Análise do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 20/17.6YFLSB, de 23-01-2018- Carolina Mendes

28-05-2025

No caso em análise a Recorrente A interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), ao abrigo do artigo 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), com o objetivo de obter a anulação da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM). Essa deliberação aprovou a possibilidade de um mesmo Inspetor realizar mais do que uma inspeção judicial ao mesmo juiz, excetuando os casos em que o juiz tenha anteriormente reclamado da notação atribuída por esse Inspetor ou quando o Conselho tenha alterado a proposta correspondente.

A Recorrente sustenta que tal possibilidade poderá dar origem a preconceitos ou juízos pessoais recíprocos, colocando em causa princípios estruturantes do sistema jurídico-constitucional português, nomeadamente o princípio da confiança (artigo 2.º da CRP), o princípio da independência dos juízes (artigo 203.º da CRP), o princípio da inamovibilidade (artigo 216.º da CRP) e, sobretudo, o princípio da imparcialidade (n.º 2 do artigo 266.º da CRP). Em consequência, a Recorrente defende que a deliberação em causa deveria ser anulada ao abrigo do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), por violação de princípios fundamentais do Direito Administrativo.

Em resposta, o Conselho Superior da Magistratura sublinha que a deliberação não impõe como regra obrigatória que um mesmo Inspetor volte a inspecionar o mesmo juiz, tratando-se apenas da possibilidade de isso ocorrer. Assim, não se compromete o princípio da independência judicial. O CSM salienta ainda que a deliberação inclui uma cláusula de salvaguarda que permite ao juiz apresentar reclamação da notação proposta, caso se verifique alguma das situações hipotéticas apontadas pela Recorrente. Além disso, recorda a existência de mecanismos legais destinados a assegurar a objetividade e isenção do processo, designadamente a possibilidade de o juiz suscitar o impedimento do Inspetor, nos termos do artigo 69.º do CPA, caso haja indícios de que a sua imparcialidade esteja comprometida. Com base nestes argumentos, o CSM defende que a deliberação impugnada não viola qualquer norma legal nem qualquer princípio constitucional ou administrativo.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, pronunciando-se ao abrigo do artigo 176.º do EMJ, emitiu um parecer no qual concluiu pela improcedência do recurso. A posição do Ministério Público assenta no entendimento de que a invocação dos princípios constitucionais da independência, inamovibilidade, confiança e imparcialidade é feita pela Recorrente de forma genérica e hipotética, sem que sejam apresentados factos concretos que sustentem uma violação efetiva desses princípios. Segundo esta posição, não basta levantar meras possibilidades teóricas para que se possa concluir pela ilegalidade da deliberação impugnada. Pelo contrário, conclui-se que o processo respeita as normas legais e os princípios que lhe são aplicáveis, mesmo após a introdução da possibilidade referida na deliberação em causa.

No plano do Direito Administrativo, o princípio da imparcialidade encontra-se consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, bem como no artigo 9.º do CPA. Este princípio impõe à Administração o dever de atuar de forma objetiva e isenta, considerando apenas os interesses legalmente relevantes. A invocação deste princípio por parte da Recorrente encontra fundamento na ideia de que avaliações repetidas por parte do mesmo Inspetor podem pôr em causa a confiança na imparcialidade da Administração. No entanto, como salienta o CSM, estas preocupações são meramente hipotéticas e estão suficientemente acauteladas por instrumentos legais adequados.

A vertente negativa do princípio da imparcialidade está expressa nos artigos 69.º e 70.º do CPA, que regulam o regime dos impedimentos. Nestes casos, se se verificar alguma das situações previstas na lei, o agente ou órgão administrativo deve ser substituído por outro com competência para intervir no processo, assegurando-se, assim, a objetividade da decisão. Caso um particular considere que a imparcialidade não foi respeitada, poderá recorrer ao tribunal para pedir a anulação do ato administrativo com fundamento na sua invalidade.

Desta forma, entende-se que a proteção conferida pelo ordenamento jurídico português, nomeadamente através do mecanismo do impedimento, é suficiente para salvaguardar a imparcialidade dos Inspetores, afastando-se o cenário extremo aventado pela Recorrente.

Em conclusão, considera-se que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso da Recorrente foi a mais adequada, uma vez que o sistema jurídico já contempla mecanismos eficazes de proteção da imparcialidade, como o previsto no artigo 69.º do CPA, que salvaguarda eventuais situações de conflito ou suspeição que possam surgir no âmbito do processo.

Bibliografia:

AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito Administrativo", vol. II, ed. 2016, Almedina

Subturma 12 © Todos os direitos reservados 2024
Desenvolvido por Webnode Cookies
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora