Análise do acórdão nº.02084/23.4BELSB- Os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos- Ana Luísa Santos

11-12-2024

A ordem jurídica portuguesa atribui aos indivíduos o estatuto de sujeitos de direitos, titulares de direitos subjetivos perante as autoridades públicas e suscetíveis de estabelecer relações jurídicas com a Administração Pública. O nosso ordenamento jurídico atribui, ainda, um campo amplo de fontes, no que toca aos direitos subjetivos públicos, tais como a Constituição da República Portuguesa ( CRP), o direito internacional, o ato administrativo, entre outros.

Desta forma, e tendo em conta a amplitude do âmbito de aplicação dos direitos subjetivos públicos, importa analisar, no caso apresentado- acórdão nº.02084/23.4 BELSB- como pode atuar a teoria da norma de proteção e a defesa dos direitos subjetivos dos cidadãos.

Em primeiro, é importante entender o sucedido. O caso sub judice alude a um pedido de intimação, por parte de AA , no intuito de proteger os seus direitos, liberdades e garantias, apresentando-o contra o ministério da Administração Interna. Assim, o recorrente pretendia obter uma decisão administrativa sobre a concessão de autorização de residência , solicitada pelo mesmo a dezembro de 2022. Contudo, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, rejeitou liminarmente o pedido, entendendo que não estava preenchido o requisito da subsidiariedade, inerente à intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias. A decisão foi mantida pelo Tribunal Central Administrativo do Sul, apoiando a providência requerida, alegando que, de facto, o meio processual não seria o adequado. Inconformado, o recorrente interpôs recurso de revista ao Supremo Tribunal Administrativo, alegando, entre outros argumentos, a violação do seu direito à tutela jurisdicional efetiva (art.20,º, CRP), a realização de um ato desproporcional ( contrário ao estipulado no art.7.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que estabelece que a prossecução do interesse público deve ser acompanhado pelos critérios de adequação, necessidade e equilíbrio) e injustificado da Administração, tal como a afetação na esfera dos direitos fundamentais de AA.

Por fim, é de notar a decisão do Supremo Tribunal Administrativo que concedeu provimento ao recurso interposto, revertendo a decisão anterior do Tribunal Central Administrativo do Sul, que antes havia negado provimento à pretensão do recorrente. O STA reconheceu que a rejeição liminar do pedido de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não foi adequada. O veredicto final veio reforçar a aplicação dos direitos fundamentais em matéria de inércia administrativa e assegurar a tutela jurisdicional efetiva do recorrente.

Desta forma, e face ao exposto, é crucial analisar os aspetos relacionados com os direitos e interesses legalmente protegidos do recorrente, AA. A noção de direito subjetivo está intimamente ligada com a noção de relação jurídica, até porque é o reconhecimento ao indivíduo da titularidade de direitos subjetivos que constitui o próprio fundamento da admissibilidade de relações jurídicas, entre ele e o Estado, sendo uma relação de igual para igual. É importante referir que este reconhecimento, enquanto proteção jurídica da dignidade da pessoa humana, constitui um princípio essencial do Estado de Direito, cuja consagração determina importantes consequências práticas no âmbito do Direito Administrativo- possibilidade de atuação no procedimento para a defesa preventiva dos direitos do indivíduo perante a atuação da Administração ( art.268.º/3,4 e 5, CRP). São, então, titulares de direitos subjetivos públicos tanto os indivíduos a quem eles foram concedidos diretamente pela ordem jurídica, como aqueles que foram lesados por uma atuação administrativa , como se verifica no caso suprarreferido.

O entendimento amplo dos direitos subjetivos públicos tanto resulta das normas constitucionais que consagram os direitos fundamentais (art.12.º e seguintes, CRP) como encontra, também, consagração legislativa no Código de Procedimento Administrativo, designadamente no art.68.º que vem estabelecer a legitimidade para intervir no procedimento. Mediante o estipulado no art.68.º/2 do CPA, clarifica se o reconhecimento legislativo de direitos de defesa dos particulares ancorados nos direitos fundamentais e por isso, em nosso entender, é legítimo o pedido do recorrente, uma vez que está a atuar mediante os direitos que lhe foram concedidos e em proteção dos mesmos.

De forma a explorar alguns dos direitos em causa, na esfera do recorrente, procederemos a alguns exemplos: o art.268.º/4 da CRP garante aos cidadãos o direito à boa administração e a uma tutela jurisdicional efetiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (art.20º, CRP); para além disso, já no âmbito do direito administrativo, estão, igualmente, em causa diversos artigos. Primeiramente, o art.4.º do CPA, estipula que deve a Administração atuar mediante o interesse público, mas de forma a respeitar e promover os direitos e os interesses legítimos dos cidadãos ( AA vem alegar que a Administração não procedeu com diligência, desrespeitando os seus direitos fundamentais); é, ainda, possível notar que está em causa o art.13.º e 59.º do mesmo código- aplicando os artigos ao caso supra mencionado percebe-se , realmente, que os mesmo não foram respeitados, no que concerne com o pronunciamento do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.

Em suma, e face ao exposto, AA estava apenas a defender os seus direitos e expectativas jurídicas, pelo que, na nossa perspetiva, consideramos a decisão do Supremo Tribunal Administrativo bastante acertada, já que está em causa uma questão com bastante relevância jurídica.

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