embora significativa, foi vista como uma medida proporcional e essencial para proteger a saúde pública. O STA ponderou aqui os subprincípios da proporcionalidade:
    • Adequação: O encerramento do estabelecimento foi considerado adequado para controlar a propagação do vírus.
    • Necessidade: O tribunal entendeu que não existiam alternativas menos gravosas que garantissem a mesma eficácia na contenção da pandemia.
    • Proporcionalidade em Sentido Estrito: O benefício para o interesse público (saúde coletiva) foi considerado superior ao sacrifício imposto à empresa. Ou seja, o impacto económico, apesar de real, não era desproporcional face ao bem que se visava proteger. Esta ponderação é crucial e alinha-se com o artigo 18.º da CRP, que permite a limitação de direitos, liberdades e garantias desde que tal seja necessário e proporcional para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Implicações na Responsabilidade Administrativa e Garantias dos Particulares

Esta decisão do STA tem implicações significativas para a compreensão da responsabilidade administrativa do Estado e das garantias dos particulares em Portugal, aplicando os artigos e princípios relevantes ao caso concreto da sociedade A.

  • Responsabilidade Administrativa: A decisão ilustra que o Estado não é automaticamente obrigado a indemnizar todos os danos causados por medidas legítimas tomadas em situações de emergência. As ações governamentais em questão não foram consideradas ilícitas pelo STA. O tribunal baseou a sua conclusão nos artigos 55.º e 56.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que regulam a responsabilidade da Administração por danos. Ao determinar que os danos não eram "anormais", o STA entendeu que as condições para imputar responsabilidade ao Estado não se verificavam, pois a atuação administrativa foi exercida no âmbito da sua competência legal e em prol de um interesse público superior, não configurando um ato ilícito que gerasse uma obrigação de compensação automática.
  • Garantias dos Particulares: O acórdão realça que os direitos e garantias dos cidadãos, embora fundamentais e protegidos pela CRP – como o artigo 61.º da CRP (liberdade de iniciativa económica) e o artigo 268.º da CRP (princípio da legalidade da Administração) –, não são absolutos. Em situações de emergência pública, podem ser relativizados face a um interesse público superior, como a proteção da saúde coletiva. A sociedade A invocou o direito à compensação, mas o STA, ao ponderar este direito com o dever do Estado de proteger a saúde pública, concluiu que, neste caso específico, a última prevalecia. A Lei n.º 4/2014 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), no seu artigo 11.º, também reforça que as ações administrativas devem ser realizadas com respeito pelos direitos dos cidadãos, mas sempre em conformidade com a lei e os princípios da boa-fé e diligência, o que inclui a proporcionalidade. A jurisprudência tem vindo a consolidar que, em contextos de crise, a responsabilidade administrativa pode ser mitigada quando as medidas são proporcionais e essenciais para a proteção da saúde e segurança públicas, mesmo que causem prejuízos económicos a particulares.

Em síntese, o tribunal concluiu que os prejuízos da sociedade A, embora reais, eram um custo aceitável e não "anormal" diante da necessidade de proteger a saúde pública, negando assim a indemnização. Este caso ilustra o complexo e essencial equilíbrio que o direito administrativo deve manter entre a atuação do Estado em situações de crise e a proteção dos direitos individuais.

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