Análise do acórdão nº 02630/23.3BELSB de 26 julho 2024, STA- Os princípios gerais do procedimento administrativo- Ana Luísa Santos
A administração pública rege-se por princípios, consagrados no Código de Procedimento Administrativo, de forma a limitar o poder discricionário. Estes, são agora, regras fundamentais na atividade administrativa, assim como constituem valores fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
O Prof. Freitas do Amaral introduziu, na doutrina portuguesa, a ideia de que estes princípios são, também, fornecedores de parâmetros de decisão obrigatórios, resultando eles da ordem jurídica global, como da ordem constitucional. Desta forma, o legislador constituinte consagrou uma série de princípios, apoiado em diversas construções da jurisprudência constitucional.
Dando ênfase ao estipulado no Código de Procedimento Administrativo e ao acórdão suprarreferido, é importante analisar os princípios que guiam a atuação da Administração e como estes têm influência na decisão final consagrada na jurisprudência referida.
Primeiramente, é importante delinear a questão apresentada: o recurso de revista em questão, vem colocar em causa a omissão administrativa do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) na sua decisão sobre o pedido de nacionalidade portuguesa de AA, que alegou a violação de um direito fundamental- o direito à cidadania, estipulado no art.26º da CRP. Por outro lado, vem o IRN argumentar que a intimação utilizada não é adequada para a resolução de questões que envolvem expectativas jurídicas, como o direito à nacionalidade, mas sim um procedimento administrativo próprio, alegando, assim, que a Administração tem liberdade para gerir a tramitação dos processos, não tendo, desta forma, obrigatoriedade em conferir prioridade neste processo. Alega ainda que a decisão do TCAS (Tribunal Central Administrativo do Sul), viola o princípio da separação de poderes (art.111º, CRP).
AA, autor do pedido de cidadania portuguesa, reforça a ideia da urgência da situação, alegando, também, que a decisão não foi tomada dentro dos prazos legais estabelecidos, afirmando omissão e inércia administrativa.
Por fim, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo baseou-se, de acordo com os poderes que são conferidos pelo disposto no art.202º da CRP, na não assistência de razão ao recorrente (IRN) mantendo o definido pelo acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo.
Depois de uma breve análise da questão em si, há que enfatizar os problemas jurídicos com enfoque no Direito Administrativo. Em primeiro, é de ter em conta que o procedimento da aquisição da nacionalidade portuguesa é regulado por lei própria, o que não implica a não aplicação do CPA, em tudo o que não for particularmente regulado, como prevê o art.2º do mesmo.
Em seguida, e realçando que o IRN é um instituto público, pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, este insere-se na administração indireta do Estado. É discutível a violação de alguns princípios gerais da atividade administrativa: no que concerne à relação com os particulares, o princípio da igualdade (art.6º, CPA) impõe um dever de não discriminação- os particulares gozam de comportamentos discricionários, desde que não violem valores fundamentais da ordem jurídica contrariamente à Administração que não goza desta margem de discriminação em qualquer situação. O princípio da imparcialidade, no art.9º do CPA, aplicável tanto à resolução de casos concretos como à emissão de normas gerais e abstratas, proíbe a Administração de decidir em casos em que o titular de um órgão tenha interesses diretos ou indiretos no procedimento. Para além dos já referidos, é colocado em causa o desrespeito pelo estipulado no art.8º do CPA, que confere competência aos órgãos administrativos para atuarem de forma justa e razoável. A nível constitucional, estão em causa os artigos 12º, 13º e 15º da CRP.
Da nossa perspetiva, é ainda mais crucial discutir a falta de decisão por parte da Administração que se verificou no caso sub judice: o art.13º do CPA, impõe à Administração Pública um dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados, obrigando-a a dar resposta célere aos particulares e fixando as consequências da não-decisão por inação do órgão competente. Para além disso, nos termos do art.129º do CPA, a falta de decisão implica incumprimento (art.52º, CRP) e confere ao interessado, neste caso, a AA, a possibilidade de utilizar meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados (art.20º/5, CRP). Devemos referir ainda que, no que se refere ao tempo da decisão administrativa, é essencial respeitar o art.5º/1 do CPA, no que toca à eficiência e eficácia de uma boa administração, juntamente com o dever de celeridade, expresso no artigo 59º do mesmo código. Está, ainda, em causa a violação do art.41º do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa.
Em jeito de concluir, estão em causa diversos princípios que regem a Administração Pública na sua atuação e por isso, de acordo com o nosso ponto de vista, a decisão do STA foi a mais acertada em negar provimento ao recurso e manter o acórdão do TCAS.